Opinião
A esquina do Rio
A realidade, dura e pesada, que vivemos hoje em dia, tem as suas raízes numa ideia simpática, mas irrealista de uma Europa unificada, ideia traçada há décadas, numa fase de prosperidade.
Realidade
A realidade, dura e pesada, que vivemos hoje em dia, tem as suas raízes numa ideia simpática, mas irrealista de uma Europa unificada, ideia traçada há décadas, numa fase de prosperidade. Ao longo de décadas, o sonho europeu transformou-se, por força do irrealismo dos seus criadores e da falta de capacidade dos seus dirigentes, num terrível pesadelo. É escusado recordar o papel da Alemanha em tudo isto - a culpa não é só da Alemanha, é de quem acreditou que se podia gastar cada vez mais sem olhar para as contas. Como bem se sabe, a situação atingiu vários países na Europa - cinco já pediram resgate e tudo indica que a médio prazo mais se lhes seguirão. Embora seja muito simpática a ideia europeia, a situação onde deixámos que nos metessem não se resolve com boas intenções nem com retórica apaixonada, pintada com laivos ideológicos. Aquilo por que estamos a passar é o resultado de décadas de ciclos eleitorais onde o voto foi trocado por promessas de cada vez mais Obras Públicas, prosperidade, apoios e garantias. Os custos brutais que foram incorridos - muito maiores do que as receitas - levam agora a distinguir com dificuldade o que era necessário do que foi supérfluo e, sobretudo, põe em causa a seriedade de quem geriu o país - e, também, a Europa - nestas décadas.
Por isso mesmo, olho incrédulo para uma iniciativa auto-intitulada Congresso Democrático das Alternativas (o nome, já agora, não certamente por acaso, evoca acções contra a ditadura em 1957, 69 e 73). Sob o lema "Resgatar Portugal Para um Futuro Decente", juntam-se vários representantes dos sonhos antigos, alguns responsáveis de políticas do passado e os suspeitos do costume sempre interessados em fazer o Estado distribuir mais do que aquilo que tem. O extraordinário é que toda esta gente emite opiniões, apresenta reivindicações, mas não explica nem desenha soluções baseadas em estudos concretos e na realidade. Isto, lamento dizê-lo, não é política - é trafulhice ideológica pintada de demagogia barata. E foi isso que nos trouxe até onde estamos. Mais do mesmo só pode querer dizer piorar as coisas.
Folhear
A edição de Verão da minha querida revista "Monocle" agrupa os meses de Julho e Agosto e inclui a lista das melhores cidades onde viver. Como todas as políticas demoram tempo a causarem efeito, eis que Lisboa saiu da lista das 25 cidades preferidas da "Monocle". Também não é de admirar, depois de a cidade ser, em anos seguidos, transformada em feira pelas mãos de José Sá Fernandes, de a lixeira ser constante nas ruas pela mão de António Costa ou pelo facto de Nunes da Silva inventar as mais estapafúrdias alterações ao trânsito que imaginar se pode. Lisboa, nestes poucos anos, passou de uma cidade civilizada a uma cidade incómoda e desconfortável. Nas próximas eleições, quando virem os boletins de voto, não se esqueçam que o culpado do assunto se chama António Costa. E, se se sentirem tentados, por uma qualquer razão ideológica, a votar nele, lembrem-se do que a EMEL tem feito no seu mandato, daquilo em que Lisboa tem sido transformada e da falta de plano para uma cidade que vai perdendo pontos, como agora se vê. Mas, voltando à "Monocle", que é o que agora interessa, o número é dedicado a tudo aquilo que faz com que possa ser agradável viver numa cidade. Nunca é tarde para aprender. E com as autárquicas ao virar da esquina, os senhores que decidem sobre os candidatos bem que podiam guardar esta edição e seguir os seus conselhos. Esta "Monocle" tem 282 páginas e vai durar uma boa parte do Verão. Tem algumas coisas deliciosas, como uma lista de 50 coisas que podem melhorar as nossas vidas. Eu espero que por cá alguém, com poder de decisão e execução, a leia - e não resisto a contar uma história: há uns anos, quando a "Monocle" fez um dos primeiros artigos sobre as estratégias para as cidades, que eu, na época, aqui referi, um assessor de António Costa pediu-me cópia do dito texto, invocando o interesse do Presidente da Câmara. Fiquei esperançado que a leitura fosse inspiradora. Nada do que lá estava escrito foi aproveitado.
