Opinião
Um rio de lama
Pode acontecer que um partido político decida mudar de estratégia no seguimento de um congresso.
O maior problema não é a falta de dinheiro, é a falta de ideias.
Ken Hakuta, inventor
Um rio de lama
Pode acontecer que um partido político decida mudar de estratégia no seguimento de um congresso. O vencedor muitas vezes surge em oposição ao poder interno anterior ou então como a tábua de salvação num momento de falta de alternativa. Rui Rio venceu o PSD em oposição a Santana Lopes, mas fugiu sempre de explicitar estratégia e táctica política. Ficou sempre indefinido, preferiu navegar ao sabor do vento. E, em vez de uma oposição frontal a António Costa, ao PS e à geringonça, como Santana prometia, Rio decidiu-se por uma coexistência pacífica. Supõe-se que na sua mente estava o poder ser a charneira que ressuscitasse um bloco central. Só que a vida não lhe correu de feição - e Costa, que é um político mais hábil de olhos fechados do que Rio de olhos bem abertos debaixo de um duche frio, acabou por o acantonar. A isto juntou-se a deriva de um PP órfão de liderança, que também pouco mais faz que tirar água do porão para não se afundar, e uma divisão do eleitorado urbano não centrista para a Iniciativa Liberal. E, para cúmulo, à direita de PSD e PP, começou a crescer uma nova força política, populista, ideologicamente carregada, claramente em ruptura com o sistema, com um líder carismático - André Ventura. Rio foi o encenador do crescimento do Chega e agora, acossado, está disposto a tudo. O que Rui Rio está a fazer é um exercício de sobrevivência de poder interno no PSD, sem mandato nem coerência, sem estratégia à vista que não seja tentar manter alguma relevância junto dos desesperados do aparelho pela falta de poder. De tudo isto vai sair um PSD mais fraco, uma direita menos credível e muito provavelmente umas eleições dadas de bandeja, de novo, ao PS. A única incógnita é saber o que Marcelo fará depois de ser reeleito: ou tolera Rio ou dá sinais de que o dispensa. Essa vai ser a parte interessante de seguir, ainda durante os ensaios das autárquicas, aposto.
• Relativamente à pandemia, no início da semana, seis em cada dez municípios do país estavam em situação grave • 27 concelhos têm mais de 100 casos por 100 mil habitantes • os concelhos considerados de risco geram 90% da riqueza do país • no fim de semana passado foram detectadas pela GNR três festas no Algarve, nas quais participavam 310 pessoas • o programa de apoio a pessoas carenciadas, financiado por fundos europeus, teve uma execução de apenas 32% • em 2018, segundo o Eurostat, 21,6% da população portuguesa vivia em risco de pobreza ou de exclusão social • a pandemia provocou uma queda de 980 milhões de euros de receitas nos hotéis portugueses durante o Verão • o investimento dos vistos gold caiu 52% em Outubro • um inquérito da CIP aos seus associados revela que 21% das empresas admitem ter de reduzir os seus quadros de pessoal devido à situação provocada pela pandemia • no mês de Setembro, o recurso ao crédito pessoal, a linhas a descoberto e aos cartões de crédito aumentou 16% relativamente ao mês anterior • no espaço de um ano, encerraram 187 agências bancárias e saíram 1.016 trabalhadores da banca • foram apresentadas na Assembleia da República 1.542 propostas de alteração ao Orçamento do Estado, um novo recorde • segundo a Marktest, 32% dos portugueses com menos de 35 anos têm o hábito de ver TV online, face aos 3,2% de indivíduos com mais de 64 anos que também o faz.
Dixit
Considero necessária a realização de um congresso extraordinário do PSD para definição, bem antes das eleições autárquicas e legislativas, da política de coligações e entendimentos (do partido)
Jorge Moreira da Silva
Histórias de sempre
No século XIX, os irmãos Grimm dedicaram-se ao registo de fábulas infantis e a recolha que efectuaram tornou-se fonte de algumas das histórias infantis mais apreciadas, e ainda hoje permanentemente contadas. Do trabalho que desenvolveram saiu a colectânea "Os Contos de Grimm", cuja primeira edição, em 1812, tinha dois volumes e incluía duas centenas de contos, incluindo clássicos como "O Rei Sapo", "Capuchinho Vermelho", "Rapunzel", "Cinderela", "A Bela Adormecida", "Hansel e Gretel" ou "Branca de Neve". Philip Pullman, um escritor britânico que ganhou fama com a trilogia "Mundos Paralelos", decidiu pegar nas recolhas dos Grimm, escolheu meia centena dos contos mais conhecidos e deu-lhes nova forma, chamando-lhes "Contos de Grimm Para Todas as Idades", agora editado pela Bertrand. A obra, considerada o "Livro de Ficção do Ano" pelo Sunday Times, inclui em cada conto os comentários de Pullman sobre as versões originais, fazendo o enquadramento na época da primeira edição e a forma como as histórias chegaram ao conhecimento dos irmãos Grimm.
