Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

A lição de Andringa

Para os distraídos recapitule-se. Um dia destes o país foi abalado com um evento tremendo, embora nada original, e que dá pelo nome de arrastão segundo marca registada pelos nossos irmãos brasileiros.

  • ...

Consiste simplesmente num grupo, mais ou menos vasto, de jovens que correm a praia lançando a confusão e no exercício roubam tudo o que podem. Ou seja, sacos de praia, telemóveis e vestimentas com logotipo. Nada de realmente sério portanto numa sociedade que gera milhões de esfomeados e milhares de mortos todos os dias. Mas, mesmo assim, há que reconhecer que para a habitual pacatez lusitana tais acontecimentos provocam medo e instabilidade no comum do cidadão. Em particular naqueles que não vão à praia e ainda mais nos que nada de realmente significativo têm para roubar.

Acontece que no caso português, sempre excêntrico, a coisa começou, não com um facto concreto, mas com uma pura invenção policial e mediática. Como hoje se sabe o arrastão nunca existiu e não houve sequer, na ocasião, um único roubo declarado na praia de Carcavelos.

Mesmo assim nos dias seguintes o simulacro foi mantido vivo (e ainda que de forma mitigada continua). Pelas televisões acima de tudo, mostrando fotografias e depoimentos inconcludentes e recorrendo sobretudo à artilharia pesada. As declarações de políticos e comentadores da praxe. Uns e outros cumprindo o triste papel de perorar em cima de um não-acontecimento, lançando o pânico, estimulando o racismo e a xenofobia e, pior que tudo, prejudicando bastante a imagem do país no estrangeiro e o turismo, de momento uma das principais receitas deste Portugal em crise.

Não fosse uma mulher, uma verdadeira jornalista e a Internet e a coisa teria passado sem mais incómodo. Acontece que Diana Andringa pegou nos relatos das próprias televisões, em dois ou três depoimentos mais lúcidos, nas patéticas declarações de um mui incompetente comandante da polícia e montou um singelo vídeo que, há falta de melhor lugar, fez correr pela Net. Deu com isso uma grande lição. Aos colegas, cada vez mais preguiçosos e subservientes; ao jornalismo no seu todo que vai perdendo a autonomia crítica, tão fundamental para uma verdadeira sociedade pluralista e democrática; às empresas de comunicação por óbvia e crescente perda de credibilidade.

Diana Andringa mostrou a irresponsabilidade de um tipo de informação, hoje dominante nas televisões, que ao privilegiar o espectáculo e a manipulação mais não faz do que ampliar os problemas, quando devia contribuir para os esclarecer. E mostrou igualmente o quanto a generalidade dos políticos e comentadores se prestam a cumprir os mais tristes papéis só para poder estar na televisão. A imagem de políticos e comentadores a dissertar sobre o nada, diz muito sobre a decadência moral e a falta de seriedade da nossa classe política. Como pode um chefe da polícia emitir um comunicado alarmista com base no ouvir dizer? Como pode o Presidente da Câmara de Cascais fazer um discurso racista sem procurar certificar-se do que realmente aconteceu? Como pode um Ministro da Administração Interna vir de imediato para as televisões anunciar medidas securitárias sem ter procedido a um estudo sério e responsável de assunto tão delicado? Tanta incompetência só para aparecer nos telejornais. E a provar a ausência de qualquer resíduo de ética, ninguém se demitiu ou foi demitido e as televisões nem sequer perderam tempo a pedir desculpa aos telespectadores.

Mas Diana Andringa fez ainda mais. Mostrou um caminho.

A Internet transformou-se no meio de informação por excelência do século XXI. Por defeito de uma informação que despreza sistematicamente a verdade dos factos. Mas também por mérito próprio. A Internet é mais veloz do que as televisões e mais extensiva do que os jornais. É bastante mais pluralista do que qualquer outro meio de comunicação e funciona em rede, recolhendo quase em simultâneo múltiplos contributos e pontos de vista. E tem ainda um mecanismo inexistente no jornalismo convencional. A interactividade.

Hoje é por aí que passa o essencial da informação livre e plural.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio