Opinião
A esquina do Rio
Luís de Camões não imaginaria como o seu verso "Todo o Mundo É Composto de Mudança" se revelaria tão actual séculos depois.
Back to basics
Uma ideia que não é perigosa não merece sequer ser chamada de ideia.
Oscar Wilde
Algoritmos
Luís de Camões não imaginaria como o seu verso "Todo o Mundo É Composto de Mudança" se revelaria tão actual séculos depois. Hoje, mais que nunca, a mudança é permanente - a esmagadora maioria dos recursos que utilizamos na vida moderna, baseados em software, estão permanentemente a mudar. Nos últimos 20 anos, assistimos a uma transformação brutal - o foco deixou de estar no hardware e passou para o software. E programas que custavam milhares de euros foram substituídos por aplicações, muitas vezes mais poderosas e eficazes, que ou são gratuitas ou custam muito pouco. Hoje em dia talvez seja mais certo dizer-se que toda a vida é feita de algoritmos em permanente alteração - porque é essa, de facto, a nossa nova realidade. Um artigo recente de Lev Manovich sublinhava este facto: "O software tornou-se uma linguagem universal. Aquilo que a electricidade e o motor de combustão significaram no início do século XX pode ser comparado ao que o software significa neste início de século XXI (...) Se queremos entender as técnicas contemporâneas de comunicação, representação, simulação, análise, tomada de decisão, memória, visão, escrita e interacção, temos que compreender o software."
Tudo isto é verdade, mas o mais interessante é que, ao mesmo tempo que a tecnologia nos rodeia e está em permanente mutação, oferecendo o que há dez anos era impensável, continuamos a querer coisas básicas na nossa vida, nas cidades onde vivemos - conforto de circulação, transportes públicos e privados que funcionem, zonas verdes bem conservadas, boas escolas públicas, bons hospitais, ruas limpas e seguras. E é curioso constatar que os políticos mais tecnocratas são aqueles que pior interpretam e satisfazem as necessidades do seu eleitorado. Por enquanto, ainda não há algoritmo que resolva esta equação.
Dixit
Não criei nem tenciono criar nenhum movimento - declaração de Carvalho da Silva três dias antes de ser anunciado o movimento 3D para as eleições europeias, em que ele surge como um dos promotores.
Semanada
• Foi detectada, em Braga, uma fraude de sete milhões de euros em cursos profissionais e ex-dirigentes da Associação PME Portugal foram constituídos arguidos • em época de Natal até aos fins-de-semana, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, continua engarrafada, a causar mais poluição do que antes das obras • quatro em cada dez portugueses confessam ficar sem dinheiro após pagar as contas do mês • o sector da construção civil factura 7% em reabilitação urbana em Portugal, quando a média europeia é de 37% • Jorge Jesus é o 11º treinador mais bem pago do mundo • Portugal registou a quinta maior queda anual de salários na União Europeia • em 2012, Portugal foi um dos três países da OCDE a registar maior quebra nas receitas fiscais • no primeiro semestre, houve quase dez mil insolvências de empresas e particulares declaradas nos tribunais portugueses • em Portugal, ao longo dos últimos três anos, foram apreendidas 13 armas ilegais por dia • Passos Coelho admitiu que, no curto prazo, o Governo poderá não ter outra alternativa do que aumentar os impostos se o OE proposto pelo Governo for chumbado no Tribunal Constitucional • Paulo Portas admitiu que PSD e CDS podem concorrer separados às próximas legislativas • as autarquias que cobram IMI pela taxa máxima vão duplicar em 2014 • os CTT esperam receber este ano 180 mil cartas dirigidas ao Pai Natal.
Arco da velha
O executivo municipal de Braga, liderado pelo socialista Mesquita Machado, deixou uma factura de 150 milhões de euros para pagar até 2033 por causa de uma parceria público-privada que construiu 35 campos de futebol nas 62 freguesias do concelho - em algumas, existem agora dois campos.
Provar
Não sou muito dado a doces mas, nesta altura do ano, o Bolo-Rei tira-me do sério. Aqui há uns anos, achava que o da Pastelaria Cinderela, no Areeiro, era o melhor de todos - e ainda é bom. Depois passei a gostar do da Pastelaria Colombo, que era óptima e lindíssima, praticamente em frente à Versailles na Avenida da República, e que hoje é um incaracterístico McDonald's. Esse, já não se pode provar - mas o da Versailles é, ele próprio, um bom sucessor. Outro que me agrada é o da pastelaria Aloma, em Campo de Ourique, na Rua Francisco Metrass. E, claro, há o incontornável Bolo-Rei da Confeitaria Nacional, da Praça da Figueira, e que agora tem vários pontos de venda, um dos quais nas Amoreiras. O segredo do Bolo-Rei está na massa, que deve ser leve e na qual devem como que flutuar pedaços de frutos secos e algumas passas. O segredo é conciliar a leveza com uma boa distribuição dos frutos - não podem ser demais, não podem ser de menos, não podem ficar colados ao fundo. E é escusado o Bolo-Rei estar recoberto de açúcar caramelizado, algumas frutas cristalizadas - não demais - bastam. Nesta altura do ano, o único doce que não dispenso é o Bolo-Rei - e sou dos que não se importam que, se ele for dos bons, tenha dois ou três dias. Se for bom, não perde qualidades. E, como bem disse Miguel Esteves Cardoso, bom Bolo-Rei não precisa de manteiga para nada.
