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09 de Novembro de 2006 às 13:59

A política da concorrência e a política económica (III)

Uma das teorias do desenvolvimento económico mais interessantes dos últimos anos é a teoria de Parente e do Nobel Prescott1 sobre o bloqueamento do crescimento económico devido às rendas de monopólio (e distorções na afectação de recursos).

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5. Política da Concorrência e Desenvolvimento Económico

Uma das teorias do desenvolvimento económico mais interessantes dos últimos anos é a teoria de Parente e do Nobel Prescott1 sobre o bloqueamento do crescimento económico devido às rendas de monopólio (e distorções na afectação de recursos). Segundo esta teoria o crescimento é devido a saltos tecnológicos, entendido de uma forma ambrangente. Para uma economia incorporar tecnologias mais avançadas, tem que acumular capital humano e físico. Porém, são os agentes económicos que decidem realizar ou não estes investimentos, e os factores que influenciam estas decisões é que são determinantes. Esta teoria, para além de descrever o processo de crescimento explica também porque é que se dá o crescimento.

A explicação do crescimento entronca num jogo entre agentes económicos. Suponhamos que se formam coligações de interesses em diferentes sectores, e que estas auferem rendas de monopólio. Qualquer outro agente que desafie estas coligações com a pretensão de introduzir uma tecnologia (técnicas, sistema de gestão, etc.) mais avançada pode ser bloqueado por aquela coligação. É evidente que esta capacidade de bloqueio depende de vários factores: quanto mais elevadas forem as rendas de monopólio, menor for a dimensão da coligação, e maiores forem as barreiras à entrada, menor será a possibilidade de o agente inovador conseguir iniciar o salto tecnológico. Poderá a coligação ser "comprada" ("bought-off")? Primeiro, devido à limitação dos impostos e a restrição em democracia de "pagamentos a grupos" esta solução não existe. Segundo, passar os "direitos de monopólio" da primeira para uma segunda ou terceira coligação não resolve o problema, pois continua a haver bloqueio. Esta solução põe claramente o problema de inconsistência intertemporal: "dar os direitos e depois retirá-los".

Esta teoria tem paralelo em alguns desenvolvimentos da economia política da democracia e desenvolvimento económico. Em particular da exploração do impacto dos grupos de interesse (Olsen e Dacemoglu2) no crescimento. Nestas teorias, quanto maior for o acolhimento dado pelos poderes públicos aos interesses destes grupos (coligações), e estes interesses (privados) se afastarem do interesse público (prossecução do bem-estar social e crescimento económico), menor será o nível de desenvolvimento do país.

O modelo de Parente e Prescott explica uma parte substancial do diferencial de produtividade entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, o que modelos tradicionais neoclássicos não conseguiam fazer. As simulações efectuadas mostram que comparando uma economia completamente concorrencial com a economia de rendas (direitos) de monopólio, a primeira é três vezes mais produtiva que a segunda3.

6. Um pouco de história económica

Durante o período do Estado Novo, a política da concorrência teve um dos maiores impactos na "idade do ouro do crescimento português" através da política de abertura ao exterior a partir dos anos 1960. Na frente interna, o condicionalismo industrial, cuja eficácia tem sido objecto de disputas entre os economistas portugueses, foi ao longo dos 40 anos uma das políticas mais anticoncorrenciais do Estado Corporativo. Esta herança seria uma das mais graves para as décadas subsequentes da evolução empresarial portuguesa, condicionando o empreendedorismo e inovação através do proteccionismo estatal.

No período pós-Revolução, a política da concorrência começa a ser implementada através da entrada na CEE com mais um choque de abertura ao Exterior e a política de liberalização e privatização dos governos de Cavaco Silva. Apesar do primeiro diploma legal sobre concorrência datar de 1983, não se pode dizer que nenhuma das outras componentes da política da concorrência tenha sido implementada, e o tecido empresarial continuou a ser dominado por uma certa ideia de proteccionismo, agravado seriamente com o forte fluxo de subsidiação alimentado pelos fundos estruturais. É só a partir de 2003 que se institui uma nova Lei da Concorrência com sanções mais pesadas, competindo a sua aplicação a uma estrutura institucional mais eficaz e independente, a Autoridade da Concorrência.

7. Porque é urgente que Portugal adopte uma política de concorrência mais eficaz?

É claro que as políticas de gestão da procura, no contexto da União Europeia, não só têm uma efectividade limitada como não podem ser usadas para estimular o crescimento. Perdemos a política monetária, e enquanto não equilibrarmos o orçamento, não podemos usar a política orçamental como política anticíclica. O desequilíbrio orçamental prejudica o crescimento, mas o equilíbrio ou excedente, por si só, não estimula o crescimento. Apenas as políticas estruturais, ou da oferta, podem estimular a oferta e o crescimento.

Depois de ter atingido um pico no rendimento "per capita" de 74% da média da UE, Portugal interrompeu o processo de convergência a partir de 1998, tendo já perdido cerca de 8 pontos percentuais. As razões desta estagnação, embora em parte conjunturais – a Europa tem estado imersa desde 2000 numa fase de baixo crescimento –, são essencialmente estruturais: perda de competitividade, uma estrutura produtiva que sofre forte concorrência global (têxteis) e dos novos países da UE (automóveis e máquinas), perante custos laborais relativamente elevados e baixo nível de qualificação da mão-de-obra, associados a problemas estruturais que não têm sido resolvidos por reformas profundas e essenciais.

A contribuição que o aperfeiçoamento do sistema de regulação, e em particular o da concorrência, pode trazer para o crescimento económico de Portugal é de uma enorme importância. Segundo a OCDE, o gap tecnológico que nos separa dos países mais desenvolvidos poderia ser reduzido de um quarto, e a produtividade subir 10% se os nossos sistemas de regulação se aproximarem das "melhores práticas" entre os países nossos parceiros. É que este impacto é tanto maior quanto o país está mais longe da fronteira tecnológica mundial, como é o nosso caso.

Quais os factores microeconómicos que podem contribuir para o crescimento do PIB? Primeiro, uma regulação mais eficiente e política de concorrência mais eficaz contribuiriam para a redução dos preços das infraestruturas (telecomunicações, energia, comunicações, transportes) que são um factor essencial da competitividade da economia. A detecção de cartéis e outras práticas restritivas pode reduzir de uma forma substancial a despesa pública e os custos de investimento privado e público, contribuindo para a redução dos impostos. Finalmente, uma actuação mais adequada do Estado, de forma a reduzir os factores distorcionários do mercado contribuiu para uma economia mais eficiente.

1 Parente e Prescott, Monopoly Rights: A Barrier to Riches, American Economic Review, Dez. 1999.
2 Olsen, The Wealth and Decline of Nations, Oxford University Press, 1996. Dacemoglu and Robinson, On Democracy and Revolutions, MIT Press, 2006.
3 Este é o diferencial calculado por Hall e Jones, Why do Some Countries Produce so Much More Output than Others?, Quarterly Journal of Economics, 2001, ao comparar a produtividade total dos EUA em relação à Índia.

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