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A palavra de um homem livre

A Igreja nem sempre esteve ao lado das causas justas, colocada junto do poder, influenciando-o ou sendo-lhe obediente, por vezes servil. Perseguiu, homiziou, queimou, liquidou muita gente. Não se trata, aqui, de proceder a qualquer revanchismo; nada disso: apenas a lembrança das coisas.

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Em Portugal, o procedimento da Igreja merece as maiores censuras. Leia-se, entre outros, Alexandre Herculano, António Baião, António Borges Coelho ou Raul Rego para aferirmos da dimensão dessa responsabilidade.

No entanto, ocasionalmente, vozes isoladas como que resgataram os silêncios e os crimes cometidos, por omissão ou cumplicidade. Recordo, nos nossos tempos, os nomes do padre Abel Varzim, D. António Ferreira Gomes, padres Felicidade Alves e Mário de Oliveira, frei Bento Domingues, que pagaram muito caro o preço de, simplesmente, querer conhecer a verdade e dizê-la. E, recentemente, não esqueçamos D. Manuel Martins, cuja insurgência pelo facto de a fome a a miséria alastrarem, assustadoramente, em Setúbal, durante um governo de Mário Soares, deu brado e teve repercussões internacionais. Nestes últimos anos, a voz de D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, tem-se feito ouvir, com a veemência própria de quem detesta atropelos morais e iniquidades constantes.

Já se sabe que, quando o bispo comenta a actualidade, com o direito que lhe dá o conhecimento de causa e a incomodidade que a prepotência lhe provoca, erguem-se logo os trompetistas do poder, membros do Governo ou preopinantes com poucos conhecimentos destas questões. Aconteceu novamente. E a brotoeja dos fenos a ocasionar estas comichões.

Numa entrevista à TVI, D. Januário caracterizou este Governo como corrupto. Toda a gente o diz, mas o bispo deveria estar calado. Não compreendo porquê. E, embora tivesse falado em nome pessoal, a Igreja não se indispôs com a força das declarações. Pelo contrário, a Conferência Episcopal, através do seu porta-voz, declarou, embora com prudência, que a verdade deve ser dita.

Homens como os referidos têm resgatado, de certa forma, as conivências, por vezes indecorosas, da Igreja. E a força que dimanam das vozes dissentes conduzem a uma espécie de satisfação dos próprios crentes. O medo também os envolveu e envolve. E a tradição a regra segundo as quais a Igreja não deve imiscuir-se nos assuntos terrestres encobre, muitas vezes, compromissos inquietantes.

O poder não gosta, até por resguardo, que os padres assumam a condição de também ser cidadãos. A resposta do ministro da Defesa às declarações do bispo constitui um remendo mal cerzido, ainda por cima deseducado. O que chateia esta gente é saber que alguém da Igreja fala , disse, laconicamente, D. Januário Torgal Ferreira.

A dramática situação portuguesa já não pode ser dissimulada com cosmética e técnicas de contra-informação. Os elementos que possuímos são de molde a exigir uma clarificação do Governo. E, também, uma declaração do dr. Cavaco, cujo mutismo ou tergiversação no discurso começam a ser cada vez mais irritantes, para não dizer repulsivas. Perante o calamitoso, ouvem-se já vozes de sectores importantes a exigir uma espécie de Governo de salvação nacional. Isto significa que este Executivo não serve, e que não chega atribuir ao anterior a responsabilidade do que nos acontece. A direita, a direitinha e a direitona não gostam que lhe gritem as verdades. Há quem as diga.

Um amigo inesquecível

Há um montão de anos que ele faz parte das nossas vidas. Escreve, produz, apresenta, entrevista, dialoga, promove, incentiva, estimula, descobre, não deixa morrer a memória das coisas, dos factos e das pessoas. A sua vida confunde-se com a da televisão. Mas não só, o que, já de si, seria imenso. Faz rádio, organiza grandes espectáculos em salas e em recintos abertos. E nunca, jamais, em tempo algum permitiu que o seu trabalho se banalizasse, se vulgarizasse, fosse grosseiro ou reles ou medíocre. Ocasiona o riso nos adolescentes ao mesmo tempo que lhes inculca valores de liberdade e padrões de comportamento. Eleva os adultos sugerindo-lhes que pensar não faz mal a ninguém, e que ser solidário é virtude de carácter. Concorre para que nos divertamos, sem a agressão da estupidez. Alguns dos maiores nomes do universo do espectáculo português foram por ele revelados. Alguns dos maiores nomes das artes, da literatura, da cultura em geral, que se encontravam removidos para a sombra, pelas circunstâncias do momento, ou deliberadamente esquecidos, foram por ele tirados do limbo e propostos à admiração e ao reconhecimento dos telespectadores. Possui uma imaginação incomum, sustentada por mil informações, mil conhecimentos, mil atenções para com os outros. Fala fluentemente umas quatro ou cinco línguas, transformou o sorriso numa ponte de entendimento. É um homem generoso e bom, a quem apetece sempre apertar a mão. Devemos-lhe horas e horas inesquecíveis de convívio, cordialidade e inteligência. Chama-se Júlio Isidro. É nosso amigo.

b.bastos@netcabo.pt

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