Gosto
Do levantamento dos sem-abrigo de Lisboa, feito por uma equipa de voluntários organizada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Não gosto
Está muito na moda, mas fui lá e não gostei. O Mercado de Campo de Ourique é apenas uma má cópia da ideia do Mercado de San Miguel (em Madrid), só que atravancado e com mais confusão que fulgor.
Ver
Todas as razões são boas para ir ao MUDE, o Museu do Design e da Moda, que fica na Rua Augusta 24. Mas, agora, há mais uma razão, incontornável - descobrir a exposição "3553", de Teresa Segurado Pavão, na Sala dos Cofres. O local em si é magnífico, mas a força das pequenas peças ali ganha outra dimensão - quase comovente. Na sala dos cofres privados, de aluguer, do antigo Banco Nacional Ultramarino, o edifício onde o MUDE foi acolhido, existem 3552 cofres - e é deste número que nasce o título da exposição - evocando o cofre seguinte, na realidade inexistente, o momento que está para vir, o futuro que não se conhece. As peças expostas são objectos simples - que podem ser do quotidiano, mas podem também ser tesouros guardados - e a sua presença na sala dos cofres reforça esta ideia de tesouro que vale a pena salvaguardar. Cabe aqui elogiar o trabalho do catálogo e as fotografias de Eurico Lino do Vale, despojadas mas não neutras, que conseguem fazer retratos de objectos quase como se tivessem expressão. As peças criadas por Teresa Segurado Pavão são lindíssimas: nas formas, mas também nos pormenores. Parecem imaginadas como esculturas - quase orgânicas, como naqueles casos onde um alfinete atravessa o barro branco como se envolvesse a pele, ou quando existe a sensação de que um objecto pode ter muitos usos, dependendo da imaginação. São 120 peças, criadas de 2011 até agora. A exposição "3553" pode ser vista até ao início de Março.
Folhear
Quando se abre a edição especial que a revista "Egoísta" fez neste Natal, ressurgindo, mesmo que efémera, quando já não se esperava, encontram-se logo estas palavras de Sylvia Plath: "It is a terrible thing to be so open: it is as if my heart put on a face and walked into the world". O tema desta edição especial é a poesia e nas primeiras páginas está um portfolio fotográfico de Annie Leibovitz, que é uma revisitação de Romeu e Julieta, feita para a "Vogue". Há poemas de Lu Yu, Gastão Cruz, António Ramos Rosa, Adrienne Rich, João Rui de Sousa, Eugénio de Andrade, Maria do Rosário Pedreira, Nuno Júdice, Fernando Pinto do Amaral, Vasco Graça Moura, Hilda Hist, Rainer Maria Rilke e Jaime Rocha, entre outros. Há mais fotografia de Augusto Brázio, Maria João Gonçalves, Christophe Jacrot, Ricardo Alevizos, e sobretudo, um imprevisto e surpreendente trabalho de Pedro Cláudio. Nas ilustrações, destaque para os trabalhos de Manuel San Payo e Rodrigo Prazeres Saias. Um verdadeiro número para coleccionadores. Uma preciosidade. Uma prenda de Natal para os fãs da revista.
Ouvir
Sou da opinião que um disco gravado ao vivo funciona muitas vezes como um tira-teimas: há músicos que fazem álbuns muito certinhos em estúdio, mas depois é o diabo quando vão para um palco e lá querem gravar alguma coisa. Felizmente, no caso de António Zambujo, a gravação feita em espectáculo só confirma as boas impressões deixadas pelos registos de estúdio. O disco foi gravado ao vivo no Coliseu, faz agora um ano, em Dezembro do ano passado, pouco tempo depois da edição do seu álbum "Quinto". Inclui 19 temas entre os originais de Zambujo, clássicos de Marceneiro, uma versão de uma canção de Vinicius e Baden Powell, poemas de João Monge, Aldina Duarte e Maria do Rosário Pedreira. No espectáculo gravado, Zambujo acompanhou-se a si próprio à guitarra clássica e a seu lado estiveram Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Jon Luz (cavaquinho e guitarra clássica), José Miguel Conde (clarinetes), Ricardo Cruz (contrabaixo) e a participação de uma grupo de canto alentejano que o acompanhou em alguns dos temas. (CD UNIVERSAL).