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01 de Junho de 2018 às 10:26

A esquina do Rio

Um espectro assolou o Congresso do PS - José Sócrates. Todas as intervenções sobre a necessidade de mudar o funcionamento do partido e, sobretudo, sobre o combate à corrupção ou sobre a reforma do sistema político, tinham-no como pano de fundo.

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Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? A lente não devassa a escuridão, apenas a revela ainda mais.
Clarice Lispector

O poder
Um espectro assolou o Congresso do PS - José Sócrates. Todas as intervenções sobre a necessidade de mudar o funcionamento do partido e, sobretudo, sobre o combate à corrupção ou sobre a reforma do sistema político, tinham-no como pano de fundo. Sem ter estado presente, José Sócrates esteve na primeira linha da preocupação dos socialistas. Houve dois temas centrais do Congresso: como ganhar as próximas legislativas e a sucessão de António Costa. Os problemas do país, a perda de competitividade, a degradação do PIB em termos comparativos europeus, a situação na saúde e na justiça, tudo isso passou ao lado. O que interessou aos congressistas é como conquistar mais uns lugares nas eleições e quem pode suceder a Costa quando este daqui a uns anos sair. O Bartoon, de Luís Afonso, resumiu a situação: "Segundo um congressista do PS, quando Sócrates era primeiro-ministro, no partido, eram todos socráticos. Hoje, são todos costistas" - e do outro lado, detrás do balcão, sai a réplica: "O PS é um partido de tendência, tendem sempre a apoiar o líder no poder." Costa passeou triunfalmente entre os seus, entre os apoiantes do Parlamento e entre os candidatos a apoiantes. A sua batalha é conquistar nova maioria, de preferência sem necessidade de alianças. Mas, no PS, o que já está na ordem do dia é quem lhe pode suceder. Isto diz tudo sobre os partidos do arco do poder - já no PSD, no recente congresso, foi a mesma coisa. A estratégia para o país interessa pouco. O que conta é a estratégia para o poder.

Dixit
"Com o seu currículo recente, é difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas de corrupção e de barrar os caminhos que a ela conduzem."
António Barreto

Semanada
 Entre Janeiro e Março, em 6.700 casos de emergência, o INEM não conseguiu enviar um médico para assistir pessoas em estado muito grave  apesar de existirem médicos especialistas em falta no Serviço Nacional de Saúde, os processos de reconhecimento de habilitações de médicos com diplomas de fora da União Europeia estão parados há meses  Portugal caiu para o 21.º lugar na União Europeia quanto ao PIB per capita  segundo Bruxelas, países como a Lituânia, a Eslováquia e a Estónia poderão ultrapassar Portugal em 2018, que ficará mesmo em pior situação do que estava em 1999  no índice de PIB per capita em paridades de poder de compra, Portugal já foi ultrapassado por metade dos países do alargamento da UE  o preço da viagem de comboio em Alfa Pendular, entre o Porto e Lisboa, em classe turística, praticamente duplicou entre 1999 e o ano passado  António Costa admitiu não ser possível limpar este ano todos os terrenos florestais  um inspector da Judiciária revelou em tribunal, perante o espanto do juiz, que a ligação de Manuel Vicente ao caso Fizz tinha sido feita com base numa pesquisa do Google sem provas adicionais  o movimento nos portos portugueses decresceu 11% no primeiro trimestre deste ano  53% do preço do gasóleo destina-se a impostos  o número de lojas das marcas de grande distribuição duplicou em oito anos, entre 2009 e 2017.

Folhear
Volta e meia, sabe bem voltar a folhear uma Monocle. Onze anos depois de ter sido criada, já raramente surpreende, mas consegue acompanhar o ar do tempo sem ser demasiado previsível e os temas de capa trazem quase sempre reflexões interessantes. A vida nas cidades é, desde o início, uma preocupação do seu fundador, Tyler Brûlé, e esta edição de Junho dedica bastante espaço a formas de transporte com incidência nas vidas de quem vive nas grandes urbes. Que exemplos podem ser estudados - e eventualmente seguidos - por esse mundo fora no que toca a transportes públicos, sustentabilidade ou coexistência entre o transporte privado e o colectivo? Esta edição dedica-se a assuntos como o aeroporto ideal, a campanha eleitoral em São Francisco (que promete ser quente) ou a forma como o Brexit está a ser acompanhado em termos informativos fora do Reino Unido. Referências a Portugal, há uma - Paraíso Escondido, um turismo rural perto da costa vicentina. Mas, numa edição recente do jornal The Spring Weekly, editado também pela Monocle, havia dois interessantes destaques - um sobre o trabalho do Instituto Diplomático do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros e outro sobre os vinhos da Quinta do Vallado.

