Opinião
A esquina do Rio
Quando este Governo entrou em funções, olhou para o que estava à sua volta e resolveu fazer uma terraplanagem.
Abrandamento
Quando este Governo entrou em funções, olhou para o que estava à sua volta e resolveu fazer uma terraplanagem. Provavelmente, foi uma boa decisão. Só voltando à estaca zero se conseguiriam resolver muitos dos problemas que estavam para trás, frutos de anos de complacência. As medidas que foram tomadas a nível das finanças públicas, em grande parte por força de parceiros europeus e do FMI, assemelharam-se a um bombardeamento massivo. De facto, conseguiram estancar uma parte do problema, mas a destruição foi tanta que outros surgiram, como agora o próprio FMI vem reconhecer. Em função disto, cresce o número de vozes que quer tomar medidas para abrandar a austeridade e exige qualquer coisa que ainda ninguém percebeu bem como se alcança. António José Seguro está a trilhar o caminho, perigoso, de fazer crer a opinião pública que as medidas tomadas são já mais que suficientes e pode começar a existir maior tolerância.
Para todos os que gostariam de começar a atenuar as coisas, deixo aqui o último parágrafo de um recente artigo de Lorenzo Smaghi, no "Financial Times": "Um sistema no qual os políticos agem principalmente debaixo da pressão dos mercados, enquanto pensam que os mercados são míopes e podem ser iludidos, não é somente insustentável - é, na realidade, ineficiente. Tentar reconquistar a confiança dos mercados, depois de a ter perdido em determinada altura, requer acções duradouras e constantes. Isto causa problemas a nível económico e, claro, não é a melhor forma de consolidar apoio político interno". Espero sinceramente que os nossos políticos não se deixem cair em ilusões. Se o fizerem, o esforço feito até agora irá por água abaixo. Tudo aquilo que nos está a acontecer terá sido em vão se pararmos ou recuarmos. E aí é que será muito difícil dar a volta à situação.
Política
O processo de escolha de novos juízes para o Tribunal Constitucional revela o pior que existe no sistema político português. Um Tribunal Constitucional devia ser um grupo de sábios, experientes, tão independentes quanto possível. Os nomes indicados e conhecidos serão de excelentes pessoas, mas não se integram na definição acima. Ninguém pode ser prejudicado por pertencer ou apoiar um partido político ou defender determinadas ideias - mas também não é suposto que isso seja condição suficiente para cargos desta natureza. Situações destas desacreditam o regime, desacreditam ainda mais os partidos políticos e desacreditam completamente o Parlamento, que teve de inventar uma desculpa para adiar uma votação - já que nos nomes indicados havia situações que impediam que fossem eleitos. Situações destas tornam a política uma farsa. Para quê votar em pessoas assim?
Ouvir
"Radio Music Society" é o quarto álbum de Esperanza Spalding, a contrabaixista norte-americana que em 2010 ganhou um Grammy de melhor novo artista - e se tornou na primeira música de jazz a levar para casa o galardão. Spalding, tocando jazz, tem tudo para ser uma artista pop - desde a sua figura e pose, até à forma como toca e canta, passando pela construção de algumas canções - e quase todos os temas são compostos por ela neste disco. Não deixa de ser curioso que Esperanza Spalding tenha escolhido interpretar aqui uma versão de um original de Stevie Wonder, "I Can't Help It" - e percebe-se como Wonder é uma influência musical para ela. Por falar nisso, o outro tema que não é da sua autoria, "Endangered Species", um original de Wayne Shorter, aponta para outra das suas boas inspirações. Da lista de convidados para este disco fazem parte o guitarrista Lionel Loueke, os bateristas Billy Hart e Jack de Johnette e o saxofonista Joe Lovano - tudo boa gente. O resultado é um disco arriscado mas sedutor, a confirmar talentos de composição e vocais de Spalding, muitas vezes entre o rhythm'n'blues e o funk, mas sempre com os pés bem assentes no jazz. Já agora, existe uma edição especial que inclui um DVD, que ajuda a compreender o universo de Spalding. A partir de cada canção, a começar pela "Radio Song" que inicia o disco, é construída uma narrativa, sempre protagonizada pela própria Esperanza Spalding, numa sucessão de episódios, cada um obedecendo a um "script" próprio, um pouco como um episódio de uma série. Curioso e inédito.
Provar
Na lista da cafetaria da Bica do Sapato entrou há pouco tempo um hambúrguer. Trata-se de uma peça à séria, em tamanho e qualidade, grelhada no ponto. Vem sobre um meio pão e com um ovo escalfado a cavalo. É acompanhado por umas batatas fritas despudoradamente grossas e saborosas e por rodelas de cebola fritas envolvidas na mesma polme usada para os peixinhos da horta da casa. À parte vem um molho de churrasco, que é para termos a exacta noção do que é um pecado. Já agora, a Bica do Sapato tem vindo a desenvolver pequenos petiscos para o fim de tarde, com destaque para o prego de lombo e uns croquetes de rabo de boi que têm que se lhes diga.
Ver
Desde a semana passada, o edifício Transboavista (Rua da Boavista 84) oferece mais uma série de exposições. Na Plataforma Revolver, agora repartida por três áreas distintas, destaco a colectiva "O Peso e a Ideia", que inclui obras de, entre outros, João Pombeiro, Ricardo Quaresma Vieira, Susana Anágua, Ruth Le Gear e Ana Fonseca. Na VPF cream art gallery está uma mostra imperdível de fotografias de José Maçãs de Carvalho, "Arquivo e Alteridade", que revisita diversas fases do trabalho deste autor - todas imagens marcantes, observações certeiras, que têm em comum a fixação de instantes que se completam e relacionam entre si. Num outro registo e num outro local, no Museu Berardo, aconselho uma visita ao trabalho do fotógrafo moçambicano Mauro Pinto que, com toda a justiça, foi o vencedor do BES Photo deste ano.
Arco da velha
Na passada sexta-feira, Pereira Cristóvão saiu da Direcção do Sporting; segunda-feira foi reintegrado. O "Jornal de Notícias" titulou que "Dirigentes do Sporting têm medo de Pereira Cristóvão" e escreve que a "Judiciária tem indicações de que o arguido possui dossiês secretos sobre os colegas".
Semanada
A factura do gás vai subir 7% em Julho, acumulando uma subida de 18% em três anos; as queixas de fraudes com cartões bancários subiram 40%; o número de ajustes directos nas obras publicas aumentou 90% em 2011, atingido 700 milhões de euros; o número de postos de trabalho na construção caiu mais de 20% desde 2011; a crise está a fechar 26 empresas por dia desde o início do ano; no primeiro trimestre, as falências de restaurantes aumentaram 143%; um estudo da Universidade Católica afirma que nos últimos 12 anos os católicos diminuíram 7,4%, tendo aumentado o número de pessoas que dizem professar outra religião e, sobretudo, os que se dizem sem religião; há 13.285 presos nas cadeias que custam ao Estado meio milhão de euros por dia; em vésperas do Congresso da Ordem dos Psicólogos, soube-se que o Porto tem mais cursos de Psicologia que a Áustria, e Lisboa mais do que a Bélgica.
Folhear
A revista "Egoísta", premiada nos prémios de Criatividade da "Meios & Publicidade", dedica a sua edição de Março ao tema da correspondência postal. "Escrever uma carta é o meio de chegar a algum lugar sem mover nada", escreve Mário Assis Ferreira logo na abertura deste número. De entre o material de toda esta edição, destaco as ilustrações de João Carvalho Pina, as fotografias de Augusto Brázio, as "Coisas que te escrevi", de Tiago Salazar, e o belíssimo "Um Adeus Portuguez", de Rui Zink, que encerra esta revista. Mas o que vale mais que tudo nesta revista é a noção de objecto impresso, a junção de textos, de imagens, de conceitos - no fundo, o trabalho de edição, que é de Patrícia Reis. É o gozo de folhear uma revista que não traz notícias para além da sua existência e do prazer que ela nos dá.
