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07 de Junho de 2019 às 10:46

Interesses em vez de ideais

O caso de Joaquim Couto, o autarca de Santo Tirso que meteu cunhas a outros quatro autarcas recomendando os serviços de consultoria de comunicação de empresas da mulher, é apenas o mais recente de uma longa lista dos pecadilhos abundantes na paisagem política e partidária portuguesa

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"O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo"
Agustina Bessa-Luís

Interesses em vez de ideais
O caso de Joaquim Couto, o autarca de Santo Tirso que meteu cunhas a outros quatro autarcas recomendando os serviços de consultoria de comunicação de empresas da mulher, é apenas o mais recente de uma longa lista dos pecadilhos abundantes na paisagem política e partidária portuguesa - em todas as áreas ideológicas, como se tem visto. Uma sondagem recente mostra que mais de metade dos portugueses não tem confiança nos líderes políticos e nos deputados e que quase metade dos inquiridos está pouco satisfeita com a democracia. Querem cenário mais preocupante do que este? A culpa não é dos eleitores, mas de um sistema calculista que deliberadamente procura menosprezar a participação, manter o "statu quo" e dificultar o aparecimento de novas alternativas. Houve um tempo em que na política entravam homens com ideais e causas; hoje, na maior parte dos casos, está na política gentinha que se move apenas por interesses e vantagens pessoais. O resultado está à vista: todos procuram uma causa para a crise e ela não é segredo nenhum: a corrupção, o abuso de poder, o compadrio. Há quem diga que esta conversa fomenta o populismo, mas a minha sincera opinião é que a causa do populismo está no sistema que permite tudo isto e não se corrige. O problema está nisto: varrer os interesseiros da política significa destruir grande parte dos aparelhos dos principais partidos. E ninguém quer ir por esse caminho, muito menos em ano de eleições.

Semanada
• Poucas semanas depois de o Governo ter anunciado que queria melhorar o serviço de comboios, a Infraestruturas de Portugal decidiu extinguir as equipas especializadas em segurança e manutenção ferroviária • à semelhança de outros serviços de transporte público, depois do anúncio da descida dos preços dos passes sociais, o Metro de Lisboa mandou retirar bancos para caberem mais passageiros, em piores condições de conforto e segurança • a empresa acusada de roubar mantimentos para as messes da Força Aérea e de pagar luvas a militares foi convidada e contratada de novo para fornecer bebidas e aperitivos naquele ramo das Forças Armadas • o concelho de Montalegre tem uma área superior à ilha da Madeira, mas é habitado apenas por nove mil pessoas • 21,3% da população portuguesa tem mais de 65 anos, valor apenas superado na Europa pela Itália • Celorico da Beira é o último município do Rating Municipal Português divulgado pela Ordem dos Economistas e todos os 20 piores municípios do ranking divulgado são de pequena dimensão e estão no interior • em ano e meio, foram apreendidos 2.990 telemóveis nas cadeias portuguesas • um quinto das salas dos hospitais e centros de saúde não têm ar condicionado.

Dixit
"Com 16% em Lisboa e 22% no Porto, o PSD é agora um partido rural, que vai bem a Rui Rio, um homenzinho autoritário e colérico, que chegou ontem de 1970 e não se distingue pela inteligência política."
Vasco Pulido Valente

A visão do fotógrafo
A certa altura, em 1951, Fernando Lemos estava em Paris com José-Augusto França (um amigo com quem se correspondeu toda a vida) e queria expor fotografia na capital francesa. Essa exposição nunca se concretizou, mas Lemos e França conviveram na altura com Vieira da Silva e Árpád Szenes, em casa de quem conheceram Man Ray, que expunha na cidade por essa altura e cujo trabalho influenciou Lemos. Esta história vem na introdução que Filomena Serra escreveu ao quarto volume da série Ph., uma colecção criada na Imprensa Nacional para publicar o trabalho de fotógrafos portugueses contemporâneos, dirigida por Cláudio Garrudo. A primeira fotografia deste livro é exactamente do jovem José-Augusto França, fotografado na Galeria das Quimeras, na Notre-Dame. Filomena Serra destaca que "uma das propriedades que Lemos atribui à fotografia é a fusão: fusão de luz e sombra, fusão de formas, de linhas e contornos, que deambulam e desmaterializam os corpos, podendo até surgir o informe". A primeira fotografia de Fernando Lemos foi feita em 1949, a partir da janela do seu quarto, na Rua do Sol ao Rato, com uma máquina rudimentar e está reproduzida nesse livro. Como Filomena Serra sublinha, Fernando Lemos descobre com a fotografia que "afinal numa fracção de segundo tudo muda". E começa a fotografar amigos, as pessoas com quem se dava, uma geração de pintores, poetas, escritores, artistas. Neste livro, que inclui numerosas imagens inéditas, estão retratos que Fernando Lemos fez de nomes como Agostinho da Silva, José Viana, Árpád e Vieira da Silva, Mário Cesariny, José Cardoso Pires, António Pedro, Fernando Azevedo e Vespeira, Mécia e Jorge de Sena, Alexandre O'Neill, José Blanc de Portugal ou Sophia de Mello Breyner, todos fotografados entre 1949 e 1952, a época em que mais trabalhou o meio, num testemunho de cumplicidades e na descoberta de técnicas de exploração de luz ou de sobreposição de imagens.

