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21 de Outubro de 2020 às 13:00

São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas

Sabendo que a estrutura empresarial portuguesa assenta sobretudo em micro, pequenas e médias empresas, seria importante ter como primeira prioridade apoiar a resiliência económica das mesmas nos próximos anos.

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São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas. A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 apresentada durante esta semana e, sobretudo, o conjunto de análises e comentários que originou são sintoma disso mesmo. São constantes as dúvidas sobre a evolução da pandemia, do aparecimento a curto ou médio prazo da vacina e respetiva eficácia e, simultaneamente, sobre a profundidade do impacto económico e social. Pelo contrário, a única certeza que parece emergir é a de que, muito provavelmente, este não será o último Orçamento de 2021.

Seria sempre difícil elaborar este Orçamento, porém, em linha com a ideia de responsabilidade social do Estado, esperava-se um programa generoso em medidas sociais tendentes a aliviar pessoas e famílias em situação de pobreza ou fragilidade económica. E o Orçamento não desiludiu, disponibilizando medidas como o aumento das pensões, aumento do subsídio do desemprego, nova prestação social de apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, subsídio extraordinário de risco no combate à pandemia, entre outras. Pressupõe-se além disso que todas estas medidas irão contribuir, embora na realidade de forma ténue, para aumentar o consumo interno e relançar a economia.

Contudo o que também se esperava era um pacote igualmente rico de medidas galvanizadoras da economia real, com base nas empresas. É verdade que algumas medidas foram consideradas como, entre outras, o lançamento de programas de formação profissional e requalificação de ativos e o apoio a projetos que estimulem o trabalho em rede e as dinâmicas de eficiência coletiva.

Mas, sabendo que a estrutura empresarial portuguesa assenta sobretudo em micro, pequenas e médias empresas, seria importante ter como primeira prioridade apoiar a resiliência económica das mesmas nos próximos anos, focando os esforços em medidas temporárias de reforço de benefícios fiscais ao investimento e à manutenção/criação de postos de trabalho. Um bom exemplo já implementado em inúmeros países como Áustria, Chipre, Bélgica, Bulgária, Alemanha, Grécia, Turquia, Reino Unido é a redução do IVA na restauração e bebidas para 6% durante um ano. Esta medida, de acordo com o estudo pedido à PwC pela AHRESP, poderia salvar até dez mil empresas e 46 mil postos de trabalho e ainda gerar “um impacto positivo entre 394 milhões de euros e 516 milhões” para as contas do Estado, tendo em conta IRS, TSU e subsídios de desemprego. E se esta parece ser a medida mais eficaz neste setor, outras medidas podem encontrar-se que respondam aos vários setores presentes na realidade económica. Não é fácil, nem simples, mas possível.

Pensando ainda de forma mais abrangente nestas medidas de incentivo às empresas, no sentido da sua sustentabilidade a curto prazo e da criação de emprego, seria muito importante não esquecer o apoio aos jovens profissionais, acompanhado por medidas de flexibilidade laboral. Ultrapassar o patamar da precariedade e atingir alguma estabilidade é dar futuro aos jovens, às novas famílias e à sociedade. É contribuir para uma transição geracional equilibrada e, como tal, um mundo mais humano com espaço para todos e em que todos tenham oportunidade de se realizarem integralmente.

Postos a pensar, outras medidas podem ser encontradas e, quem sabe, ainda incluídas nesta versão do Orçamento. Aliás, muitas organizações e associações empresariais têm contribuído com ideias e sugestões interessantes, efetivas e, na sua maioria, simples. Naturalmente, haveria que considerar a sua pertinência e impacto. Seria, no entanto, muito bom não perder esta excelente oportunidade de relançar a economia com ambição e sustentável. Tenhamos esperança.

Esperança é também a palavra que define um outro acontecimento que ocorreu neste mês de outubro e que gostava de recordar: a entrega dos Prémios Nobel 2020 e, em concreto, o Prémio Nobel da Química atribuído em conjunto a Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier, por sinal a primeira vez que é atribuído em simultâneo a duas mulheres.

O trabalho de Jennifer e Emmanuelle, conhecido como CRISPR/Cas9, coloca-nos face à capacidade real da edição genética. Trata-se de um salto extraordinário na medicina, um abrir de possibilidades fantásticas que apenas começamos a imaginar, como sejam o desenvolvimento de novas terapias para o cancro e a cura de algumas doenças hereditárias. Como recurso da medicina, deve ser naturalmente celebrado. Mas há sombras éticas que exigem prudência. Em 2018, o chinês He Jiankui disse ter criado os primeiros bebés geneticamente modificados. Nessa altura, as duas vencedoras protestaram indignadas e assustadas contra o uso indevido do procedimento médico. Jiankui explicou que o principal objetivo da intervenção era potenciar a capacidade de resistir a infeções pelo HIV. Mais uma vez, se colocava o eterno problema ético: o fim é bom e podemos, mas será que devemos?

A atribuição deste Prémio Nobel da Química é, neste sentido, um enorme símbolo de esperança, uma bela imagem do futuro que se abre e nos enche de espanto e entusiasmo, mas é também um apelar à responsabilidade que todos temos na criação desse mesmo futuro, em concreto, no sentido que queremos dar à humanidade.

Da certeza médica, boa e promissora às dúvidas com que nos podemos confrontar aquando da sua utilização, termino como comecei. São tempos de muitas dúvidas e, principalmente, de poucas certezas.

 

A única certeza que parece emergir é a de que, muito provavelmen- te, este não será o último Orçamento de 2021.
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