www.twitter.com/mfalcao
mfalcao@gmail.com
www.aesquinadorio.blogs.sapo.pt
Quando este Governo entrou em funções, olhou para o que estava à sua volta e resolveu fazer uma terraplanagem. Provavelmente, foi uma boa decisão. Só voltando à estaca zero se conseguiriam resolver muitos dos problemas que estavam para trás, frutos de anos de complacência. As medidas que foram tomadas a nível das finanças públicas, em grande parte por força de parceiros europeus e do FMI, assemelharam-se a um bombardeamento massivo. De facto, conseguiram estancar uma parte do problema, mas a destruição foi tanta que outros surgiram, como agora o próprio FMI vem reconhecer. Em função disto, cresce o número de vozes que quer tomar medidas para abrandar a austeridade e exige qualquer coisa que ainda ninguém percebeu bem como se alcança. António José Seguro está a trilhar o caminho, perigoso, de fazer crer a opinião pública que as medidas tomadas são já mais que suficientes e pode começar a existir maior tolerância.
Para todos os que gostariam de começar a atenuar as coisas, deixo aqui o último parágrafo de um recente artigo de Lorenzo Smaghi, no "Financial Times": "Um sistema no qual os políticos agem principalmente debaixo da pressão dos mercados, enquanto pensam que os mercados são míopes e podem ser iludidos, não é somente insustentável - é, na realidade, ineficiente. Tentar reconquistar a confiança dos mercados, depois de a ter perdido em determinada altura, requer acções duradouras e constantes. Isto causa problemas a nível económico e, claro, não é a melhor forma de consolidar apoio político interno". Espero sinceramente que os nossos políticos não se deixem cair em ilusões. Se o fizerem, o esforço feito até agora irá por água abaixo. Tudo aquilo que nos está a acontecer terá sido em vão se pararmos ou recuarmos. E aí é que será muito difícil dar a volta à situação.
Política
O processo de escolha de novos juízes para o Tribunal Constitucional revela o pior que existe no sistema político português. Um Tribunal Constitucional devia ser um grupo de sábios, experientes, tão independentes quanto possível. Os nomes indicados e conhecidos serão de excelentes pessoas, mas não se integram na definição acima. Ninguém pode ser prejudicado por pertencer ou apoiar um partido político ou defender determinadas ideias - mas também não é suposto que isso seja condição suficiente para cargos desta natureza. Situações destas desacreditam o regime, desacreditam ainda mais os partidos políticos e desacreditam completamente o Parlamento, que teve de inventar uma desculpa para adiar uma votação - já que nos nomes indicados havia situações que impediam que fossem eleitos. Situações destas tornam a política uma farsa. Para quê votar em pessoas assim?
Ouvir
"Radio Music Society" é o quarto álbum de Esperanza Spalding, a contrabaixista norte-americana que em 2010 ganhou um Grammy de melhor novo artista - e se tornou na primeira música de jazz a levar para casa o galardão. Spalding, tocando jazz, tem tudo para ser uma artista pop - desde a sua figura e pose, até à forma como toca e canta, passando pela construção de algumas canções - e quase todos os temas são compostos por ela neste disco. Não deixa de ser curioso que Esperanza Spalding tenha escolhido interpretar aqui uma versão de um original de Stevie Wonder, "I Can't Help It" - e percebe-se como Wonder é uma influência musical para ela. Por falar nisso, o outro tema que não é da sua autoria, "Endangered Species", um original de Wayne Shorter, aponta para outra das suas boas inspirações. Da lista de convidados para este disco fazem parte o guitarrista Lionel Loueke, os bateristas Billy Hart e Jack de Johnette e o saxofonista Joe Lovano - tudo boa gente. O resultado é um disco arriscado mas sedutor, a confirmar talentos de composição e vocais de Spalding, muitas vezes entre o rhythm'n'blues e o funk, mas sempre com os pés bem assentes no jazz. Já agora, existe uma edição especial que inclui um DVD, que ajuda a compreender o universo de Spalding. A partir de cada canção, a começar pela "Radio Song" que inicia o disco, é construída uma narrativa, sempre protagonizada pela própria Esperanza Spalding, numa sucessão de episódios, cada um obedecendo a um "script" próprio, um pouco como um episódio de uma série. Curioso e inédito.
