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06 de Julho de 2018 às 10:18

A esquina do Rio

Uma das mais importantes exposições de fotografia deste ano abriu agora em Lisboa, no Museu Berardo, e estará patente até 7 de Outubro

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Back to basics
A música é o vinho que enche o copo do silêncio.
Robert Fripp

O arame
Resumo da semana política: em vésperas da feitura do Orçamento do Estado para o próximo ano, o Bloco procura espaço, o PC dá vitaminas aos sindicatos e às suas greves, Costa sacode água do capote das negas que vai dando, Rio faz exercícios de aquecimento e Marcelo lança foguetes de sinalização. A geringonça está com falta de óleo nas engrenagens e Costa insinua a possibilidade de crise, deixa cair que pode ir a eleições tentar a maioria absoluta se a coligação de esquerda romper ou, se necessário for, procurar encosto em Rui Rio. O país anda preso por arames - o endividamento aumenta, o crédito ao consumo voltou a disparar, a corrupção em organismos públicos grassa, a judiciária investiga partidos, o ministro da Educação escolheu a época de exames para andar em parte incerta e deixar a liderança do ensino a Mário Nogueira, o aeroporto de Lisboa (que é o motor da galinha de ovos de oiro do Turismo) está num caos, houve mais greves nos últimos dois meses do que no ano anterior inteiro. A única coisa que funciona verdadeiramente bem é a propaganda do Governo. O exercício de poder está a assemelhar-se ao desbobinar de um rol de promessas. Como ouvi numa conversa esta semana, deixem-nos lá entreterem-se uns com os outros.

Semanada
 Seis organismos públicos foram alvo de investigações sobre corrupção no espaço de um mês  o valor em crédito ao consumo concedido pelos bancos aumentou 6,9% em Maio, face a igual mês do ano passado  a dívida do Estado português subiu 300 milhões em Maio, atingindo um novo recorde de 250.313 milhões  o número de reclamações dos passageiros do transporte aéreo aumentou 35% em 2017  o organismo que fiscaliza os subsídios atribuídos pelo Estado considera que os organismos públicos dão apoios sem rigor nem objectividade  o número de acidentes com automóveis sem seguro cresceu 14% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o período homólogo do ano passado; em 2017, foram concedidas 46.827 licenças de uso e porte de armas de caça, cerca de mais 11 mil que no ano anterior  a primeira análise às contas da gestão de Bruno de Carvalho no Sporting detectou dívidas a fornecedores de, pelo menos, 40 milhões de euros • soube-se esta semana que a mais valiosa colecção de fotografia portuguesa, do ex-BES, agora à guarda do Novo Banco, está em más condições de armazenamento e a deteriorar-se. 

Dixit
"O mito acabou."
Domingos Jerónimo

"De repente, toda a gente acha que é possível fazer tudo já e ao mesmo tempo."
António Costa

Folhear
Um dos mais interessantes estudos sobre a história da fotografia em Portugal foi recentemente publicado em livro. Chama-se "Infâmia e Fama" e aborda "o mistério dos primeiros retratos judiciários em Portugal", mais precisamente no período entre 1869 e 1895. Leonor Sá, a sua autora, desenvolveu este trabalho no âmbito da sua tese de doutoramento, a partir de dois álbuns fotográficos, hoje pertencentes à colecção do advogado Francisco Teixeira da Mota, que os adquiriu em leilão, e que foram produzidos na Polícia Civil de Lisboa pouco depois da sua criação, em 1867. Filipa Lowndes Vicente, que é a curadora do Museu da Polícia Judiciária, escreveu no prefácio que "os tempos da fotografia judiciária são os tempos mínimos de colocar o detido, ou a detida, quieto, perante a lente. O momento imediato substitui a encenação e a verdade acaba por substituir o artifício." E faz notar que enquanto o retrato encomendado a um estúdio fica na posse do fotografado ou da família, o retrato judiciário não fica com a pessoa que está representada e é mesmo provável que essa pessoa nunca o veja. "Nos anti-retratos - como lhes chama -, os retratados não têm, à partida, direito a olhar para a sua imagem", sublinha. Pelo seu lado, Leonor Sá mostra e contextualiza os dois álbuns portugueses que são o centro do seu trabalho no que foi o desenvolvimento do retrato judiciário na Europa do século XIX, mas também a utilização da fotografia como instrumento da antropologia. Além da investigação sobre os dois álbuns, mostra a evolução da iconografia de ilustrações sobre criminosos, desde as medievais até aos cartazes de "Wanted" do far west norte-americano, ou até às criações artísticas sobre o tema feitas, contemporaneamente, por exemplo, por Andy Warhol ou Ai Weiwei. Este é um livro fascinante para os apaixonados pela história da fotografia e pelas evolução das utilizações que ela teve em nome da lei.

