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23 de Maio de 2013 às 00:01

O mundo numa t-shirt

Já vamos ao Martim, comecemos pela Laguna. Quatro miúdos, vinte aninhos, juntaram 400 contos e abriram uma empresa, deram-lhe o nome de uma cidade na Califórnia e, porque exigia pouco capital, decidiram fazer t-shirts. Sem escritório, reuniam-se em esplanadas. Passaram pelos infernos da burocracia, montaram o que tinham de montar e gastaram os 400 contos em dois modelos de t-shirts com temas da moda: ecologia e sexo. Foi um fiasco. Aprenderam mil lições e mudaram de ramo.

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No tempo dos contos, abrir empresas podia ser uma entrada. Na era do euro pode ser uma saída. Não é moda, é modo de sobrevivência. João Paulo saiu de um quadro de Velázquez e, com dois amigos, abriu no Porto uma alfaiataria de camisas portuguesas com nome viking. Sofia e Joana já não têm vinte aninhos, têm trintas, e tinham despedimento garantido (ironicamente, no Novas Oportunidades): onde falira uma gráfica, abriram uma loja de mercearias, vinhos e petiscos, estupeta, muchama de atum, maranhos. Isilda e Glória, professoras com mais de 50 anos, abriram uma lavandaria "daquelas dos filmes", de auto-serviço. Sandra, advogada, deixou a PLMJ (a "sociedade do Júdice", como toda a gente lhe chama e ele odeia que chamem, por ser de muitos mais) e montou uma empresa de casamentos baratos. 


O que representam estas empresas no nosso "pibinho", como dizem os brasileiros? Nada. Que rácio fazem mexer? Nenhum. E, no entanto, fazem hoje as primeiras páginas do Negócios (e não, não é para desmentir pela enésima vez o mito de que os jornais só dão más notícias e mostrar que noticiamos todos os dias casos empresariais de gente que não é engolida pela maré). Mas espere, há mais. Se ler o suplemento IN de hoje encontrará mais quatro casos, entre 11 empresas portuguesas que foram distinguidas em Inglaterra. Empresas como a Modelo 3, que mudou de nome para Simpletax e agora vende programação para contabilidade; as soluções de marketing digital para hotéis da GuestCentric, as tecnologias para aeronáutica da Active Space, a consultoria da Bright Partners.

Provavelmente, nunca ouviu falar destas empresas. Nem de nenhuma das 14.811 empresas criadas em Portugal nos primeiros quatro meses deste ano, segundo dados da Informa D&B. Não desdenhe, compre: há cinco anos que não se criavam tantas empresas em Portugal. A destruição continua imparável, as falências e dissoluções, o desemprego, a não criação de postos de trabalho quase desde 2008. Está tudo mal. Mas não está tudo parado: estão a ser criadas empresas e isso tem de representar alguma coisa. Não é um fenómeno colectivo, mas são muitos fenómenos individuais. A agricultura está na moda, a restauração sempre esteve à mão, os serviços continuam a dominar. Já se sabe, não é isto que muda a economia, o que muda são investimentos reprodutivos, indústrias exportadoras, investimento estrangeiro. Mas estas empresas que não pesam um grama no nosso "pibinho" pesam muito no PIB de quem as ergue e de quem lá trabalha. Merecem reconhecimento. Atenção. E, se forem boas, merecem clientes.

Isto não é política, isto é economia. A política apropria-se da vida real e transforma-a em conceitos oponíveis. É por isso que um miúdo chamado Martim, que faz t-shirts, dá uma resposta de perlimpimpim a uma professora e o caso torna-se fractura entre esquerda e direita; é por isso que a palavra empreendedorismo passou de uma possibilidade de miúdos para um discurso político horripilante, usado e abusado por quem não faz ideia do que é criar uma empresa.

Chamem-lhes o que quiserem, empreendedores, sonhadores, úteis ou fúteis, mas o Martim, o João Paulo, a Sofia e a Joana, a Sandra, a Isilda e a Glória falaram todos com o Negócios e nenhum pediu nada ao Estado que não fosse sair-lhes da frente, baixar a burocracia e descer os impostos. E eles, digo eu, no fim do mês estão mais preocupados com os salários que têm de pagar que com sondagens de partidos. Têm a especial autoridade sobre si mesmos. Mesmo que alguns deles falhem.

Os quatro rapazes da Laguna também falharam o projecto de t-shirts. Mudaram de ramo e abririam o primeiro jornal em Portugal que começou na Internet. Isso foi em 1997 e, em 2013, o projecto tem muitos clientes. Chamam-se leitores e você é um deles. Neste preciso momento.

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