Opinião
Um negócio sem futuro
Cada vez que vejo uma manifestação de suinicultores fico sem vontade de comer carne. Porque me recorda o horror que é esta "indústria", a forma como se tratam os animais, o desprezo pela sua existência, a barbaridade do tratamento.
Mas também o dano geral que provocam. Cada suinicultura é uma pequena catástrofe ambiental. E algumas são grandes. Apesar de tantas leis e regulamentos, algum investimento aqui e ali no tratamento de resíduos, muitas suiniculturas continuam a poluir o país, despejando detritos tóxicos para os rios matando tudo à sua passagem, infestando zonas e aldeias inteiras. Agora agravado. Com o setor em crise, a proteção do meio ambiente não será certamente uma prioridade para os produtores.
Esta crise deve-se a muitos fatores. Um deles, que dizem ser a origem, prende-se com o embargo europeu à Rússia com a subsequente interdição por este país de importação de carne de porco. Portugal que já tinha excesso de produção foi bastante afetado. E como em todos os negócios dependentes de um único mercado, o setor desmoronou-se.
Acresce que outros, nomeadamente os espanhóis, conseguem vender mais barato. Dizem que é porque praticam um preço negociado entre os vários intervenientes locais. Por cá nunca o conseguiram. De qualquer modo estamos perante um facto económico elementar. Quando há excesso de oferta, o preço baixa. Não há nada a fazer.
Utilizando o guião televisivo, com alguma eficácia, os suinicultores têm organizado umas quantas coreografias exigindo a intervenção do Governo. Pedem apoios e subsídios e até o fim do embargo russo como se Capoulas Santos tivesse poder para tal. Fazem-no agora, com um Governo de esquerda, porque sabem que é mais sensível a este tipo de reivindicações. Mas se houver cedência é um erro. Desde logo um erro económico, mas também político. Não se pode manter um tipo de sociedade em que sistematicamente se privatizam os lucros e se nacionalizam os prejuízos. Não é possível manter artificialmente atividades que não têm sustentação, não são rentáveis ou não se modernizaram e para mais não contribuem em nada para o bem-estar comunitário. Neste caso particular, além de haver excesso de produção e, portanto, inevitável desperdício, e estamos aqui a falar de seres vivos, comer carne faz mal. O excesso de consumo de proteína animal é aliás um dos maiores problemas de saúde pública dos países civilizados. Está sobejamente comprovado.
Ainda pouco significativo para a indústria, o número de pessoas que deixou de comer carne nas últimas décadas aumentou bastante. Quando jovem, tinha um único amigo vegetariano. Era uma raridade e um problema quando íamos comer fora. Hoje é comum na geração mais jovem, e a maioria dos restaurantes já inclui refeições vegetarianas. Em suma, o consumo de carne está a diminuir ainda que lentamente e sobretudo nos países mais desenvolvidos.
As reivindicações dos suinicultores assentam por isso numa série de equívocos. Havendo excesso de oferta têm de se adaptar aos níveis de consumo. Não podem esperar que seja o Governo a obrigar os portugueses a comer mais bifanas. Não podem também exigir apoios e subsídios para uma atividade deficitária, já que isso não faz qualquer sentido, nem económico nem político, e ainda menos num país em tempo de recuperação. E muito menos podem fazê-lo como se o negócio da carne fosse essencial para o país e para os portugueses. É chato dizê-lo, mas não é. Pelo contrário, é mesmo prejudicial de muitas formas.
Artista Plástico
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