Provar
Na lista da cafetaria da Bica do Sapato entrou há pouco tempo um hambúrguer. Trata-se de uma peça à séria, em tamanho e qualidade, grelhada no ponto. Vem sobre um meio pão e com um ovo escalfado a cavalo. É acompanhado por umas batatas fritas despudoradamente grossas e saborosas e por rodelas de cebola fritas envolvidas na mesma polme usada para os peixinhos da horta da casa. À parte vem um molho de churrasco, que é para termos a exacta noção do que é um pecado. Já agora, a Bica do Sapato tem vindo a desenvolver pequenos petiscos para o fim de tarde, com destaque para o prego de lombo e uns croquetes de rabo de boi que têm que se lhes diga.
Ver
Desde a semana passada, o edifício Transboavista (Rua da Boavista 84) oferece mais uma série de exposições. Na Plataforma Revolver, agora repartida por três áreas distintas, destaco a colectiva "O Peso e a Ideia", que inclui obras de, entre outros, João Pombeiro, Ricardo Quaresma Vieira, Susana Anágua, Ruth Le Gear e Ana Fonseca. Na VPF cream art gallery está uma mostra imperdível de fotografias de José Maçãs de Carvalho, "Arquivo e Alteridade", que revisita diversas fases do trabalho deste autor - todas imagens marcantes, observações certeiras, que têm em comum a fixação de instantes que se completam e relacionam entre si. Num outro registo e num outro local, no Museu Berardo, aconselho uma visita ao trabalho do fotógrafo moçambicano Mauro Pinto que, com toda a justiça, foi o vencedor do BES Photo deste ano.
Arco da velha
Na passada sexta-feira, Pereira Cristóvão saiu da Direcção do Sporting; segunda-feira foi reintegrado. O "Jornal de Notícias" titulou que "Dirigentes do Sporting têm medo de Pereira Cristóvão" e escreve que a "Judiciária tem indicações de que o arguido possui dossiês secretos sobre os colegas".
Semanada
A factura do gás vai subir 7% em Julho, acumulando uma subida de 18% em três anos; as queixas de fraudes com cartões bancários subiram 40%; o número de ajustes directos nas obras publicas aumentou 90% em 2011, atingido 700 milhões de euros; o número de postos de trabalho na construção caiu mais de 20% desde 2011; a crise está a fechar 26 empresas por dia desde o início do ano; no primeiro trimestre, as falências de restaurantes aumentaram 143%; um estudo da Universidade Católica afirma que nos últimos 12 anos os católicos diminuíram 7,4%, tendo aumentado o número de pessoas que dizem professar outra religião e, sobretudo, os que se dizem sem religião; há 13.285 presos nas cadeias que custam ao Estado meio milhão de euros por dia; em vésperas do Congresso da Ordem dos Psicólogos, soube-se que o Porto tem mais cursos de Psicologia que a Áustria, e Lisboa mais do que a Bélgica.
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A revista "Egoísta", premiada nos prémios de Criatividade da "Meios & Publicidade", dedica a sua edição de Março ao tema da correspondência postal. "Escrever uma carta é o meio de chegar a algum lugar sem mover nada", escreve Mário Assis Ferreira logo na abertura deste número. De entre o material de toda esta edição, destaco as ilustrações de João Carvalho Pina, as fotografias de Augusto Brázio, as "Coisas que te escrevi", de Tiago Salazar, e o belíssimo "Um Adeus Portuguez", de Rui Zink, que encerra esta revista. Mas o que vale mais que tudo nesta revista é a noção de objecto impresso, a junção de textos, de imagens, de conceitos - no fundo, o trabalho de edição, que é de Patrícia Reis. É o gozo de folhear uma revista que não traz notícias para além da sua existência e do prazer que ela nos dá.
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