Roteiro
O Fotobox é o único programa sobre fotografia que existe na televisão portuguesa - passa aos Domingos à tarde na RTP3. Neste próximo Domingo, Luiz Carvalho revista a reportagem que fez em 1992 sobre o último dia de trabalho da fábrica vidreira Stephens na Marinha Grande, voltando a falar, agora, com operários que fotografou nesse dia. Na edição da semana passada, o Fotobox chamou a atenção para a exposição "Fotografia Impressa e Propaganda Visual em Portugal (1934-1974)", que está até 30 de Agosto na Galeria do Auditório da Biblioteca Nacional (Campo Grande, Lisboa), e revisita a História do Estado Novo português através da fotografia impressa e da propaganda visual, comissariada por Filomena Serra e Paula André. A terminar, deixo a sugestão de um disco, "O Amor Encontra-te No Fim", a estreia a solo de Fred Pinto Ferreira, depois de trabalhar em projetos como os Buraka Som Sistema, os Orelha Negra ou a Banda do Mar. Ouçam no Spotify que vale a pena. Petisco-guloseima: um gelado artesanal italiano da Luc Duc, ao cimo da Rua de Campolide, esquina com a Marquês da Fronteira.

As muitas dimensões de Fernando Lemos
Esta é a semana do regresso de Fernando Lemos a Portugal e uma oportunidade única para quem não o conhece descobrir a sua obra multifacetada e pouco conhecida pelos mais novos. Lemos, nascido em 1926, estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio e, ao longo da sua vida, dedicou-se à pintura, à fotografia e ao design gráfico e industrial, só para citar as áreas em que a sua presença é mais marcante. Em 1953, desiludido e em ruptura com o clima político que se vivia em Portugal, foi para o Brasil, onde reside desde então. Para além do livro de fotografia acima referido, editado pela Imprensa Nacional, a partir desta semana pode ser descoberta a sua obra multifacetada e que permanece actual. Comecemos pela exposição dos seus trabalhos em azulejo, que está na Galeria Ratton (Rua da Academia das Ciências 2 C) até 6 de Setembro, e onde esta fotografia de Fernando Lemos, tendo por fundo um dos seus painéis, foi feita. A exposição da Ratton chama-se "Máscaras do Tempo" e inclui um conjunto de padrões de azulejo mostrados em painéis e um conjunto de 11 desenhos reproduzidos em chapa de alumínio. Na Galeria 111 (Campo Grande 113) está, até 14 de Setembro, a exposição "Mais a Mais ou Menos", que mostra a diversidade dos suportes que utilizou e inclui fotografias, desenhos a carvão, desenhos em técnica mista sobre papel, cartões postais, aguarelas e acrílico sobre cartão e papel - uma introdução indispensável à obra de Fernando Lemos. Finalmente, por iniciativa do MUDE, no Torreão Poente da Cordoaria Nacional e até 6 de Outubro, está "Fernando Lemos Designer", que é a primeira exposição especialmente dedicada a Fernando Lemos enquanto designer e artista gráfico. Das suas mãos nasceram logótipos, livros (e uma editora de literatura infantil - editora Giroflé), muitas ilustrações, cartazes, azulejos, murais, tapeçarias, estampas para tecidos, pavilhões expositivos. Esta exposição, que está a ser preparada pela equipa do MUDE desde 2017, reúne 230 obras, a maior parte delas desconhecidas em Portugal, está documentada num bom catálogo editado pelo MUDE e a Imprensa Nacional, e tem ainda a particularidade de permitir perceber o processo criativo do autor e de mostrar, pela primeira vez, trabalhos inéditos que nunca saíram do papel.

Reviver
Em 2014, a editora Guerra & Paz lançou "O Livro de Agustina", uma autobiografia da escritora, com 120 páginas e dezenas de fotografias dos álbuns de família e de recordações avulsas. Podem encontrá-lo na Feira do Livro e nas livrarias. Neste livro, revivemos a vida de Agustina Bessa-Luís, contada por ela com enorme humor, escrita na primeira pessoa, e que começa, assim, evocando os avós, para explicar as suas próprias origens: "O avô Teixeira, com todo o ar dostoiewskiano, casou em Março de 1987 com Justina, filha de José Bento de Bessa, do Lugar do Barral. Ele tinha 41 anos quando casou e ela 28, idade que, para uma noiva, era já um pouco avançada, nesse tempo. Explica-se assim porque Justina ficara enamorada desde os sete anos por José, com 20 anos, quando ele a ajudou a passar um ribeiro em dia de invernia e lhe disse que casaria com ela, um dia." E, já quase no final do livro, Agustina conclui: "Esta é a minha história que a memória abreviou, quando não é que a modéstia a repreende. Somos sempre muito faladores com o insignificante e muito calados com o que nos assusta. Assusta-nos o íntimo das nossas vidas, por passarmos todas as portas sem pensar que elas se fecham para sempre atrás de nós. Não podemos voltar para compor o inacabado ou as palavras soltas a que faltou a experiência." São poucos os escritores que conseguem contar assim a sua própria vida.

Muro
No funeral de Agustina foi notória a ausência dos habituais nomes da intelectualidade que se afirma de esquerda, aqueles que não perdem uma oportunidade para prestar vassalagem nas campanhas eleitorais e para coçarem as costas uns aos outros, mas que são incapazes de atravessar o muro da ideologia para reconhecer o génio - que na verdade sempre os incomodou. Como podia aquela mulher escrever tão bem, não sendo da esquerda deles?

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