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Manuel Falcão - Jornalista 08 de Janeiro de 2021 às 12:15

A imagem do desgoverno

Quando se está numa situação de limitação de direitos, como a que a pandemia está a provocar, é preciso ter redobrado cuidado com a prepotência e o abuso de poder.

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Back to basics
"Qualquer idiota é capaz de criar algo complexo. Para fazer coisas simples, é preciso génio."
Pete Seeger

A imagem do desgoverno
Quando se está numa situação de limitação de direitos, como a que a pandemia está a provocar, é preciso ter redobrado cuidado com a prepotência e o abuso de poder. O primeiro-ministro tem a obrigação de ter isto em conta e o Presidente da República tem o dever de vigiar e exigir a resolução de situações que radicam em incompetência, favorecimento, corruptelas de poder. Em pouco tempo, nas últimas semanas, o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Justiça mostraram falta de respeito pelos portugueses. Ultrapassaram limites. Os seus responsáveis não deveriam poder continuar nos postos, escudados em demissões de subalternos e na desculpa de não mexer no Governo durante a presidência da União Europeia. António Costa foi ministro da Justiça em 1999, no XIV Governo Constitucional, chefiado por António Guterres. Demitiu-se de ministro, na sequência da crítica feita ao seu ministério em relação ao inquérito sobre o caso de Camarate, onde Sá Carneiro morreu. O autor da crítica foi Ricardo Sá Fernandes, que integrava o mesmo Governo como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que conhecia bem o processo e que criticou as conclusões do Ministério da Justiça. Por isso mesmo, António Costa está especialmente bem colocado para saber quando um membro do Governo se deve afastar. Num tempo em que todos sentimos limitações de que não gostamos e que não queremos que se tornem rotina, o ministro da Administração Interna fechou os olhos a violações intoleráveis dos direitos humanos e a ministra da Justiça foi portadora de uma mentira para proteger um favorecimento. É isto que queremos preservar para os outros países da União Europeia? É esta a ética republicana que enche a boca dos responsáveis?

Semanada

n A linha pública de apoio ao Brexit só chegou a sete empresas portuguesas e os apoios públicos disponíveis de 50 milhões de euros quase não foram usados n uma sondagem recente indica que dois terços dos portugueses pensam que Eduardo Cabrita não tem condições de se manter no cargo de ministro da Administração Interna depois dos factos relacionados com a morte de Ihor Homeniuk às mãos do SEF n só três dos 20 projectos do plano Ferrovia 2020 ficaram prontos a tempo e 20% dos 2,1 mil milhões previstos não foram sequer utilizados n o défice de 2020 é o maior dos últimos 17 anos n 40 mil empresas em crise devido à pandemia já pediram apoios a fundo perdido n de janeiro até final de novembro, as famílias gastaram mais 692 milhões de euros nos supermercados, em resultado da transferência do consumo de fora de casa para o lar durante os períodos de confinamento n cinco funcionários da Segurança Social vão ser julgados num processo de corrupção relacionado com a atribuição a troco de dinheiro do número de Segurança Social a cidadãos estrangeiros n no ano europeu da ferrovia, Lisboa não tem comboios internacionais n soube-se esta semana que há cinco anos uma investigadora recebeu queixas de agressões contra um detido no centro de instalação temporária do SEF no Porto e fez a denúncia à direcção daquela polícia, que considerou a informação caluniosa; uma sondagem promovida pela SEDES concluiu que 65,2% dos portugueses gostariam de eleger os seus representantes de forma mais directa n em 2020, os depósitos bancários das famílias alcançaram o maior valor de sempre n o Instituto de Emprego e Formação Profissional exige licenciatura a formadores nas áreas de cabeleireiro, esteticista, cozinheiro ou costura n "Saudade" foi nomeada a palavra do ano, num inquérito promovido pela Porto Editora.

Dixit
"Corremos o risco de o Governo Costa ficar na História pela supina banalização da irresponsabilidade política."
Paulo Rangel

Imagens destes tempos
Cartazes abandonados, marcas de incêndio, territórios devastados, interiores abandonados, vestígios de presenças passadas, obras inacabadas, explorações interrompidas. Ao longo das páginas espalham-se fragmentos de memórias, imagens incompletas, retratos da natureza desleixada, de templos arruinados, de estruturas destruídas. Esta é a síntese das imagens deixadas nas fotografias de Pedro S. Lobo, agora reunidas no livro "Not Yet", com edição em Portugal e no Brasil. Pedro S. Lobo, natural do Rio de Janeiro e que vive em Borba desde 2007, fotografou os grandes incêndios de 2017 e 2018 no centro do país e mais tarde seguiu os efeitos e as marcas que deixaram. Este livro evoca esse tempo e essas marcas, e acaba por ser o álbum de um ano devastador e interrompido como 2020 foi. No texto no final do livro, editado em Portugal pela Sistema Solar/Documenta, o autor esclarece que o seu objectivo é evocar as histórias que aconteceram antes do abandono. Christian Carvalho Cruz refere no mesmo texto que as imagens de Pedro S. Lobo são marcadas pela vida do autor, "vivida com o desespero e a violência de um pássaro que se esfola nas grades da gaiola". Alexandre Pomar, graças a quem descobri este livro, escreveu no Facebook que "é inevitável associarmos a gravidade do percurso através das páginas ao peso opressivo deste ano ameaçador, mas as fotografias do Pedro S. Lobo não ilustram a epidemia, as suas séries já lhe pertenciam, são algumas das suas linhas de trabalho, entre outras, umas mais conceptuais (com escritas), mais despertas para a surpresa e o humor (o insólito), mais gráficas ou construídas (malhas, estruturas), mais documentais (...), sempre a atenção ao património habitado, mesmo que património instável e desvalorizado."

