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Capturados

Quando as primeiras dúvidas sobre a exigibilidade das declarações de rendimentos vieram a público, António Domingues deveria de imediato ter-se disponibilizado para cumprir a regra geral.

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1. Capturados pelas contradanças da política, pelo emaranhado legal e pela pressão populista, sete dos novos administradores da Caixa Geral de Depósitos (CGD), entre os quais o presidente, bateram com a porta e puseram fim ao suspense nesta longa-metragem CGD. O epílogo deste acto estava escrito nas estrelas a partir do momento em que a equipa de António Domingues revelou não saber interpretar capazmente as contradições do processo. E, no entanto, tudo poderia ter sido evitado.

 

As exigências de transparência aplicáveis aos dirigentes públicos poderão ser excessivas no que toca à exposição total de patrimónios e rendimentos para povão ver. O Governo poderá ter sido demasiado voluntarioso na ânsia de assegurar um naipe de gestores com créditos firmados para a gestão de uma máquina tão complexa e exigente como a CGD. As forças partidárias poderão, como é habitual, ter colocado os seus interesses tácticos à frente dos do banco público. E o justicialismo popular, como sempre, poderá ter criado um ambiente insuportável aos decisores. Mas o agora ex-presidente da CGD teve a oportunidade de tomar a dianteira do processo em tempo útil e não o quis fazer.

 

Quando as primeiras dúvidas sobre a exigibilidade das declarações de rendimentos vieram a público, António Domingues deveria de imediato ter-se disponibilizado para cumprir a regra geral. Se o tivesse feito, face aos antecedentes da nomeação, teria toda a legitimidade para solicitar a reserva de divulgação. As eventuais garantias que lhe terão sido prestadas por e-mail não deveriam ter constituído óbice a um acto de elementar bom senso em face da alteração de circunstâncias políticas. A resistência de alguns membros da sua equipa não deveria ter levado a melhor quando estavam em causa interesses superiores.

 

2. Desnorteadas pelo vendaval populista, as formações políticas tradicionais atravessam um período de contradições sem precedentes na história do pós-guerra. O que dizer quando o candidato presidencial da direita republicana francesa, François Fillon, abraça o discurso anti-sistema, anti-Europa e anti-imigração, contrário às raízes do seu partido? E quando Marine Le Pen, líder da extrema-direita, o acusa de representar os interesses ultraliberais, defender o modelo austeritário e pretender acabar com o Estado? Que agenda resta à esquerda clássica, desprovida de ideias, desiludida pela moleza contraditória de François Hollande e descrente no futuro? 

 

Em Itália, tudo indica que o referendo constitucional do próximo domingo se salde por uma rejeição das propostas do primeiro-ministro Matteo Renzi (centro-esquerda), abrindo caminho à ascensão do Cinco Estrelas e do populista Di Maio ao poder. Face à situação político-económica em que Itália e a Europa se encontram, nada de bom se poderá esperar se o "não" vencer. Pouco importa que as reformas sejam racionais e sensatas, quando o voto popular deixa de obedecer à razão ou ao coração e se deixa capturar pelas tripas.

 

Figura do mês: Leonard Cohen

 

Partiu uma das maiores figuras artísticas dos últimos sessenta anos. Leonard Cohen, o poeta, o trovador, o cidadão do mundo, deixa-nos um legado inesquecível. A sua história de vida fala pela personagem, iluminando a sua riqueza poética, a sua sensibilidade, a sua universalidade, a sua elegância.

 

Partiu antes de revelar o sentido enigmático de "First we take Manhattan, then we take Berlin" e três meses e meio após o desaparecimento de Marianne Ihlen, a mulher da sua vida. "Penso que te seguirei muito em breve", escreveu-lhe ele, premonitoriamente, uns dias antes do falecimento da sua inspiradora.

 

Judeu praticante, músico de rua e de palco, poeta itinerante, Cohen não teve a homenagem que merecia no ano em que a Academia Sueca decidiu distinguir uma figura do mundo musical. Preferiu Bob Dylan, um autor bem mais pequeno, que nem sequer encontrou espaço na agenda para receber o galardão. É bem feito.

 

Número do mês: 30 mil

 

É o número de postos de trabalho que o grupo Volkswagen se propõe reduzir no curto prazo, segundo um anúncio oficial do construtor bávaro. O primeiro objectivo, claro, é conseguir uma poupança orçada em 4 mil milhões de euros. O segundo é apostar numa reconversão de competências laborais, orientando-as para a fabricação de viaturas eléctricas.

 

Dos 30 mil despedimentos, 23 mil ocorrerão na própria Alemanha e nenhum em Portugal. Ao contrário, a Autoeuropa prevê recrutar cerca de mil novos funcionários. Surpreendente? Não. A unidade portuguesa é uma das mais eficientes do grupo VW e regista um clima laboral saudável, sujeito a negociações estruturadas e construtivas entre as partes.

 

Há uns anos, numa conversa solta de fim de tarde com um dirigente sindical, atirei: "Se fosse a vossa organização a controlar as relações de trabalho na Autoeuropa, há muito tempo que a empresa tinha fechado as portas." "Não tenha a menor dúvida", retorquiu ele tranquilamente.

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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