Opinião
A esquina do rio
Com alguma perplexidade, descobri que, em quase todos os principais sítios de notícias portugueses, o discurso inaugural da presidência italiana da Comunidade
Back to basics
"Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora." Eça de Queiroz
Semanada
• Continua a crise no PS • continua a crise no BES • a irrevogável crise no Governo dura há um ano • no ano passado, o fisco detectou 72 operações montadas em empresas para permitir a fuga a impostos • as dívidas fiscais prescritas e anuladas somaram 650 milhões de euros em 2013 • o Governo baixou o IVA dos torresmos e do pão com chouriço de 23 para 6% • as vendas de carros novos cresceram 40% no primeiro semestre, mas estão ainda 20% abaixo da média dos últimos dez anos • na Europa, apenas Chipre, Croácia, Espanha e Grécia têm uma taxa de desemprego maior que a portuguesa • a taxa de desemprego recuou para 14,3% e o número total de desempregados é agora de 736 mil, menos 145 mil que há um ano • no espaço de um ano, 535.389 pessoas perderam prestações sociais do Estado, entre as quais 412 mil desempregadas • em 2013, foram detectados 222 mil cheques carecas • este ano, os estrangeiros já foram responsáveis por 15% de transacções imobiliárias em Lisboa • os gastos de turistas chineses em Portugal aumentaram 697,7% no primeiro quadrimestre deste ano • o número de cartões de crédito em Portugal diminuiu 35% em 2013 • a dívida pública atingiu 132,9% no final do primeiro trimestre, mais 4% que o valor registado no final do ano passado • 3.606 professores pediram a rescisão com o Estado • a Fundação Cidade de Guimarães desperdiçou mais de três milhões de euros, ou seja, cerca de 40% do dinheiro disponível para promoção do ano cultural junto dos turistas • Sarkozy foi interrogado por suspeitas de tráfico de influências • 88% da superfície oceânica tem detritos de plástico • o BES Photo, mais uma vez, optou por não premiar fotografia.
Europa
Com alguma perplexidade, descobri que, em quase todos os principais sítios de notícias portugueses, o discurso inaugural da presidência italiana da Comunidade não constava, com qualquer destaque visível, por volta das dez da noite de quarta-feira, meia dúzia de horas depois de ter sido proferido. E, no entanto, o antigo presidente da Câmara de Florença foi iconoclasta - chamou a atenção para os podres da Europa, traçou prioridades, sublinhou que o Pacto de Estabilidade também é um Pacto de Crescimento, lembrou a necessidade de políticas especiais para incentivar os mais novos e defendeu o papel de referência humanística da Europa na cena internacional. "O grande desafio do semestre europeu não é fazer uma lista de problemas a resolver, o grande desafio é recuperar a alma europeia", disse Renzi. É impressão minha ou ouve-se muito pouco disto ultimamente, quer cá dentro, quer em Berlim ou em Paris? Paradoxalmente, no mesmo dia, todos os jornais e sítios da Internet tinham mais espaço consagrado às desventuras policiais de Sarkozy do que ao discurso de Renzi.
Dixit
"Se fizéssemos uma selfie à Europa, a sua face seria a do cansaço e da resignação, seria o rosto do aborrecimento numa altura em que o mundo corre a uma velocidade extraordinária!"
Matteo Renzi, Primeiro-ministro de Itália
Gosto
De um artigo de Miguel Cadilhe no Jornal de Notícias, onde demonstra que o esforço fiscal dos contribuintes portugueses é o maior da União Europeia.
Não gosto
Da maneira como se fez, na Assembleia da República, o debate do estado da Nação - demasiada retórica, muito propaganda e poucas ideias, ou seja, o retrato do regime que os partidos criaram.
Folhear
Depois da desgraça que foi o debate do estado da Nação, do vazio de ideias que se anuncia no Conselho de Estado e do triste espectáculo proporcionado pelas várias tendências do PS, aqui está uma muito boa leitura para nos fazer a todos meditar: "Dimensões da Cidadania" é um estudo sobre a mobilização política em Portugal, da autoria de Manuel Villaverde Cabral, agora editado pelas edições Afrontamento. A evolução histórica de Portugal, o seu lugar na Europa, o papel da religião, a aliança com a Inglaterra e a adesão europeia são marcos que ajudam a balizar a evolução do comportamento da sociedade portuguesa. Como diz o autor na apresentação, "foi possível demonstrar que o país sofre, além das desigualdades sociais bem conhecidas, de uma tendência generalizada para um envolvimento cívico e político no espaço público comparativamente baixo". O livro analisa, com rigor e detalhe, o exercício da cidadania política em Portugal, recorrendo a numerosos estudos, a uma análise comparada de dados que permitem ver em pormenor como tem sido a evolução do comportamento - um afastamento dos partidos, das formas de intervenção políticas habituais, das classificações ideológicas tradicionais. A análise está aqui, bem feita. Pelo caminho que as coisas levam, o distanciamento em relação às organizações antigas, que são as que ainda nos governam, vai acentuar-se. Depois deste livro, ninguém pode dizer que o assunto não foi estudado e anunciado. O que se passa na política à portuguesa está lá bem explicadinho.