A força da escultura
Começo o ano por mostrar uma peça que só pode ser vista em Stampa, na Suíça, nos jardins do edifício da fundação criada para preservar a obra do escultor Alberto Giacometti. A peça, em ferro, de grandes dimensões, foi criada pelo artista português Rui Chafes, a convite daquela fundação. Intitulada "Occhi Che Non Dormono" ("Sleepless Eyes" ou "Olhos que Não Dormem"), a peça foi instalada em finais de Novembro em frente à casa onde o artista suíço viveu, numa plataforma de madeira sobre o rio Maira. A obra já está colocada, mas só será formalmente inaugurada no dia 4 de Abril. Em 2018, na delegação francesa da Fundação Gulbenkian, e por iniciativa de Helena Freitas, foi mostrada a exposição "Gris, Vide, Gris", que juntava obras de Giacometti e de Chafes. Essa mostra reunia sete esculturas de Rui Chafes, seis concebidas para o projeto, e 11 esculturas e quatro desenhos de Giacometti, entre os quais "Le Nez".

Vem dessa altura a ideia de assinalar a ligação entre a obra de Chafes e de Giacometti, na casa onde este viveu. "O olhar aspira ao infinito para além do rio Maira e das encostas da montanha e os olhos percebem, vêem e redesenham a relação com a paisagem e o invisível", afirma Virginia Marano, curadora da instalação. Outros destaques, já que estamos a falar de escultura: em Serralves, até Junho, está a exposição "Deslaçar Um Tormento", que exibe trabalhos de Louise Bourgeois. E em Lisboa, no Museu Berardo, Cristina Ataíde mostra a diversidade do seu trabalho, em "Dar Corpo Ao Vazio".

Arco da velha
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, aceitou que os boletins de voto para as eleições presidenciais incluam o nome de um candidato que não foi admitido pelo Tribunal Constitucional.

O poder das baladas
Matt Berninger ganhou fama como fundador e vocalista de uma das bandas mais importantes dos últimos anos, The National. Há poucos meses, lançou o seu primeiro disco a solo, "Serpentine Prison", uma colecção de dez canções exemplares, escritas por si com diversos músicos seus amigos. A produção é de Booker T. Jones, um dos nomes clássicos da música americana, que já trabalhou com nomes tão diversos como Neil Young, Bill Withers ou Willie Nelson. A interpretação de Berninger é despojada a um ponto pouco usual, deixando à vista a realidade de cada canção e a qualidade musical do trabalho feito, muito dirigido pelo produtor, que optou por arranjos simples, deixando terreno abundante para Berninger ocupar com a sua voz. Essencialmente acústico, muitos temas têm uma simplicidade arrebatadora (por exemplo "Oh Dearie"), uma narrativa comovente, como "Take Me Out Of Town" e "One More Second", ou revelam uma balada envolvente, como "Silver Springs", em que é acompanhado por Gail Ann Dorsey, que trabalhou com David Bowie nalguns dos seus últimos trabalhos. Berninger não tenta replicar a sonoridade da sua banda The National, escolhe um ritmo mais lento, um som muitas vezes intimista e uma simplicidade que alcança um dos seus momentos mais emotivos em "All For Nothing", onde a sua voz e o piano se tornam marcantes. É claramente um dos melhores discos do ano passado - e deixo aqui o meu obrigado a Manuel Soares de Oliveira, o publicitário por trás da Mosca, por mo dar a descobrir. Disponível em streaming.

Comida invernal
Nos dias frios, há que saber escolher refeições quentes, mais demoradas, aquilo a que se chama cozinha de conforto, que nos satisfaz e aquece a alma. Um dos pratos que melhor se encaixa nesta categoria é o clássico "salsichas frescas enroladas em couve-lombarda". Não é fácil de encontrar nos restaurantes lisboetas e é menos simples de fazer do que aquilo que se pensa. Em primeiro lugar, as salsichas têm de ser mesmo muito frescas e da melhor qualidade - o que de si já não é a coisa mais simples do mundo. Depois, a couve-lombarda tem de ser macia. É necessário tempo ao lume, cuidado com o tempero e o molho. Eu julgava que a receita era essencialmente portuguesa, mas descobri por estes dias que faz parte das receitas da semana do Cooking, do New York Times. Há muitas receitas na internet, mas se quiserem experimentar a sério podem tentar se no Apuradinho está disponível por estes dias - Rua de Campolide 209, tel.: 213 880 501.

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