Ouvir
Fiona Apple não fazia um álbum de originais há sete anos e agora saiu-se com um que tem um extenso nome: "The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do". Trata-se do seu quarto álbum, o primeiro a seguir a "Extraordinary Machine", de 2005. A lenda reza que ela trabalhou neste disco em segredo, sem que a sua editora soubesse o que se passava. E o que se passava são arranjos mais comedidos, muitas vezes com inspirações "jazzy", com percussões fortes, a acompanhar a intensidade de temas vibrantes como "Daredevil" ou "Periphery", em que as suas vocalizações intensas deixam uma marca invulgar. "Every Single Night", a canção de abertura, é uma espécie de manual de introdução ao estilo de Fiona Apple, à forma que ela tem de fazer canções
- algumas tão intensas e marcantes como "Left Alone" ou "Hot Knife", um final absolutamente fantástico para este álbum.
Provar
Se ao domingo estiver em Lisboa à hora de almoço e lhe apetecer um pouco de pecado carnal, dirija-se ao restaurante Flores, no Bairro Alto Hotel (no Largo de Camões) e peça o bitoque. Trata-se de uma rara conjugação de competências, pela mão do chef Vasco Lello. Comecemos pela carne, excelente, do lombo, passada rigorosamente ao gosto do que o cliente pretender. O molho, inspirado no lisboeta Marrare, tem algum toque que lhe dá uma graça inesperada. O ovo a cavalo é preciso e certeiro. E as batatas fritas, de palitos finos, estão no ponto, sem gordura nem tostado excessivo. A decoração, já que os olhos também comem, é albardada com um dente de alho cravejado de uma folha de louro. Este é o bitoque perfeito. E só se serve aos domingos, ao almoço, no Flores. Telefone 213 408 252.
Semanada
As remessas dos emigrantes voltaram a subir para níveis de há dez anos; a receita do imposto sobre veículos é metade da registada no ano passado; as receitas do IRC registam uma quebra de mais de 15% até Maio; os 400 trabalhadores do centro de contacto telefónico da Segurança Social vão ser despedidos por mudança do fornecedor do serviço;
o consumo per capita de cerveja em Portugal diminuiu 18%; a administração fiscal vai cobrar as multas dos passageiros que viajarem sem bilhete nos transportes públicos; a Via do Infante perdeu metade do tráfego depois da implementação das portagens; as dívidas a mais de 90 dias do Estado a fornecedores aumentaram 162 milhões em Abril e voltaram a subir em Maio; só um terço dos hospitais diz cumprir prazos de consultas muito prioritárias; número de alunos que não concluíram o secundário aumentou em 2011.
Ver
Quanto custa investir em arte? - depende. Se escolher artistas em princípio de carreira, o investimento pode ser acessível.
João Esteves de Oliveira tem uma galeria com o seu nome, no n.º 38 da Rua Ivens, e tem sensibilidade para o mercado e os investimentos em arte. A sua galeria especializou-se em obras em papel e, ao longo do ano, lá passam autores consagrados e outros no princípio da carreira. É o que agora acontece com Ângela Dias, Josefina Ribeiro, Manuel Diogo e Vasco Futscher, recentes ex-alunos do ARCO, que ali mostram o seu trabalho.
Os preços começam nos 150 euros, mas não passam dos 500.
O melhor de tudo é que os trabalhos são bons e a exposição é muito interessante. Eu, pessoalmente, gostei muito dos óleos sobre papel de Manuel Diogo, mas parece certo que Ângela Dias, talvez pelo imaginário próximo de algumas fases de Paula Rego, ganhou elogios da crítica e será seguramente um valor em ascensão. As formas de Vasco Futscher são um momento de novidade e os animais de Josefina Ribeiro fazem lembrar algumas obras de Susan Norrie, que costumava expor no extinto Centro Cultural de Almancil. Esta é uma boa exposição que mostra como novos artistas estão a desenvolver o seu talento e criatividade. E quem agora apostar em qualquer deles certamente não se arrependerá no futuro.
