Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
17 de Março de 2011 às 12:15

A China é o novo Banco Mundial?

Os chineses estão em todo o lado. Ou, mais precisamente, o dinheiro chinês está em todo o lado, graças ao Banco do Desenvolvimento da China (CDB, sigla original) e ao Banco de Exportações e Importações da China.

  • ...
Estas duas instituições são responsáveis por todo o financiamento externo chinês e têm impactos em todo o mundo.

De acordo com o “Financial Times”, os empréstimos chineses entre 2008 e 2010 excederam a ajuda do Banco Mundial em aproximadamente 10 mil miliões de dólares. Até ao final de 2010, o alcance do CDB atingiu mais de 90 países e o total de endividamento alcançou 141,3 mil miliões de dólares.

Estará a China a mudar a forma da assistência ao desenvolvimento? Em poucas palavras, sim.

Considere o seguinte: o investimento chinês nas minas de cobre e carvão da Zâmbia é representa 7,7% do produto interno bruto (PIB) do país. Na Arábia Saudita, a empresa estatal China Railway Construction Corporation construiu o projecto ferroviário Al-Mashaaer Al-Mugadassah para facilitar o trânsito durante a peregrinação anual a Meca. Circulam rumores de que existem planos para construir uma auto-estrada no Árctico para facilitar o comércio em toda a região polar.

Mais perto de casa, o projecto ferroviário dos Himalaias, que liga o Tibete a Khasa, na fronteira com o Nepal, está actualmente em construção. Prevê-se o prolongamento da linha até Kathmandu, capital do Nepal. No Cambodja, a China contribuiu com 260 milhões de dólares em assistência em 2009, substituindo o Japão como o país que mais auxílio presta, ultrapassando tanto o Banco Mundial como a carteira de empréstimos do Banco de Desenvolvimento Asiático. No ano passado, a China assinou 14 acordos bilaterais com o Cambodja, no total de 1,2 mil miliões de dólares, para financiar todo o tipo de projectos concebíveis, desde canais de irrigação até uniformes do exército do Cambodja.

Os governos beneficiários estão confortáveis com a ajuda chinesa. Por uma razão, existe um enorme ausência de consultores encarregues da chamada “ajuda técnica”, uma prática que tem sido o foco central das críticas dirigidas a muitas agências de financiamento.

Em segundo lugar, a ajuda chinesa não exige um pré-projecto por burocratas que chegam de gabinetes distantes para uma espécie turismo de desenvolvimento e perturbar as rotinas dos parceiros dessa região que os têm de acompanhar nas suas excursões pela pobreza.

Em terceiro lugar, a ajuda chinesa é disponibilizada de forma relativamente rápida e sem cerimónias, sem as comemorações de longas negociações e de volumes de documentação e de projectos, uma prática que muitos estudiosos e muitos profissionais chamam de “diplomacia dos cheques”.

Em quarto lugar, a China dá ajuda sem condições como medidas de protecção ambiental ou a participação em exercícios comunitários. Trabalhos escrutinados e consultores “interessados” – do tipo daqueles que demoraram quase dez anos para construir duas centrais hidroeléctricas em Laos financiadas pelo Banco Mundial – não são pedidos para a China fornecer ajuda.

O modelo único de ajuda chinesa é um dos principais pilares daquilo que o professor Sheng Ding chama de “soft power” do país. Além das provisões de crédito barato e da concessão de empréstimos, é a forma como a China faz negócios.

Com o aprofundamento das relações económicas, as relações culturais desenvolvem-se. Os Institutos Confucius estão a alastrar-se desde o Sri Lanka até à Nigéria para promover o ensino do mandarim. Além destes programas linguísticos, há actuações sazonais de acrobatas chineses. Chama-se a isto um namoro global feito por um ávido pretendente chinês.

Mas estão a surgir sinais de preocupação quanto às práticas de empréstimos chinesas. A assistência financeira chinesa está ligada à extracção de recursos naturais, particularmente petróleo e minerais. Os ambientalistas estão preocupados que a falta de uma consciência mais “verde” leve a uma exploração sem controlo e possa conduzir ao esgotamento dos recursos.

Além disso, os pacotes de ajuda chinesa são, muitas vezes, acompanhados de tecnologia e de trabalhadores chineses, o que se traduz em oportunidades de emprego e em capacidades de construção limitadas para as populações locais. Por exemplo, 750 trabalhadores chineses foram enviados para a Indonésia, com 630 mil toneladas de aço, para a construção da ponte Suramadu, com cinco quilómetros e que liga Surabaya a Madura.

A necessidade de divulgação e de mecanismos transparentes tem vindo a ser reforçada. Não existe contrapartida para o Comité de Assistência ao Desenvolvimento, que publica relatórios anuais sobre os fluxos de ajuda mundiais dos países membros da OCDE. Nem existe um mecanismo, como foi solicitado em 2005 pela Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda, que poderia aglutinar a ajuda chinesa com estratégias de desenvolvimento nacionais, ou o estabelecimento de um fórum de coordenação com outros dadores bilaterais ou multilaterais.

Aumentam os receios de que a ajuda chinesa comece a surgir de forma descontrolada.

Preocupações como esta vão continuar a aumentar à medida que China surgir como um ‘player’ de desenvolvimento. No entanto, para muitos a ajuda chinesa é bem-vinda e não é considerada um motivo de preocupação.

Aqueles que promovem o desenvolvimento equitativo e inclusivo desejam ver a ajuda chinesa como parte integrante de uma comunidade internacional de prestadores de serviços que seja governada com uma responsabilidade conjunta. Isto requer regras justas e abertas, práticas de responsabilidade mútuas, e objectivos de desenvolvimento sustentáveis, o que requer a participação activa chinesa.

Num mundo cansado de uma eficácia limitada de muitos dos programas de desenvolvimento que visam por termo à pobreza endémica, o papel crescente da China em muitos países aumenta as oportunidades de reconstruir a ajuda económica e o financiamento. Mas para atingir tal objectivo é necessário um plano, e a China tem de fazer parte da sua formulação.


Teresita Cruz-del Rosário é professora na Lee Kuan Yew School of Public Policy, em Singapura. Phillie Wang Runfei é assistente de pesquisa na Lee Kuan Yew School of Public Policy.

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio