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11 de Abril de 2014 às 10:54

A esquina do Rio

As últimas semanas têm sido particularmente exemplares para se poder comprovar que, em Portugal, não temos um sistema baseado na Justiça, mas sim um sistema baseado em manobras, truques e desleixos diversos para iludir a justiça.

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Back to basics 

Não esperem pelo julgamento final, ele realiza-se todos os dias.
Albert Camus

 

 

Retrato

As últimas semanas têm sido particularmente exemplares para se poder comprovar que, em Portugal, não temos um sistema baseado na Justiça, mas sim um sistema baseado em manobras, truques e desleixos diversos para iludir a justiça. Ficou claro que a prescrição é agora um estado normal da justiça portuguesa, quer o crime seja financeiro ou de vida e morte, ou de costumes. A maior especialidade desenvolvida em Portugal pelo sistema judicial é o arquivamento de casos prescritos. A coisa chegou a um ponto em que o Governador do Banco de Portugal recomenda, como medida para o assunto, que se alargue o prazo de prescrição - mas não ocorre atacar as causas do problema: as habilidades dos advogados que empatam julgamentos, a displicência de juízes e de procuradores, a falta de meios dos tribunais. Em Portugal, quem tiver bom advogado e alguma influência pode ter esperança em passar pelo crime sem castigo - infelizmente, é esse o ponto a que a percepção do cidadão comum chegou.

 

 


Dixit
"Muito bem. Fica registado o seu insulto, ao qual não vou responder"

José Rodrigues dos Santos, em reacção à afirmação de José Sócrates: "não basta papaguearmos tudo aquilo que nos dizem para fazer uma entrevista".

 

 

Semanada

• Uma procuradora-adjunta de Santa Maria da Feira deixou prescrever 19 processos  a Procuradoria de Lisboa afirma que o novo mapa judicial não é viável  o crédito malparado nos empréstimos à habitação já subiu 7,85% face ao ano passado  o Banco de Portugal recebeu 17.911 queixas contra bancos em 2013, mais 15% que no ano anterior, sobretudo por causa de créditos à habitação e ao consumo  os pedidos de ajuda à DECO no 1º trimestre só subiram entre os trabalhadores do Estado e os reformados  o volume dos depósitos das famílias nos bancos voltou a diminuir em Fevereiro, pelo terceiro mês consecutivo  o acórdão do julgamento do processo "Face Oculta", que se arrasta há dois anos e cinco meses, foi marcado para 5 de Setembro, daqui a cinco meses  Helena Roseta, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa eleita pelo PS, criticou a actuação do município no processo da Colina de Santana e exigiu publicamente "lealdade e transparência" ao executivo de António Costa  os "vistos gold" fizeram disparar em 54% os preços dos imóveis de luxo em Lisboa  a Presidência da República, a Assembleia da República, diversas Câmaras Municipais e numerosas empresas públicas não divulgaram qualquer contrato de aquisição de bens ou serviços, ao contrário do que o Tribunal de Contas exige  o realizador Manoel de Oliveira, 105 anos de idade, iniciou esta semana, no Porto, a rodagem de um novo filme, "O Velho do Restelo", graças a financiamentos públicos portugueses e franceses  O deputado Miguel Frasquilho foi indicado para presidente da AICEP sem parecer prévio do Sr. Bilhim  um protocolo assinado no Ministério da Agricultura criou o Centro de Competências do Tomate.

 

 

Arco da velha

O secretário de Estado do Orçamento, Hélder Reis, interrogado por deputados na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, teve esta resposta: "Eu sou como o Pinóquio: quando minto, o meu nariz cresce. Não está a vero meu nariz a crescer - eu não estou a mentir".

 


Ver

Raras vezes uma exposição de fotografia provoca uma impressão tão marcante como "Este é o Lugar", do sul-africano Pieter Hugo, que ficará na Fundação Gulbenkian até 1 de Junho. As imagens são duras, não são retratos passivos, são testemunhos de um tempo, de pessoas e de lugares. São imagens do quotidiano, mas não são instantâneos. São fotografias cuidadosamente produzidas, feitas em película e em câmara de grande formato. Pressupõem o estabelecimento de uma relação entre o fotógrafo e o fotografado que ultrapassa o momento. Cada uma permite adivinhar conversas, imaginar o que se estabeleceu, o que levou cada sujeito fotografado ou local escolhido até ali - ao momento da imagem fotográfica. Na realidade, a exposição compõe-se de 15 ensaios diferentes, feitos entre 2005 e 2012, num trabalho persistente de rigor e coerência, de imaginação e de provocação. Esta é mais uma mostra exemplar da iniciativa "Próximo Futuro", da Fundação Gulbenkian, programada por António Pinto Ribeiro.

