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Manuela Arcanjo - Economista 28 de Junho de 2018 às 20:19

Opções inaceitáveis: o caso do Infarmed

Como a formação técnica dos funcionários do Infarmed pode exigir três a cinco anos, é fácil concluir que a sua actividade regular vai ser posta em causa. Muda para o Porto, mas deixa de ser o organismo de que todos nos orgulhamos.

Muitos estarão recordados da notícia divulgada pela comunicação social na manhã do dia 21 de Novembro do ano passado: o Infarmed iria ser transferido de Lisboa para o Porto. Mesmo para os defensores da desconcentração dos serviços públicos, a notícia foi surpreendente: não foram avançadas explicações e nunca tal deslocalização tinha sido sequer discutida nas últimas décadas.

 

Algo de estranho se poderá ter passado durante 24 horas. Imaginemos o seguinte: perante a candidatura não vencedora do Porto à instalação da Agência Europeia do Medicamento - EMA (transferida de Londres para Amesterdão), o presidente da Câmara Municipal do Porto terá pensado num organismo prestigiado e relacionado com a EMA; terá tido um breve contacto com o primeiro-ministro que, rápido, concordou e deu a respectiva ordem ao ministro da Saúde; este, também rápido, informou a presidência do Infarmed na manhã seguinte. Decisores rápidos, é certo, mas sem uma ideia da missão - nacional e internacional - e do grau de especialização da maioria dos funcionários daquele organismo.

 

Com efeito, basta uma consulta rápida aos seus estatutos para se entender a responsabilidade e a elevada tecnicidade envolvidas em muitas das áreas desenvolvidas, por exemplo, nos domínios dos medicamentos para uso humano e dos dispositivos médicos.

 

Perante o estrondo da notícia, foi decidido constituir um grupo de trabalho (composto por 27 pessoas) para avaliar as vantagens e os inconvenientes da transferência. O relatório foi apresentado esta semana ao ministério da Saúde.

 

Do que foi tornado público, o relatório identifica ganhos de eficiência pela possível junção de todos os serviços num único edifício. É um pequeno benefício perante o custo financeiro e as sérias desvantagens enunciadas.

 

Problema menor é o custo inicial de cerca de 17 milhões de euros, a ser suportado possivelmente pelo Ministério da Saúde, entidade tutelar do Infarmed. Muito mais difíceis de aceitar são outras conclusões já esperadas. Merece particular destaque o efeito esperado ao nível dos recursos humanos: o último inquérito realizado pela Comissão de Trabalhadores revela que 93% dos funcionários não aceitam a transferência para o Porto. Para além de não poderem ser obrigados a tal, é bom que não se aceite a leviandade de afirmar que existe transporte ferroviário diário e que se reconheça que todos terão responsabilidades familiares e uma vida pessoal organizada em Lisboa.

 

Ora, como a formação técnica dos funcionários do Infarmed pode exigir três a cinco anos, é fácil concluir que a sua actividade regular vai ser posta em causa. Muda para o Porto, mas deixa de ser o organismo de que todos nos orgulhamos em termos, nomeadamente, da protecção da saúde pública.

 

Duas pequenas notas finais. A primeira refere-se ainda ao grupo de trabalho que terá observado não se verificarem "impedimentos absolutos para a deslocalização para o Porto". Entende-se, é sempre difícil avaliar "a posteriori" uma decisão política.

 

A segunda respeita à reacção imediata do presidente da Câmara Municipal do Porto que não aceitando as desvantagens reportadas exige a entrada em funcionamento naquela cidade já a 1 de Janeiro de 2019. É mau, mas poderia ser pior: imagine-se o que seria se Rui Moreira quisesse a transferência do Mosteiro dos Jerónimos para enriquecer o já magnífico património histórico do Porto.

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista

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