Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
26 de Novembro de 2012 às 23:30

Um país faz de conta

A disputa política alimenta-se ao sabor das previsões das organizações por comparação com as oficiais sobre défices e dívidas. Perdemo-nos nesta tertúlia colectiva de má língua persistente, de meias verdades e de justicialismo mediático em que se tornou o País.

  • ...

A grandiloquência de parte dos políticos portugueses é fascinante: atiram para a Europa os males e remédios da nossa crise, acusam os egoísmos eleitoralistas e a miopia estratégica dos poderosos do Norte, mas não se vêem ao espelho. Em casa, são incapazes de estabelecer pontes estratégicas para uma geração, quanto mais para uma década ou legislatura. Aproveitam tudo para se ultrajarem na praça pública. Os desafios recíprocos lançam-se para passar no "prime time" televisivo para ganhar aos pontos, enquanto o KO das eleições e da opinião pública seguidista não chega.

Em Portugal, os acordos políticos alargados não se podem fazer por convicção: fazem-se por obrigação e ataque externos. Os egos luzem. Há impasse e impaciência. Perdemos a noção do longo prazo. Perdemos a ideia da comunidade política que se tem de fazer, não pela coerção, mas pelo consentimento e envolvimento. Aconselharia aos políticos o "black-out" futebolístico até que tenham restabelecido a capacidade de agir de forma concertada num objectivo político comum.

Fazemos de conta que precisamos de uma estratégia, mas o que se quer é disputa táctica. O único documento estratégico deste País afinal é o imposto pelos credores da "troika". Escondemo-nos atrás dele para quase tudo. Para uns, o ritmo da comunidade política é a esperança de uma avaliação positiva dos financiadores; para outros há que esfregar as mãos de regozijo se, as metas falharem ou tivermos reprimendas. Não há oposição num país intervencionado: há que amochar se não tivermos alternativas próprias.

O País tornou-se um faz de conta permanente. A esquerda, e os paternalistas do Estadão, acusam o Governo de liberal ou neoliberal, e este atira-o, sendo-o ou não, para as urtigas, com aumentos de impostos, legislação minuciosa e de permanente paternalismo. Esbarra com uma sociedade criada à sombra do protectorado público, e que agora quer o da Europa.

Demoramos a perceber que a despesa pública é simplesmente dinheiro subtraído ao bem-estar individual através dos impostos. Sabemos vagamente que ela nos é devolvida em bens, serviços públicos e transferências sociais. Mas temos dificuldade em escrutinar a sua relevância. Toda ela parece ser importante. Os pequenos grupos organizados dentro e fora do Estado assaltam os recursos públicos, para deixarem uma sociedade totalmente refém deles.

Fazemos de conta que a queremos controlar com ataques subversivos às remunerações dos políticos e às mordomias, numa lógica de "vendetta", que naturalmente nos alivia, mas que pouco resolve. Queremos exemplos. Buscamos culpados.

Fazemos de conta que atacamos o Estado social, o que significaria em algum momento a diminuição efectiva da despesa pública em relação ao PIB. Na prática, concluímos que a despesa não está controlada e não reduz. E os juros já não são Estado social: a dívida é um ente abstracto que outros criaram, e que não beneficiámos com ela. Temos dívida pública, porque os Governos foram incapazes de cobrar os impostos para as pagar. A disputa política alimenta-se ao sabor das previsões das organizações por comparação com as oficiais sobre défices e dívidas. Perdemo-nos nesta tertúlia colectiva de má língua persistente, de meias verdades e de justicialismo mediático em que se tornou o País.

Em Portugal, estratégia não é fazer algo. São discursos gongóricos que começam no supremo mal da economia norte-americana e dos baixos salários chineses para terminar no ataque aos vorazes banqueiros, iletrados empresários e na maledicência gratuita em relação aos funcionários e serviços públicos, bem como na errada alínea da última portaria. Tudo serve para fugirmos à dor das opções orçamentais. Agora vamos ter 4 mil milhões de euros de estratégias para executar por obrigação. Falta-nos a persuasão política necessária para gerar uma comunidade triunfadora neste mundo global.

Gestor

Ver comentários
Saber mais opinião
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio