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Manuela Arcanjo - Economista 23 de Agosto de 2018 às 20:15

Uma não notícia

A dificuldade está na via que permita respeitar a opção de cada indivíduo, manter uma população mais velha e muito qualificada mas abrir possibilidade para a entrada das novas gerações.

De repente, houve um alvoroço na comunicação social e, em consequência, a divulgação de abundantes opiniões sobre os motivos, alcance e até perigos de uma singela decisão do Governo. Estou a referir-me à eliminação da obrigatoriedade da reforma aos 70 anos para os funcionários públicos. Poder-se-á questionar o momento de uma decisão isolada, mas trata-se apenas de equiparar plenamente - neste parâmetro - os regimes público e privado. Porém, ela deve ser enquadrada nas tendências de reforma dos sistemas de pensões europeus, essencialmente explicadas pelo aumento continuado da esperança de vida aos 65 anos. Vejamos, de forma sintética, alguns dos seus elementos.

 

O aumento da idade legal de reforma (ILR) foi a medida adoptada pelos 28 países da UE. Se na Europa Central e de Leste a regra é ainda os 65 anos, nos restantes Estados-membros da UEM assistiu-se, pela conjugação do envelhecimento e da consolidação orçamental, à opção pelo aumento progressivo para os 67 anos (Bélgica, Holanda, França, Alemanha, Itália) ou mesmo para os 68 anos (Dinamarca, Irlanda). Se nestes países foi definido um período temporal de ajustamento, já em Portugal apenas se sabe que a ILR aumenta um mês em cada ano atingindo os 67 anos em 2026. Mas, contrariamente ao esperado, os cidadãos europeus preferiam sair mais cedo do mercado de trabalho, mesmo com uma pensão mais reduzida. Surgiram assim duas outras tendências: restringir o acesso à pensão antecipada (aumento da idade e/ou da penalização) e incentivar o deferimento da aposentação (aumento da majoração da futura pensão). A primeira foi dominante na Europa Ocidental e Portugal foi o país com a introdução da penalização mais forte.

 

Os últimos dados - relativos a 2016 - disponibilizados pela OCDE permitem concluir que embora se tenha observado na maioria dos países um aumento da idade efectiva (média) de reforma, esta ainda se apresenta abaixo da idade legal ou também designada por normal. Apenas quatro países (Alemanha, Dinamarca, Holanda e Reino Unido) apresentavam valores superiores aos 63 anos. É necessário sairmos do continente europeu para se encontrar uma idade efectiva entre os 70,2 e os 71,6 anos (Japão, Chile e México).

 

A discussão sobre as melhores opções que permitam um prolongamento da vida activa sem penalizar fortemente as novas gerações tem atraído o interesse de especialistas de todos os países. A dificuldade está na via que permita respeitar a opção de cada indivíduo, manter uma população mais velha e muito qualificada mas abrir possibilidade para a entrada das novas gerações.

 

Em Portugal, em 2018, não se tratou de discutir estes desafios mas apenas de tomar uma medida justa na equipação dos dois sistemas, mas que na realidade abrangerá um grupo muito restrito de - algumas centenas - funcionários públicos altamente qualificados e, por isso, nas carreiras de salários mais elevados (académicos, médicos, juízes, diplomatas).

 

A passagem repentina de uma vida activa para um período - cada vez mais longo, felizmente - de inactividade tem efeitos psicológicos difíceis para muitos reformados que não conseguem encontrar actividades sociais importantes que ainda podem desenvolver, mesmo não remuneradas.

 

A possibilidade de uma saída progressiva - por via da pensão e salário a tempo parcial - tem sido uma alternativa encarada noutros países. Justifica-se para todos os profissionais de elevado valor acrescentado para a entidade empregadora - privada ou pública - e que transmitam o seu conhecimento às novas gerações.

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista

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