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31 de Maio de 2013 às 10:08

Eventos, Festivais e ventiladores-artificiais

Resta saber se estamos dependentes do Turismo por sermos pobres, ou se estamos pobres por dependermos do Turismo.

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A quantidade de festivais e eventos de rua (entre outras iniciativas), patrocinados pelo eixo media-política, em nome de um duvidoso interesse público, atingiu proporções impensáveis. O fenómeno foi crescendo em legitimidade de formas absolutamente sombrias, a começar pela falta de real informação custo-benefício e a acabar na monopolização do espaço público sem critério.


É um casamento triunfante entre os autarcas e os promotores destes eventos - concertados, elogiam estas "produções" como se de algo extraordinário se tratasse, como se as barreiras que se gabam de ter ultrapassado não fossem as mesmas que qualquer outro empresário médio tem de vencer no seu dia-a-dia, 365 dias por ano. Se repararem, o léxico é o mesmo que o usado para defender os centros comerciais - estão cheios, movimentam gente, geram impostos etc... E tal como nos Shoppings, no que toca à desertificação das nossas cidades, é preciso perguntar se são parte da solução ou parte do problema.


Dos vários factos usados como "soundbyte" para legitimar estes negócios, o primeiro que me intriga é "a festa" à volta do número de pessoas que arrastam. Intriga por dois lados: primeiro, porque a aferição da pertinência e qualidade do que quer que seja pelos números de público num país como o nosso é, de si, uma armadilha. Em Portugal, tudo enche, e ainda bem, de Nick Cave a Tony Carreira - e os Shoppings, também. Por outro lado, intriga porque, para os cidadãos, não há beneficio nenhum em que haja mais ou menos gente nestes bodos. Com efeito, os terrenos, as paisagens e a marca da cidade são oferecidos à borla (como no Parque da Cidade no Porto) ou mesmo com benefícios fiscais (como no caso do Rock in Rio Lisboa) - ter mais público indica apenas mais bilheteira da qual não somos comissionistas, apesar de sermos co-produtores à força destas iniciativas.


O segundo facto, é a inventona do Turismo. Claro que percebo que o que está por detrás de tudo isto é a ideia da atractividade; foi com essa vaidade frívola que rebentámos com dois terços da costa portuguesa, a ouvir sereias cantar sobre os benefícios de sermos visitados por estrangeiros, tomando isso como um meio em vez de um fim, apostando em quantidade em vez de qualidade e, como está à vista, perdendo competitividade para... o norte de África.


Em termos autárquicos, proliferam as empresas municipais dedicadas em exclusivo à animação - acerca das quais, por serem empresas municipais, desconhecemos a realidade das contas (a lei assim o facilita). Mas conhecemos em absoluto esta última década e sabemos em pleno que toda a estratégia tem sido sempre baseada no exacerbado impacto mediático dos eventos; depois, volta o quotidiano, e o "reality check" diz-nos que a cura era, afinal, mais um ventilador artificial. Numa autarquia, fazem-se investimentos em tempo, dinheiro e notoriedade em nome de qualquer coisa que disfarce o real problema das nossas cidades, que é a separação do seu espaço físico de quem o habita. Quanto ao argumento da hotelaria ou da restauração, tenho muitas dúvidas que sejam três ou quatro dias que vão resolver um ano inteiro de IVA a 23% e uma erosão do poder de compra da classe média sem precedentes. Resta saber se estamos dependentes do Turismo por sermos pobres, ou se estamos pobres por dependermos do Turismo.


Caberia ao poder político seleccionar e aferir de uma estratégia que não fizesse o fenómeno cair na vulgaridade onde se encontra, até porque há iniciativas destas que poderão - se devidamente articuladas com reais políticas de escala local - ter pertinência e valor. Mas para isso era preciso que a nossa exigência obrigasse os responsáveis públicos a revelarem a real natureza das suas opções, em vez de se esconderem atrás da popularidade fácil da ausência de escolhas.

 

 

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