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Porque não param as bolsas?

Vivemos um período negro nos mercados financeiros, com a dimensão de um “crash”. Fechar as bolsas em nada ajudaria os investidores.

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É difícil escrever sobre os mercados nestes momentos. O dinheiro vale muito pouco no meio desta tragédia humana em que o mundo está submerso. É difícil manter o foco na bolsa quando, a cada segundo, surge mais uma notícia trágica sobre um vírus que nos veio relembrar a todos a nossa condição de humanos. Mas não sou especialista em saúde pública e o que os leitores esperam é que lhes escreva sobre os mercados.

Não preciso de vos falar das quedas violentas da semana passada, nem de dizer os números exactos da dimensão desta verdadeira implosão das bolsas. As notícias dizem-no a toda a hora e são demasiado evidentes e grandes para que todos entendam que vivemos um período negro nos mercados financeiros, com a dimensão de um "crash".

Vários leitores me escreveram, com uma opinião comum, de que as bolsas deveriam ser fechadas para evitar estas quedas violentas. No caldeiraodebolsa.com há também muitas opiniões nesse sentido. Se as bolsas encerrassem por razões de saúde pública obviamente aplaudiria essa medida, mas se a motivação para fechar os mercados for conter as quedas dos mercados é algo que creio não fazer sentido.

Os mercados foram apanhados de surpresa com o novo coronavírus? Sim. Milhões de investidores estão a ter perdas gigantescas nas últimas semanas? Sim. Mas a verdade é que os investidores tiveram tempo para vender as suas posições, depois do início das quedas. Quando foram os atentados do 11 de Setembro, as bolsas norte-americanas estiveram encerradas, mas houve dois motivos para isso: por um lado, porque foi um evento de um dia e, sobretudo, pelas questões de segurança que não havia na área de Wall Street naquele momento.

Fechar as bolsas em nada ajudaria os investidores. Adiaria apenas o problema, porque quando reabrissem o mercado iria corrigir tudo de uma só vez e isso sim poderia criar sérios problemas. Parece que estamos a assistir ao "crash" mais ordenado que alguma vez existiu. Não há grandes "spreads" entre a compra e a venda, não vemos problemas nos sistemas de negociação como ocorreu há alguns anos com o "flash crash". Tudo decorre de uma forma normal. É devastador, triste, mas normal.

Se o fecho das bolsas tiver a ver com a contenção do vírus, sou plenamente a favor. Se for por uma questão económica ou de protecção dos investidores, sou contra, porque ao invés de os proteger está a prejudicá-los. Reparem que quem tinha acções pôde vendê-las no dia da primeira queda, ou da segunda ou da terceira, ao longo destas três semanas. Se os mercados estivessem fechados, não tinha sido dado a oportunidade a esses investidores de saírem, sofrendo depois com a queda de uma só vez. Quem não vendeu não pode culpar quem não fechou os mercados. Tem de se culpar a si mesmo por não ter vendido, pois o mercado deu várias oportunidades para isso.

Para aqueles que defendem o fecho dos mercados porque acham que o mercado está irracional (algo de que discordo) e a agir com base no medo, faço duas perguntas: É um investidor de longo prazo? Se sim e acha que o mercado está irracional, o tempo trará a razão na altura certa, por isso não tem de se preocupar. É um investidor de curto prazo? Então já devia ter saído aos primeiros sinais de fraqueza. O erro não é do mercado, é de si.

O PSI-20 regressou a níveis do século passado! Acho que isto diz bem de quão devastador tem sido para a bolsa portuguesa as últimas semanas, à semelhança das principais praças mundiais. O problema é que as restantes bolsas viviam um dos mais longos "bull markets" da história, enquanto o mercado português não teve essa felicidade.

Na semana passada terminei o artigo escrevendo: Não são apenas as pessoas que estão infectadas com o novo coronavírus, os mercados também estão. Muitos têm sido os corajosos que têm tentado entrar, acreditando que está já curado e pronto para correr de novo. Mas o mercado está cheio de heróis sem cabeça, de falsos faquires que teimam a apanhar facas a cair. Haverá muitos ressaltos e subidas fortes nos próximos tempos, como é próprio depois de quedas violentas. Mas não há ainda qualquer sinal de força consistente e, enquanto isso não suceder, há que respeitar a fraqueza de um mercado contaminado.

Não vejo nada que altere esta minha forma de pensar. Continuo a ver as subidas como meros ressaltos e oportunidades de fuga para aqueles que se têm recusado a vender. Um dia, o pesadelo terminará, mas enquanto não forem dados claros sinais de força e resistência relevantes quebradas, a força violenta dos ursos deve ser respeitada.

Não é com o fecho de bolsas que se impede as quedas. Isso apenas as adia. As bolsas vão parar de cair quando os investidores quiserem comprar. É assim que o mercado funciona por mais doloroso que seja para quem detém acções. E quem não está preparado para isso não deve investir no mercado accionista.

No fundo, assistimos ao "crash" mais ordeiro da história das bolsas. Negoceio desde 1992 e este é um dos momentos mais dramáticos que os mercados vivem. Mas não culpe o mercado por perder dinheiro. Todos tivemos tempo para tomar as nossas decisões. O problema é que, tal como a sociedade em geral, os mercados desvalorizaram este vírus durante muito tempo. Até que ele os infectou.


Artigo escrito em 13/03/20 às 12h20
Fontes: https://live.euronext.com/pt

Ulisses Pereira não detém qualquer dos ativos analisados. Deve ser consultado o disclaimer integral aqui,onde também pode ser consultada a lista com as anteriores análises de Ulisses Pereira.

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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