www.twitter.com/mfalcao
mfalcao@gmail.com
www.aesquinadorio.blogs.sapo.pt
A realidade, dura e pesada, que vivemos hoje em dia, tem as suas raízes numa ideia simpática, mas irrealista de uma Europa unificada, ideia traçada há décadas, numa fase de prosperidade. Ao longo de décadas, o sonho europeu transformou-se, por força do irrealismo dos seus criadores e da falta de capacidade dos seus dirigentes, num terrível pesadelo. É escusado recordar o papel da Alemanha em tudo isto - a culpa não é só da Alemanha, é de quem acreditou que se podia gastar cada vez mais sem olhar para as contas. Como bem se sabe, a situação atingiu vários países na Europa - cinco já pediram resgate e tudo indica que a médio prazo mais se lhes seguirão. Embora seja muito simpática a ideia europeia, a situação onde deixámos que nos metessem não se resolve com boas intenções nem com retórica apaixonada, pintada com laivos ideológicos. Aquilo por que estamos a passar é o resultado de décadas de ciclos eleitorais onde o voto foi trocado por promessas de cada vez mais Obras Públicas, prosperidade, apoios e garantias. Os custos brutais que foram incorridos - muito maiores do que as receitas - levam agora a distinguir com dificuldade o que era necessário do que foi supérfluo e, sobretudo, põe em causa a seriedade de quem geriu o país - e, também, a Europa - nestas décadas.
Por isso mesmo, olho incrédulo para uma iniciativa auto-intitulada Congresso Democrático das Alternativas (o nome, já agora, não certamente por acaso, evoca acções contra a ditadura em 1957, 69 e 73). Sob o lema "Resgatar Portugal Para um Futuro Decente", juntam-se vários representantes dos sonhos antigos, alguns responsáveis de políticas do passado e os suspeitos do costume sempre interessados em fazer o Estado distribuir mais do que aquilo que tem. O extraordinário é que toda esta gente emite opiniões, apresenta reivindicações, mas não explica nem desenha soluções baseadas em estudos concretos e na realidade. Isto, lamento dizê-lo, não é política - é trafulhice ideológica pintada de demagogia barata. E foi isso que nos trouxe até onde estamos. Mais do mesmo só pode querer dizer piorar as coisas.
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A edição de Verão da minha querida revista "Monocle" agrupa os meses de Julho e Agosto e inclui a lista das melhores cidades onde viver. Como todas as políticas demoram tempo a causarem efeito, eis que Lisboa saiu da lista das 25 cidades preferidas da "Monocle". Também não é de admirar, depois de a cidade ser, em anos seguidos, transformada em feira pelas mãos de José Sá Fernandes, de a lixeira ser constante nas ruas pela mão de António Costa ou pelo facto de Nunes da Silva inventar as mais estapafúrdias alterações ao trânsito que imaginar se pode. Lisboa, nestes poucos anos, passou de uma cidade civilizada a uma cidade incómoda e desconfortável. Nas próximas eleições, quando virem os boletins de voto, não se esqueçam que o culpado do assunto se chama António Costa. E, se se sentirem tentados, por uma qualquer razão ideológica, a votar nele, lembrem-se do que a EMEL tem feito no seu mandato, daquilo em que Lisboa tem sido transformada e da falta de plano para uma cidade que vai perdendo pontos, como agora se vê. Mas, voltando à "Monocle", que é o que agora interessa, o número é dedicado a tudo aquilo que faz com que possa ser agradável viver numa cidade. Nunca é tarde para aprender. E com as autárquicas ao virar da esquina, os senhores que decidem sobre os candidatos bem que podiam guardar esta edição e seguir os seus conselhos. Esta "Monocle" tem 282 páginas e vai durar uma boa parte do Verão. Tem algumas coisas deliciosas, como uma lista de 50 coisas que podem melhorar as nossas vidas. Eu espero que por cá alguém, com poder de decisão e execução, a leia - e não resisto a contar uma história: há uns anos, quando a "Monocle" fez um dos primeiros artigos sobre as estratégias para as cidades, que eu, na época, aqui referi, um assessor de António Costa pediu-me cópia do dito texto, invocando o interesse do Presidente da Câmara. Fiquei esperançado que a leitura fosse inspiradora. Nada do que lá estava escrito foi aproveitado.