Ver
Uma das mais importantes exposições de fotografia deste ano abriu agora em Lisboa, no Museu Berardo, e estará patente até 7 de Outubro. Trata-se de "Between the Devil and the Deep Blue Sea", uma exposição do fotógrafo sul-africano Pieter Hugo, que se destacou pela forma como acompanhou e documentou o fim do apartheid na sociedade sul-africana. Pieter Hugo é conhecido pela forma como desenvolveu a sua técnica de retrato, num contexto de referências das comunidades do seu país e da estética da arte africana. Considerado um dos grandes documentaristas da sociedade sul-africana contemporânea, começou pelo fotojornalismo, foca-se tradicionalmente em grupos marginais e, nesta exposição, vemos vários exemplos desses seus ensaios fotográficos. O nome da exposição é inspirado numa canção de George Harrison e, no fundo, esta é uma retrospectiva de várias fases do seu trabalho, organizada em 2017 para o Kunstmuseum Wolfsburg, na Alemanha, com curadoria de Uta Ruhkamp. Outros destaques: no British Bar, a derradeira edição da série de 15 exposições que Pedro Cabrita Reis criou para serem exibidas nas montras do estabelecimento, e que apresentou mais de quatro dezenas de artistas ao longo dos últimos 15 meses. Desta vez, os convidados foram Luísa Cunha, Rui Toscano, João Paulo Feliciano, Ricardo Bak Gordon e Tomaz Hipólito. Se passarem pelo Museu do Caramulo, além das exposições de carros (actualmente uma com a história da Porsche), poderão ver "Black Box - Passeios", uma mostra de trabalhos de Francisco Tropa, Jorge Molder, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Manuel Botelho, Teresa Segurado Pavão, Luísa Cunha e Gonçalo Barreiros, com curadoria de Rui Sanches. 

Gosto
Portugal é vice-campeão europeu de satélites do tamanho de latas de refrigerantes.

Não gosto
O Fisco enviou multas relacionadas com a caixa postal electrónica de forma claramente abusiva, mostrando mais uma vez a sua falta de respeito pelos direitos dos contribuintes. 

Ouvir
"Both Directions at Once: The Lost Album" é uma recolha de gravações, na quase totalidade inéditas, feitas pelo quarteto de John Coltrane no histórico estúdio de Rudy Van Gelder, a 6 de Março de 1963. Do quarteto faziam parte Coltrane no sax tenor e sax soprano, McCoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no baixo e Elvin Jones na bateria. Gravado um ano antes do referencial "A Love Supreme", estas gravações, que totalizam 90 minutos, mostram a vitalidade deste quarteto sensivelmente a meio da sua existência. O próprio estúdio ajudou à sonoridade: um pé-direito de quase 13 metros, com tecto de madeira abobadado, inspirou os músicos e as gravações ali realizadas eram de facto diferentes. Como é que as bobines destas gravações ficaram tanto tempo ignoradas? A Impulse, a editora com a qual Coltrane tinha contrato, teria perdido as masters numa mudança de instalações e só recentemente os originais em mono foram encontrados em casa da primeira mulher de Coltrane, Juanita Naima Coltrane. Aparentemente, esta sessão de gravação destinava-se a cumprir o compromisso de gravação de um álbum para a Impulse. Provavelmente, teria sido preciso regressar a estúdio para finalizar esse álbum, mas o que se passou nesse ano de 1963 com estes registos tinha ficado até agora desconhecido. O resultado está aqui, e é aliciante: 14 faixas, vários takes de cada tema, alguns originais sem título. 90 minutos do quarteto de Coltrane, ouvidos 55 anos depois de terem sido gravados: tudo parece agora tão simples e acessível, tudo tão natural - mas percebe-se como era um passo nas direcções que Coltrane tomou depois, até morrer em 1967. Se quiserem, este é um registo de uma época de transição e de autodescoberta. E é um documento maravilhoso de um dos maiores músicos de jazz. CD Impulse, no Spotify. 

Arco da velha
Há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos. 

Provar
A fruta é uma coisa muito incerta. No ano passado, tivemos boa cereja e figos abaixo do mediano. Este ano temos cerejas abaixo do mediano, mas os figos estão supremos. As chuvas inesperadas deram cabo das cerejas, mas o tempo, no geral, parece ter ajudado os figos. Sou um apaixonado por figos - desde estes que agora aí andam, escuros, grandes, carnudos, até aos mais pequenos, verdes, tenros, que hão-de aparecer se o Verão se dignar a surgir. Mas, para já, estes figos estiveiros, os figos de Junho ou de S. João, são magníficos. Poucos frutos são tão versáteis como os figos: gosto de os misturar numa salada, ou como entrada, divididos em quartos acompanhados por presunto cortado bem fino. E gosto deles como sobremesa, e gosto deles como lanche. Eu, de figos, gosto de todos, evocação das memórias de estar na sombra debaixo das grandes figueiras a colhê-los maduros para logo ali os provar. Quando chegar a Agosto, espero que os pingo-de-mel façam jus ao nome. Fruta, para mim, é fruta da época. Já que hoje em dia é difícil comer pêssegos em condições, atiremo-nos aos figos que ainda sabem a boas memórias. E ainda nem falei das passas de figo...  


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