Ver
Muitas pessoas descobriram Michael Biberstein quando viram o céu que ele imaginou, pouco tempo antes de morrer, para o tecto da Igreja de Santa Isabel, em Lisboa, e que foi mostrado há cerca de dois anos. É uma obra impressionante, de fé e esperança, que na altura impressionou muita gente e que continua permanentemente a chamar a atenção de quem visita o local. Mas a maioria daqueles que o descobriram no tecto desta igreja desconhecem a obra do autor. Quem tiver curiosidade, tem uma oportunidade única de ver essa obra agora, numa grande retrospectiva, na Culturgest, no edifício-sede da CGD ao Campo Pequeno. Escapa ao meu entendimento como é que a instituição, que montou esta retrospectiva e nela investiu, não a associou publicamente à obra em Santa Isabel, procurando atrair quem se emocionou com a força do fresco que lá está. Aliás, depois de ver a retrospectiva, percebe-se melhor o percurso de Biberstein e como ele chegou ao céu que deixou na igreja. A coisa é particularmente penosa quando, como constatei sábado passado, a exposição estava quase deserta, sem público. O tema devia preocupar as instituições, mas vejo-as, ano após ano, a queixarem-se da falta de público sem nada fazerem para o conquistarem. "Michael Biberstein: X, uma retrospectiva" (na imagem) estará na Culturgest até 9 de Setembro - não percam a oportunidade de conhecer a obra deste artista suíço-americano que viveu mais de 30 anos em Portugal. Outra sugestão: a 14.ª edição - e penúltima - das temporárias nas montras do British Bar apresenta trabalhos de Pedro Cabral Santo, de Tânia Simões e de Cristina Ataíde.

Gosto
Do resultado da votação sobre a eutanásia na Assembleia da República. 

Não gosto
Da forma como, na maioria dos casos, decorreu o debate sobre a eutanásia.  

Ouvir
Otis Redding gravou "(Sittin' On) The Dock Of The Bay" em Dezembro de 1967, aos 26 anos. Poucos dias depois morreu num desastre de avião. Foi preciso quase um ano para que a canção se tornasse um êxito mundial e que "Dock Of The Bay" fosse o primeiro disco póstumo a alcançar o lugar cimeiro no top britânico. Tudo isto se passou há cinco décadas. Rezam as crónicas que Otis Redding tinha ficado impressionado com o álbum "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" dos Beatles e que tinha decidido criar uma sonoridade semelhante. A canção que se tornou num êxito foi composta em parceria com Steve Cropper, mas o resultado não agradou à editora Stax, que queria uma sonoridade mais tradicional dentro da linha R&B. Otis achava, com razão, que a canção tinha tudo para ser um êxito e resolveu deixar uma marca no final, assobiando os últimos acordes. Nas sessões de "Dock Of The Bay", foram gravadas 12 canções, a maior parte delas editadas aos longo dos meses e anos seguintes como singles. São essas 12 canções que surgem reunidas em "Dock Of The Bay Sessions", uma colecção de canções essencial para todos os que gostam de soul music e um testemunho do enorme talento de Otis Redding. A única canção que não tem a assinatura de Redding é o tradicional "Amen", que encerra o disco. Aqui estão outros temas que venceram os tempos e tiveram muitas versões, como "Love Man", "Hard To Handle" ou "I've Got Dreams to Remember". Nestas sessões participaram nomes como Booker T. Jones ou Isaac Hayes, além de Steve Cropper na guitarra e Donald Dunn no baixo. CD Volt Records, distribuído em Portugal pela Warner.

Arco da velha
O Governo criou um grupo de trabalho, que funcionará nos próximos três anos, para apoiar e acompanhar a actividade das cabras sapadoras, que devem comer arbustos em zonas florestais, como prevenção dos incêndios.

Provar
Há uns restaurantes modernos em que os empregados de mesa têm um ar filosofal e passam o tempo a olhar para o horizonte, indiferentes ao acenar de clientes ou ao facto de estes precisarem de atenção regular ao longo da refeição. Este espírito é um bocadinho aborrecido quando falta alguma coisa, ou se pretende esclarecer uma dúvida. A consistência e regularidade da qualidade da comida confeccionada e o bom serviço são os dois atributos principais que procuro num restaurante. É mesmo a única coisa que me pode motivar a sair de casa para ir comer fora. Não chega proclamar que é uma novidade: pode existir muita decoração, muito laboratório, muita química e muito conceito, mas se a matéria-prima não for de qualidade, se a confecção não for adequada e se a refeição for um sofrimento de falta de atenção, não há nada a fazer. Outra coisa penosa é um restaurante vazio, permanentemente vazio e que não faz nada para contrariar isso - procurando ver qual a razão de falta de clientela. Entre os novos restaurantes, encontrei recentemente vários casos assim. Felizmente, calhou que nestes dias mais recentes revisitei dois locais habituais, clássicos lisboetas, de origem bem diferente, que se mantêm referências de qualidade e bom serviço: o Casa Nostra no Bairro Alto e o Salsa & Coentros em Alvalade. Ambos são exemplos de bom funcionamento, de uma relação qualidade-preço muito boa e de inovações pontuais nas cartas respectivas sem dar cabo dos seus clássicos. Há anos, foram eles próprios novidade nesta cidade. Sobreviveram bem e tornaram-se referência - é o que acontece a quem inova a sério.


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