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28 de Janeiro de 2011 às 11:18

A esquina do Rio

No seu discurso de vitória, Cavaco Silva falou mais do passado que do futuro e, de uma forma inesperada

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No seu discurso de vitória, Cavaco Silva falou mais do passado que do futuro e, de uma forma inesperada, e em termos práticos, sugeriu estar interessado em ajustar contas com quem se lhe atravessou no percurso antes destas eleições. É um discurso virado para problemas pessoais, mais do que para a situação do país. E é um péssimo sinal sobre o que poderá ser o seu segundo mandato. De uma assentada perdeu iniciativa política e criou um ruído desnecessário.

Na noite eleitoral foi claro que Sócrates só apareceu no Altis para cumprir um ritual e dar por encerrado um assunto incómodo, que foi a desagradável candidatura de Manuel Alegre, para a qual os socialistas foram empurrados pelo Bloco de Esquerda. Como se percebeu logo, de imediato o núcleo duro da direcção do PS reagiu rapidamente - convocando eleições internas (em que Sócrates se recandidata), anunciando novas iniciativas viradas para fora do partido, e dando a entender que controlará o "timing" de uma remodelação governamental. O PS, que foi o grande derrotado das eleições, tinha o contra-ataque preparado.

De uma forma muito clara, José Sócrates aproveitou a fase passadista do reeleito Presidente para aparecer ele a marcar a agenda e a preparar o contra-ataque político. Quer legitimar-se internamente, eliminar o espaço daqueles que o contestam dentro do PS e, preferencialmente, conseguir novos aliados que o ajudem a levar até ao fim o ciclo político. Na sua cabeça está certamente posicionar-se para futuras eleições legislativas - as notícias da sua morte política são, como se vê, largamente exageradas. Sócrates vai à luta e tem a estratégia montada que, como se sabe pelas notícias vindas a público, passa por existir um grupo de "media" impulsionado por figuras que lhe são próximas e o têm defendido. Não é a primeira vez que isto acontece na história política portuguesa: Marcelo Rebelo de Sousa criou o "Semanário" para criar maior diversidade política na comunicação, o PS já tentou fazer isso com a Emaudio há uns anos atrás e o diagnóstico actual é que a influência dos socialistas nos "media" é reduzida. Vamos, portanto, ter pela frente um Sócrates determinado, provavelmente com legitimidade acrescida dentro do PS e a tentar ser ele a marcar a agenda política.

O trabalho da oposição não vai ser fácil. Passos Coelho sabe disso e fez um discurso prudente - e provavelmente estará a pensar que lhe vai ser mais difícil chegar ao Governo do que, a certa altura, se imaginava. Pelo seu lado Paulo Portas iniciou um movimento de reorganização do PP que lhe vai dar maior agilidade para se colocar, a ele próprio, na primeira linha da oposição - é também evidente que o grande rival de Sócrates na marcação da agenda política vai ser Paulo Portas, até porque ao PP interessa colocar-se na posição mais vantajosa para, quando for altura, negociar um acordo eleitoral com o PSD.


Votar
A lógica manda que votar deva ser uma operação fácil, confortável para os cidadãos e que não crie angústias, dúvidas ou perturbações. O que aconteceu no Domingo passado é exactamente o contrário disto. O Estado atribuiu novos números de eleitores a uma série de cidadãos, mas não os avisou do facto - nem mesmo quando levantaram o documento de identificação que serviu de justificação técnica para alteração do número anterior. Pior, em muitos casos, colocou os eleitores a votarem longe do local habitual, e também não tomou nenhuma medida para os avisar. A campanha de apelo à participação eleitoral foi má, não esclareceu sobre estes pontos, criou oportunidade para todas as complicações que aconteceram. Seria bom que o Governo, como acontece em muitos países, proporcione a cada eleitor a possibilidade de escolher o local onde pretende exercer o direito ao voto. Era uma forma simples de combater a abstenção.


Resumo da semana
Houve eleições, o resultado não teve surpresas; Cavaco ganhou, mas com a sua menor votação em candidatura presidencial, e fez um mau discurso; Alegre teve uma derrota estrondosa com menos de 10% do total de recenseados; a abstenção e os votos brancos atingiram os maiores valores de sempre; Mário Soares escreveu a explicar que Alegre não devia ter sido o candidato do PS; logo a seguir à eleição os juros da dívida voltaram a subir; e o PS começou a mexer-se, agora que já está livre do Bloco de Esquerda.


Ouvir
O mais recente álbum de Brian Ferry, "Olympia", é polémico, inesperado, nalguns momentos surpreendente - como na versão de "Song To The Siren", de Tim Bucley, que conta com participações de nomes como Phil Manzanera, Nile Rodgers, David Gilmour e Johnny Greenwood nas guitarras e Brian Eno (que está presente também em várias outras faixas) nas teclas. A sonoridade evoca por vezes o álbum "Manifesto", dos Roxy Music (1979) e atinge o ponto alto em temas como "Me Oh My", "Reason Or Rhyme" ou "Tender Is The Night", esta talvez a melhor interpretação de Brian Ferry desde há muitos anos.


Arco da velha
A operação em torno das novas declarações do célebre Bibi, a propósito do processo Casa Pia, é um acabado exemplo de como em Portugal, em matéria de Justiça, vale tudo menos a sua aplicação.


Provar

Há dias dei comigo num simpático restaurante, perto do Convento do Beato, em direcção ao Braço de Prata. Chama-se Entra e é um bom exemplo de um local onde a cozinha é honesta, os preços recheados de bom senso e o serviço eficaz e simpático. O Entra tem duas salas, uma de entrada, com vista para a rua e a cozinha, e outra, no interior, ideal para juntar um grupo de amigos. A decoração é simples mas imaginativa - por exemplo os candeeiros são feitos de garrafas sem fundo, as mesas e as cadeiras são de boa dimensão e confortáveis. Os menus de almoço incluem sugestões como "osso bucco com linguini", filete de peixe-espada sobre legumes ou arroz de polvo, e vão variando durante a semana. O vinho da casa é um generoso vinho novo da zona de Azeitão e, na mesa, existem fatias de queijo da ilha e de queijo de ovelha da Serra da Gardunha. Nas sobremesas há uma "mousse" de requeijão com abóbora que se revelou uma boa surpresa. Ao jantar o serviço é à lista e, desde os ovos mexidos com farinheira nas entradas, ao lombo de porco com molho de amêijoas e coentros acompanhado de grão e grelos salteados com chouriço, ao pregado frito com espinafres salteados com puré de batata e aipo, a escolha é variada. A lista de vinhos não é ambiciosa mas tem boas propostas a bom preço. Resumindo: uma boa casa. Rua do Açúcar 80, telefone 212 417 014.


Ver
Ligada à agência Kameraphoto, a K Galeria, no Bairro Alto, apresenta ainda hoje (último dia) a exposição "Retratos com História", de Eduardo Gageiro, um dos mais importantes fotojornalistas portugueses das décadas de 70 e 80. Estes retratos, que vão de Amália a Zeca Afonso, passando por Sophia de Mello Breyner, Spínola ou Orson Welles, permitem perceber a importância de Gageiro na fotografia portuguesa. Se puderem, não percam - Rua da Vinha 43 A, das 10 às 18h00. Podem também ter uma ideia das imagens em www.kameraphoto.com


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