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O drama da floresta

A floresta sofre um problema fundamental: os benefícios que gera são um bem público, partilhado por todos, enquanto os custos da sua manutenção são privados, a cargo dos seus proprietários.

As florestas são fundamentais para absorver o dióxido de carbono emitido pelos veículos, fábricas, sistemas de aquecimento e produção de energia de fontes não renováveis. Assim desempenham uma função de redução das alterações climáticas, um benefício partilhado por todos. Também têm um valor estético, contribuindo para a beleza da paisagem, outro bem público, partilhado pelos visitantes ou empresas turísticas, que não têm qualquer envolvimento na gestão da floresta.

 

São os proprietários que suportam o custo direto da limpeza da floresta ou o custo de oportunidade da sua preservação, dado que o seu corte e transformação em terreno agrícola é, frequentemente, mais lucrativo. Ao elevado custo da gestão equilibrada acresce o problema de "free riding": se o meu vizinho fizer uma limpeza cuidadosa dos seus matos e investir em espécies mais resistentes ao fogo, a minha exploração corre menos riscos sem que eu suporte os custos da gestão eficiente do meu lote de floresta. É por isso que as explorações de maior dimensão, mais frequentes no Sul do país, têm maior incentivo para uma gestão ordenada que as pequenas parcelas da região Norte, onde o minifúndio é uma pesada herança ainda não corrigida pelo emparcelamento que, por exemplo, Espanha foi capaz de realizar.

 

Além das alterações climáticas, um fator não controlável, com longos períodos sem chuva e elevadas temperaturas, a redução e o envelhecimento das populações do interior contribuem para o agravamento das condições de risco da floresta portuguesa, uma das mais vastas da Europa, em percentagem do território. A redução das parcelas cultivadas, a extinção dos fornos a lenha e o progressivo desaparecimento da pastorícia e transumância tornaram as zonas de montanha vulneráveis a uma vaga sucessiva de incêndios devastadores. Por sua vez, a lentidão do crescimento de espécies autóctones, como o carvalho e a azinheira, mais resistentes ao fogo, levou a que fossem preteridas por espécies de crescimento mais rápido como o eucalipto, uma das raras fontes de rendimento efetivo para muitos pequenos proprietários. Desastres como o de Pedrógão ou do Pinhal de Leiria vieram culminar a tragédia que a nossa floresta enfrenta, ano após ano.

 

A solução para este problema existe, mas é complexa, exigindo conjugação de esforços e consensos entre interesses potencialmente divergentes. Os proprietários carecem de fontes de rendimento que compensem os custos de manutenção da gestão e ordenamento da floresta - um domínio no qual seria necessário reunir fundos privados e públicos, podendo começar com projetos-piloto em que o capital angariado junto de privados fosse duplicado com fundos públicos. A regulação pode também contribuir, definindo regras de manutenção e de ordenamento, em que os custos, diretos e de oportunidade, devem ser parcialmente cobertos por apoios públicos ou de beneficiários das externalidades como a indústria hoteleira. Finalmente, o modelo de propriedade poderia ser significativamente melhorado através de uma política de emparcelamento e de redução (eliminação?) dos custos de transação, incluindo despesas notariais e de registo para transações de pequeno valor. A sanção dos proprietários que não tenham criado uma zona de desmatação em torno das casas ou aldeias pode ter alguma eficácia e proteger bens públicos, mas é insuficiente e socialmente injusta dado que penaliza as populações mais desfavorecidas.

 

O verão de 2018 iniciou-se com baixas temperaturas, mas os riscos não desapareceram. Depois dos desastres de 2017, será possível que Portugal se torne um modelo de referência da gestão do extraordinário património que é a sua floresta? 

 

Diretor da ISCTE Business School

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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