Opinião
A história funesta da coca de Bissau
O golpe de Abril marca o corte da guarda pretoriana da coca com Luanda, tal como dois anos antes outra sublevação levara à suspensão da cooperação com a União Europeia.
Na ressaca da guerra civil de 1998-99, do derrube de Kumba Yalá, em 2003, e do retorno ao poder de Nino Vieira, em 2005, a coca começou a chegar em grande escala e agravou a desordem na Guiné-Bissau.
Um estado fruste, incapaz de assegurar funções elementares de segurança, forças policiais e militares envolvidas em incessantes confrontos pelo poder, pobreza e corrupção generalizadas, ofereciam condições excepcionais para o tráfico.
As mafias sul-americanas, numa conjuntura em que reforçavam o tráfico de cocaína para a Europa, em alternativa à quebra nos fornecimentos ao mercado norte-americano, encontraram na Guiné-Bissau uma plataforma de distribuição ideal.
A plataforma africana
Os envios por via área e marítima de coca colombiana, venezuelana e boliviana para a África Ocidental aumentaram significativamente a partir de 2004.
As apreensões, que desde o final dos anos 90 não ultrapassavam uma média de 0,6 toneladas métricas, subiram para valores na ordem da centena de toneladas, evidenciando-se dois eixos de distribuição centrados a norte na Guiné-Bissau e a sul na Enseada do Benim.
Aproximadamente 13% das cerca de 213 toneladas métricas consumidas por mais de quatro milhões de cocainómanos na Europa Ocidental e Central transitam, actualmente, segundo estimativas da "Agência das Nações Unidas para as Drogas e o Crime", por países da África Ocidental num arco que vai da Nigéria ao Mali.
Na Guiné-Bissau as redes de tráfico, aproveitando uma localização geográfica privilegiada, ilhas sem vigilância e uma linha de costa desprotegida, rapidamente procuraram parceiros junto das entidades administrativas, militares e policiais.
Os sócios guineenses passaram a dispor de fontes de rendimentos incomensuravelmente superiores aos proventos derivados de contrabandos ocasionais de armamento ou das receitas de fundos desviados da assistência internacional e do comércio e exploração regulares de bauxite ou castanha de caju.
Os números oficiais de apreensões de cocaína em Bissau registaram picos de 674 quilos, em 2006, e de 635 quilos, em 2007, para caírem abruptamente nos anos seguintes acompanhando variações nos fluxos de tráfico, alterações não-identificadas de rotas, reforço ou diminuição da presença policial estrangeira e perturbações causadas pelos frequentes golpes e assassinatos.
A guarda pretoriana
Os chefes da força áerea, Papa Camara, e da marinha, Bubo Na Tchuto, cedo foram referenciados como figuras proeminentes no tráfico e denunciados publicamente pelos Estados Unidos, em Abril de 2010.
Outros, como o actual chefe de estado-maior general das forças armadas, António Indjai, surgem igualmente envolvidos nos negócios da coca que têm proporcionado um afluxo de divisas à economia local sem justificação em actividades legais dos sectores exportadores ou de serviços.
A partir do momento em que a maior parte das chefias militares se comprometeu no tráfico todas as tentativas de reforma das forças armadas e de redução dos efectivos, que rondam entre 5.500 a 8.000 homens, ficaram condenadas ao fracasso.
As diversas facções e grupos de interesses das forças armadas – tradicionalmente dominadas pela etnia maioritária balanta e com custos equivalentes a cerca de 10% do PIB – são parte integrante das cabalas da política civil, conforme se viu uma vez mais ao intervirem para impedir a previsível eleição presidencial de Carlos Gomes Júnior.
O golpe foi justificado como uma reacção soberanista à abusiva presença militar angolana através dos 200 homens enviados por Luanda, em Março de 2011, ao abrigo de um acordo de cooperação assinado pelo falecido presidente Malam Sanhá.
A contestação a projectos angolanos de exploração portuária e de bauxite, vistos como a concretização de ambições de hegemonização de Luanda no Golfo da Guiné em confronto com a Nigéria, foi, também, aventada como argumento nacionalista.
O golpe de 12 de Abril marca o corte da guarda pretoriana da coca com Luanda, tal como dois anos antes outra sublevação, a 1 de Abril, levara à suspensão da cooperação com a União Europeia.
De arma na mão
Condenada pela ONU, a "União Africana", a "Comunidade Económica dos Países da África Ocidental", onde predomina a Nigéria, e a CPLP, a tropa da coca de Bissau está isolada, mas joga a seu favor a difícil concretização de intervenção militar externa num contexto regional muito conturbado.
Uma força militar externa, em que eventual envolvimento directo de portugueses e angolanos não deixaria de ferir susceptibilidades, necessitaria de mandato internacional e só seria justificável para evitar nova guerra civil.
Colocar a Guiné-Bissau sob tutela externa só faria sentido para impor um quadro de reforma militar e das forças de seguranças – que obriga a ter em conta delicados equilíbrios étnicos entre balantas, fulas, mandingas, manjacos e papéis –, erradicar o tráfico de droga e criar condições para o regular funcionamento de instituições capazes de sustentarem um desenvolvimento económico sustentável.