Papel fotográfico
Luís Pavão, conhecido pelas suas fotografias de Lisboa (sobretudo dos anos 1980) e pelo seu trabalho na área da preservação da fotografia, expõe uma série de trabalhos inéditos feitos com a técnica de sensibilização directa do papel fotográfico, sem intermediação de uma câmara. O título da exposição veio do papel usado - Record Rapid (na imagem). No caso, foi uma antiga caixa de papel Agfa Record Rapid, um clássico entre os papéis fotográficos para impressão a preto e branco. Os fotogramas recuperam a técnica utilizada por William Fox Talbot nos seus "photogenic drawings" na primeira metade do século XIX. Aqui o que conta é a capacidade de trabalhar a luz e a sombra, por vezes colocando objectos sobre o papel no momento da sensibilização. Luís Pavão apresenta nesta "Record Rapid" a sua interpretação da fotografia enquanto possibilidade de desenho, substituindo o lápis pela luz e por objectos do quotidiano.
Luís Pavão exerce a sua atividade na área de fotografia, além de ter realizado livros e exposições em torno da fotografia documental, é especializado em conservação e digitalização de colecções de fotografia e, desde 1991, é conservador das colecções de fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa. A exposição abriu n’A Pequena Galeria (Avenida 24 de Julho 4C) e estará patente até 19 de Dezembro e, depois, de 13 de Janeiro a 13 de Fevereiro.
Continuando na fotografia, mas a Norte, destaque para a exposição que assinala os 50 anos de carreira de Alfredo Cunha e que estará patente até Maio do próximo ano no Centro Português de Fotografia, alojado no edifício da Cadeia da Relação (Largo Amor de Perdição, Porto). Alfredo Cunha é um dos mais importantes fotojornalistas portugueses e, ao longo do último meio século, trabalhou para jornais portugueses e estrangeiros e também para agências noticiosas.
Sinais dos tempos
Por causa da pandemia o negócio da venda de presuntos, salpicões e chouriças de Trás-os-Montes saltou das bancas das feiras para o online.
Música Albanesa
Apesar da voz grave e cheia, o canto é suave, envolvente. Elina Duni nasceu em Tirana, na Albânia, no início da década de 1880, e estudou música na Suíça, para onde foi residir nos anos 1990. Foi a partir do estudo do piano que descobriu o jazz - género que mais tarde se veio a tornar o seu principal foco de estudo, centrado no canto e composição, no Conservatório de Berna. Foi ainda enquanto estudava que criou o seu quinteto e que procurou uma fusão entre as suas raízes musicais - temas do folclore balcânico - e o jazz. Com o andar dos tempos, o quinteto transformou-se em quarteto, com Elina Duni na voz, Rob Luft na guitarra (um elemento marcante da formação), Fred Thomas no piano e bateria e Matthieu Michel nos instrumentos de sopro. A maior parte dos 12 temas deste novo disco, "Lost Ships", são de Elina Duni e de Rob Luft, que trabalham em conjunto desde 2017. Mais tarde, juntou-se Fred Thomas, cuja contribuição neste disco é muito sensível e, por fim, o "flugelhorn" de Matthieu contribui também para a sonoridade de todo o álbum. No disco coexistem temas de inspiração na música tradicional da Albânia, mas também versões de temas popularizados por Sinatra ("I’m A Fool To Want You") ou Aznavour ("Hier Encore"). Permito-me destacar a cumplicidade entre a guitarra e a voz num disco inesperado. Edição ECM, disponível no Spotify.
O regresso do clarete
Durante os últimos anos, à sombra do ressurgimento de bons brancos e do nascimento de bons rosés nacionais, o clarete infelizmente perdeu espaço e, quase, existência. Isto apesar de ser um vinho tradicional, nascido há séculos pelas mãos de monges cistercienses, que procuravam um equilíbrio entre uma pequena percentagem dos tintos e os brancos mais nobres, fazendo um vinho rico em aromas e com tons abertos. Mas as coisas estão a mudar e há pouco tempo tive ocasião de provar um clarete surpreendente, um Vineadouro Clarete 2019, feito pelo saber do enólogo Virgílio Loureiro, que em boa hora convenceu Teresa e Carlos Lacerda, os proprietários da Quinta da Vineadouro, a arriscarem produzir um clarete - por sinal, o primeiro clarete a obter a certificação DOC do Douro. Localizada no Douro Superior, freguesia de Numão, concelho de Vila Nova de Foz Côa, com o rio por perto, a Quinta da Vineadouro tem uma mistura de 22 castas tradicionais, bem preservadas, algumas cuja plantação data de há 100 e de há 50 anos, a uma altitude de 450 metros. É um vinho com mais sabor que cheiro, feito a partir das castas Rabigato, Bastardo, Rufete, Casculho, Marufo e Síria. Aromático, este é um vinho ideal para petiscar, por exemplo, ao lado de um queijo de meia cura e de bom presunto da região.
Tive também ocasião de experimentar, dos mesmos produtores, um branco com a casta histórica do Douro, o Rabigato. É um monocasta, com o sabor intenso daquelas uvas, corpo médio, aromático, fresco. Muito bom, com personalidade vincada. Outro branco notável é o Vineadouro Vinhas Antigas, uma vinha plantada em socalcos há mais de um século, entre outras castas, Malvasia Fina, Trincadeira Branca, Gouveio e Carrega Branco. Aromático, sabor intenso, acidez marcante, fantástico para preparar o palato a acompanhar frutos secos torrados. Por último, há um tinto, o Vineadouro Reserva de 2017, com Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz, corpo e sabor marcantes com madeira de carvalho perceptível, mas não dominante. A produção da Quinta ronda as 3.000 garrafas e, em Lisboa, pode encontrar os seus vinhos na Garrafeira Néctar das Avenidas, na Avenida Luís Bivar - ou então ir ao site vineadouro.com e fazer a encomenda aos produtores.