Ouvir
Ao mesmo tempo que investiu fortemente num sistema de som que pretende restaurar o prazer da alta fidelidade na era digital, o Pono, Neil Young gravou agora um disco, "A Letter Home", no mais rudimentar sistema que se pode imaginar: uma máquina de final dos anos 40 que
se destinava a gravar discos, em feiras e parques de diversões, podendo o utilizador levar logo consigo um vinil ali gravado. O Voice-O-Graph, assim se chama a máquina, era usado para gravar declarações de amor, canções de aniversário ou versões de temas populares, bem antes de existirem as chuvas de estrelas contemporâneas. A qualidade é péssima, uns dizem que a evocação da gravação antiga proporciona uma patine que tem os seus atractivos, mas a distorção é constante. Apesar disso, ou talvez a contar com isso, Neil Young excede-se neste disco, canta inesperados standards folk e faz versões absolutamente brilhantes, como a de "Girl From The North Country", um tema de Bob Dylan, gravado originalmente em 1963 pelo próprio e, anos mais tarde, em 69, num dueto com Johnny Cash, na abertura do álbum "Nashville Skyline". Aqui estão também temas de Gordon Lightfoot (como "If You Could Read My Mind" e "Early Morning Rain"), de Willie Nelson ("Crazy" e "On The Road Again"), um brilhante "My Hometown" de Bruce Springsteen, os clássicos "Changes" de Phil Ochs e "Reason To Believe", de Tim Hardin, "I Wonder If I Care as Much" dos Everly Brothers e, sobretudo, "Needle Of Death", de Bert Jansch, que tem óbvias ligações a "The Needle And The Damage Done", um tema marcantes do próprio Young. Neste disco, ao lado de Neil Young aparece, em dois temas, Jack White, ex-White Stripes, um dos músicos que têm mais em comum com Young entre os da geração mais recente. A máquina Voice-O-Graph, de facto, pertence a White e este disco, "A Letter Home", na realidade, foi inicialmente editado apenas em vinil na editora de Jack White, Third Man Records. Entretanto, cresceu para a forma actual em CD e numa box especial que inclui um DVD e um livro.
Arco da velha
Em matéria de justiça, este ano tem um mês a menos - o Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-geral da República recomendaram aos magistrados do Ministério Público que evitem marcar julgamentos e outras diligências em Setembro por causa da entrada em vigor do novo mapa judiciário.
Ver
Quatro sugestões para esta semana: "Dissection", de Alexandre Farto, aliás Vhils, no Museu da Electricidade - a intervenção do artista fica em exposição até 5 de Outubro, e apresenta um conjunto de obras feitas expressamente para o interior e o exterior do museu, naquilo a que se poderia chamar graffitti esculpidos em paredes. Trata-se da maior exposição de Vhils apresentada até hoje em Portugal; no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, o fotógrafo Edgar Martins mostra o trabalho que desenvolveu entre 2012 e 2013 na ESA - European Space Agency em nove países diferentes espalhados por três continentes. São oito dezenas de fotografias (uma delas aqui reproduzida) que mostram o óbvio como se fosse documental, fazendo do pormenor um ponto de vista; no Hotel Tivoli, Avenida da Liberdade, Pauliana Valente Pimentel mostra imagens de viagem, muito particulares, na exposição "The Passenger"; e em A Pequena Galeria (Av. 24 de Julho 4C), a partir de sábado, Pedro Guimarães mostra com "Valley" as imagens que reteve da natureza no vale de rio Côa.
Provar
Em plenas Avenidas Novas, fica um daqueles restaurantes discretos e familiares, tradicionais mas não decadentes, bem de bairro, que já vão rareando em Lisboa. Dá pelo malandro nome de "O Bacano" e identifica-se como restaurante e snack-bar em néons bem à moda dos anos 70 - não é de admirar, a casa foi fundada em 1972. À entrada está uma longa barra que faria as delícias de um bar de cocktails ao fim da tarde, se tal coisa fosse habitual nesta terra. "O Bacano" fica na João Crisóstomo 47 C, bem perto do cruzamento com a Marquês de Tomar. Conserva no interior tudo o que é decoração típica da época, onde não faltam quadros espelhados da Martini e cartazes turísticos de Portugal. O sítio ganhou fama porque, na época da lampreia, a preparação do ciclóstomo é muito adequada - seja de que forma for - até a escabechada. No dia-a-dia, fora da lampreia, destaca-se o cozido das quintas, o bacalhau à Narcisa que existe sempre, assim como os choquinhos grelhados e as pescadinhas de rabo na boca. Outros pratos do dia são bem portugueses - mão de vaca com grão, empadão de batata com vitela e grelhada mista com açorda de míscaros. Na casa, surge leitão com frequência e, às sextas, há arroz de pato à antiga. A casa é despretensiosa mas honesta, o serviço é simpático, a clientela é familiar, a fazer par com a cozinha bem caseira. Há um menu económico diário a 6 euros. Telefone 213 533 859