Seria ambição desmesurada e de arma na mão a tropa da coca resistirá a qualquer tentativa para cercear a sua influência só aceitando compromissos que salvaguardem seus vastos proventos.
Um estado fruste, incapaz de assegurar funções elementares de segurança, forças policiais e militares envolvidas em incessantes confrontos pelo poder, pobreza e corrupção generalizadas, ofereciam condições excepcionais para o tráfico.
A plataforma africana
Os envios por via área e marítima de coca colombiana, venezuelana e boliviana para a África Ocidental aumentaram significativamente a partir de 2004.
As apreensões, que desde o final dos anos 90 não ultrapassavam uma média de 0,6 toneladas métricas, subiram para valores na ordem da centena de toneladas, evidenciando-se dois eixos de distribuição centrados a norte na Guiné-Bissau e a sul na Enseada do Benim.
Aproximadamente 13% das cerca de 213 toneladas métricas consumidas por mais de quatro milhões de cocainómanos na Europa Ocidental e Central transitam, actualmente, segundo estimativas da "Agência das Nações Unidas para as Drogas e o Crime", por países da África Ocidental num arco que vai da Nigéria ao Mali.
Na Guiné-Bissau as redes de tráfico, aproveitando uma localização geográfica privilegiada, ilhas sem vigilância e uma linha de costa desprotegida, rapidamente procuraram parceiros junto das entidades administrativas, militares e policiais.
Os sócios guineenses passaram a dispor de fontes de rendimentos incomensuravelmente superiores aos proventos derivados de contrabandos ocasionais de armamento ou das receitas de fundos desviados da assistência internacional e do comércio e exploração regulares de bauxite ou castanha de caju.
Os números oficiais de apreensões de cocaína em Bissau registaram picos de 674 quilos, em 2006, e de 635 quilos, em 2007, para caírem abruptamente nos anos seguintes acompanhando variações nos fluxos de tráfico, alterações não-identificadas de rotas, reforço ou diminuição da presença policial estrangeira e perturbações causadas pelos frequentes golpes e assassinatos.
A guarda pretoriana
Os chefes da força áerea, Papa Camara, e da marinha, Bubo Na Tchuto, cedo foram referenciados como figuras proeminentes no tráfico e denunciados publicamente pelos Estados Unidos, em Abril de 2010.
Outros, como o actual chefe de estado-maior general das forças armadas, António Indjai, surgem igualmente envolvidos nos negócios da coca que têm proporcionado um afluxo de divisas à economia local sem justificação em actividades legais dos sectores exportadores ou de serviços.
A partir do momento em que a maior parte das chefias militares se comprometeu no tráfico todas as tentativas de reforma das forças armadas e de redução dos efectivos, que rondam entre 5.500 a 8.000 homens, ficaram condenadas ao fracasso.
As diversas facções e grupos de interesses das forças armadas – tradicionalmente dominadas pela etnia maioritária balanta e com custos equivalentes a cerca de 10% do PIB – são parte integrante das cabalas da política civil, conforme se viu uma vez mais ao intervirem para impedir a previsível eleição presidencial de Carlos Gomes Júnior.
O golpe foi justificado como uma reacção soberanista à abusiva presença militar angolana através dos 200 homens enviados por Luanda, em Março de 2011, ao abrigo de um acordo de cooperação assinado pelo falecido presidente Malam Sanhá.
A contestação a projectos angolanos de exploração portuária e de bauxite, vistos como a concretização de ambições de hegemonização de Luanda no Golfo da Guiné em confronto com a Nigéria, foi, também, aventada como argumento nacionalista.
O golpe de 12 de Abril marca o corte da guarda pretoriana da coca com Luanda, tal como dois anos antes outra sublevação, a 1 de Abril, levara à suspensão da cooperação com a União Europeia.
De arma na mão
Condenada pela ONU, a "União Africana", a "Comunidade Económica dos Países da África Ocidental", onde predomina a Nigéria, e a CPLP, a tropa da coca de Bissau está isolada, mas joga a seu favor a difícil concretização de intervenção militar externa num contexto regional muito conturbado.
Uma força militar externa, em que eventual envolvimento directo de portugueses e angolanos não deixaria de ferir susceptibilidades, necessitaria de mandato internacional e só seria justificável para evitar nova guerra civil.
Colocar a Guiné-Bissau sob tutela externa só faria sentido para impor um quadro de reforma militar e das forças de seguranças – que obriga a ter em conta delicados equilíbrios étnicos entre balantas, fulas, mandingas, manjacos e papéis –, erradicar o tráfico de droga e criar condições para o regular funcionamento de instituições capazes de sustentarem um desenvolvimento económico sustentável.
Seria ambição desmesurada e de arma na mão a tropa da coca resistirá a qualquer tentativa para cercear a sua influência só aceitando compromissos que salvaguardem seus vastos proventos.
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