Ouvir
Fiona Apple não fazia um álbum de originais há sete anos e agora saiu-se com um que tem um extenso nome: "The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do". Trata-se do seu quarto álbum, o primeiro a seguir a "Extraordinary Machine", de 2005. A lenda reza que ela trabalhou neste disco em segredo, sem que a sua editora soubesse o que se passava. E o que se passava são arranjos mais comedidos, muitas vezes com inspirações "jazzy", com percussões fortes, a acompanhar a intensidade de temas vibrantes como "Daredevil" ou "Periphery", em que as suas vocalizações intensas deixam uma marca invulgar. "Every Single Night", a canção de abertura, é uma espécie de manual de introdução ao estilo de Fiona Apple, à forma que ela tem de fazer canções
- algumas tão intensas e marcantes como "Left Alone" ou "Hot Knife", um final absolutamente fantástico para este álbum.
Provar
Se ao domingo estiver em Lisboa à hora de almoço e lhe apetecer um pouco de pecado carnal, dirija-se ao restaurante Flores, no Bairro Alto Hotel (no Largo de Camões) e peça o bitoque. Trata-se de uma rara conjugação de competências, pela mão do chef Vasco Lello. Comecemos pela carne, excelente, do lombo, passada rigorosamente ao gosto do que o cliente pretender. O molho, inspirado no lisboeta Marrare, tem algum toque que lhe dá uma graça inesperada. O ovo a cavalo é preciso e certeiro. E as batatas fritas, de palitos finos, estão no ponto, sem gordura nem tostado excessivo. A decoração, já que os olhos também comem, é albardada com um dente de alho cravejado de uma folha de louro. Este é o bitoque perfeito. E só se serve aos domingos, ao almoço, no Flores. Telefone 213 408 252.
Semanada
As remessas dos emigrantes voltaram a subir para níveis de há dez anos; a receita do imposto sobre veículos é metade da registada no ano passado; as receitas do IRC registam uma quebra de mais de 15% até Maio; os 400 trabalhadores do centro de contacto telefónico da Segurança Social vão ser despedidos por mudança do fornecedor do serviço;
o consumo per capita de cerveja em Portugal diminuiu 18%; a administração fiscal vai cobrar as multas dos passageiros que viajarem sem bilhete nos transportes públicos; a Via do Infante perdeu metade do tráfego depois da implementação das portagens; as dívidas a mais de 90 dias do Estado a fornecedores aumentaram 162 milhões em Abril e voltaram a subir em Maio; só um terço dos hospitais diz cumprir prazos de consultas muito prioritárias; número de alunos que não concluíram o secundário aumentou em 2011.
Ver
Quanto custa investir em arte? - depende. Se escolher artistas em princípio de carreira, o investimento pode ser acessível.
João Esteves de Oliveira tem uma galeria com o seu nome, no n.º 38 da Rua Ivens, e tem sensibilidade para o mercado e os investimentos em arte. A sua galeria especializou-se em obras em papel e, ao longo do ano, lá passam autores consagrados e outros no princípio da carreira. É o que agora acontece com Ângela Dias, Josefina Ribeiro, Manuel Diogo e Vasco Futscher, recentes ex-alunos do ARCO, que ali mostram o seu trabalho.
Os preços começam nos 150 euros, mas não passam dos 500.
O melhor de tudo é que os trabalhos são bons e a exposição é muito interessante. Eu, pessoalmente, gostei muito dos óleos sobre papel de Manuel Diogo, mas parece certo que Ângela Dias, talvez pelo imaginário próximo de algumas fases de Paula Rego, ganhou elogios da crítica e será seguramente um valor em ascensão. As formas de Vasco Futscher são um momento de novidade e os animais de Josefina Ribeiro fazem lembrar algumas obras de Susan Norrie, que costumava expor no extinto Centro Cultural de Almancil. Esta é uma boa exposição que mostra como novos artistas estão a desenvolver o seu talento e criatividade. E quem agora apostar em qualquer deles certamente não se arrependerá no futuro.
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