Opinião
A embriaguez
O nosso país tem sido, felizmente, poupado ao rasto de terror e destruição que nos chega pelas notícias. Temos, claro, outros problemas e dificuldades. Mas as nossas "coisas más" são, na maioria dos casos, apenas desagradáveis e inconvenientes.
De fora chegam-nos notícias tristes e más. O mundo desilude-nos a cada dia que passa, deixando-nos uma sensação de crescente impotência perante aqueles que há muito deixaram de pensar como seres humanos e se limitam a espalhar o terror e a destruição onde quer que seja, indiferentes a quem possam ser as vítimas. O seu desígnio é apenas o de fazer sofrer, sempre e cada vez mais. A vida transformou-se numa corrida contra o tempo em que grande parte da energia de centenas de milhares de pessoas pelo mundo fora é consumida a tentar antecipar e evitar o próximo atentado. Muitas vezes com sucesso, certamente. Mas há sempre um mas, no sítio e na hora em que não se espera. Foi em Manchester desta vez, mas já foi em tantos sítios e tantas vezes que lhes perdemos a conta. O mundo embriagou-se e já todos percebemos, infelizmente, que é crónico.
O flagelo do terrorismo e da insegurança - que tantos países conhecem bem demais - é uma realidade que quase só conhecemos pelos jornais e pelas televisões. Alguns de nós percebem-no melhor quando circulam por terras que viveram, num passado recente, dias muito sangrentos. O ambiente que se respira é diferente, a ansiedade é maior e a presença, nas ruas, de forças militares e militarizadas, fortemente armadas, está lá para nos lembrar de que a paz e a segurança são bens efémeros.
O nosso país tem sido, felizmente, poupado ao rasto de terror e destruição que nos chega pelas notícias. Temos, claro, outros problemas e dificuldades. Mas as nossas "coisas más" são, na maioria dos casos, apenas desagradáveis e inconvenientes. Quase sempre provocadas por nós próprios, seja por incúria, seja pela terrível tendência de repetirmos os mesmos erros vezes sem conta esperando resultados diferentes…
Depois de anos em que a realidade nos era apresentada com tons bem mais negros do que as cores verdadeiras, sucedem-se agora em catadupa as "boas notícias". As que o são, de facto, e as que apenas o aparentam ser. É importante que se diga que não há nenhuma razão para que não saudemos os resultados positivos que, coletivamente, temos vindo a alcançar e os pequenos sinais que, aqui e ali, vão aparecendo e nos fazem ficar mais otimistas. Mas também aqui o risco de embriaguez é sério e, infelizmente, não é novo.
Já vivemos situações semelhantes na nossa História recente (e na menos recente, também), invariavelmente com resultados idênticos: após períodos de euforia acabámos a perguntar-nos como foi possível não termos visto que os sinais estavam todos lá… Foi assim no final dos anos 90 do século passado quando o país parecia já não caber dentro de si e tudo adquiria a dimensão de uma Expo, da maior ponte entre as maiores, da nova moeda que nos prometia estar entre os primeiros dos primeiros na Europa. Voltou a ser assim na segunda metade da primeira década deste século quando oferecíamos Magalhães ao mundo, tínhamos os gestores mais premiados e nos pusemos a renovar escolas como se de palácios florentinos se tratasse.
Todos nos lembramos - ou nos devíamos lembrar… - como começaram e como acabaram as sucessivas crises que temos vivido. Pode ser diferente desta vez? Pode e deve. Mas mais importante do que andar a discutir quem fez o quê e melhor é aprender com os erros do passado e não voltar a repeti-los. De pouco nos servirão os esforços e sacrifícios dos anos mais recentes se voltarmos a privilegiar o curto prazo em detrimento do futuro, ignorando a degradação crescente dos nossos serviços públicos e esquecendo a necessidade de reformar setores-chave da nossa economia que persistem em viver no século passado...
Advogado
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