  


Gosto
Catarina Sobral foi escolhida na Feira do Livro Infantil de Bolonha como a melhor ilustradora para a infância, graças ao seu livro "O Meu Avô".

  


Não gosto
Continuam a prescrever processos no caso BCP.

 

 

Folhear

No panorama livreiro português, restam poucas editoras independentes e a Guerra & Paz, dirigida por Manuel S. Fonseca, é uma delas - e uma das que trabalho mais interessante tem feito ao longo dos oito anos que leva de vida. "Fama e Segredo na História de Portugal", de Agustina Bessa-Luís, foi um dos primeiros livros que editou e quis o destino que fosse o último livro escrito pela escritora, antes de a sua saúde ter fraquejado. Talvez por isso, neste momento de aniversário da editora, a Guerra & Paz relançou, em novas edições, dois títulos do seu catálogo: "O Livro de Agustina - uma autobiografia", que nesta versão editorial inclui o conto preferido da autora, "Um Inverno Frio"; e também esse maravilhoso encontro da escrita de Agustina com a pintura de Paula Rego sobre a série "As Meninas" - "Estão sempre alerta, sabem coisas proibidas, em volta delas as mulheres conspiram, inspeccionando a sua roupa de baixo. As Meninas são profundamente perigosas". São duas edições verdadeiramente fundamentais - uma para entrar, sorrindo, dentro da vida da escritora e, outra, para ver a sua capacidade de observação e o encanto da sua cumplicidade com a criatividade de Paula Rego. São duas edições de excepção nestes tempos que correm.

 

 

Ouvir
Volta e meia, há discos que me despertam e surpreendem. Discos em português, com letras que são histórias para além de rimas e tretas, palavras que contam testemunhos e relatos - que nos falam das vidas e de pessoas. Confesso que, distraído, nunca tinha ouvido falar de Capicua. No seu "site", dá como referência que nasceu em Cedofeita em 1982, descobriu o hip hop aos 15 anos, estudou e doutorou-se em sociologia. Tem uma longa lista de colaborações musicais, o primeiro trabalho foi editado pela Optimus Records e o segundo foi editado já este ano pela Norte-Sul. Chama-se "Sereia Louca" e evoca Kafka em abono do título. A edição tem dois discos, um de originais, outro de versões acústicas de trabalhos anteriores, e qualquer deles é bom - mesmo o brinde acústico é muito bom. Rapper por etiqueta, o que me interessa mais em Capicua é o que ela canta, aquilo que escreve e a forma como conjuga as palavras com a música. Escreve boas histórias, retoma aqui e ali cantigas antigas, como "O Soldadinho", de Reinaldo Ferreira, a que dá uma volta completa com a ajuda de Gisela João. Sente-se que tem gozo em subverter as coisas, em ensaiar colaborações inesperadas como aquela "Lupa" em que a angolana Aline Frazão canta José Gomes Ferreira. Gostava de não colar uma etiqueta de género a este disco e dizer apenas que aqui está música contemporânea de Portugal. É coisa rara, cada vez mais rara hoje em dia. Não é saudade, mas tem passado; e, ao mesmo tempo, desenha o futuro com os pés no presente. Há muito que não ouvia um disco assim.

 

 

Provar
Em Setúbal, frente à doca dos barcos de pesca, há um passeio largo, que permite andar a pé ao longo do Sado, desde a saída dos barcos para Tróia, com a baía bem à vista... Toda a zona tem sido recuperada nos últimos anos e, entre velhos armazéns, começaram a surgir novos restaurantes. O local onde tudo isto se cruza é a Rua da Saúde. Já se sabe que Setúbal é uma das cidades onde se come melhor peixe e, numa recente visita, deixei-me seduzir pelo apelo de D. Manuela, que acolhe os clientes no restaurante Baía do Sado: esplanada confortável e bem protegida do sol e do vento, interior amplo. Logo à entrada está um balcão com o peixe e mariscos frescos. Havia uma bela dourada de 700 gramas que chamava por nós e umas navalhas que, por recomendação da casa e curiosidade nossa, foram feitas à moda de Bulhão Pato. Nunca as tinha provado neste preparo e gostei. A dourada estava primorosamente grelhada, mantendo a frescura e o sabor, sem secura nem estorricanços. Os legumes cozidos no ponto foram o acompanhamento. O po, que se provou com azeitonas e, depois, com a infusão criada pelo Dr. Bulhão, estava denso e saboroso. Acompanhou um vinho branco da região, fresco e levemente frutado. O serviço foi escorreito e, no final, a conta foi uma agradável surpresa. A esplanada foi um prazer para a vista e o peixe e as navalhas excederam o que se esperava. A Baía do Sado fica no nº 46 da Rua da Saúde e o telefone é o 265 553 247.

 

 

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