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Pensar a cultura do futuro

A cultura artística é, sem sombra de dúvidas, um dos principais aceleradores do desenvolvimento das sociedades no futuro. O outro é a ciência.

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A cultura artística é, sem sombra de dúvidas, um dos principais aceleradores do desenvolvimento das sociedades no futuro. O outro é a ciência. Embora se assista a uma vontade de combinação entre artes e ciências, as duas formas de conhecimento continuarão a funcionar essencialmente em paralelo. Porque é da sua natureza.


A cultura artística é importante precisamente porque, ao contrário da ciência, a sua busca é aleatória e não-objetiva. É por isso mais livre e, nesse sentido, indeterminada e surpreendente. Por via de um experimentalismo aberto (dito estocástico) contribui decisivamente para a ampliação do campo mental. Ou seja, ajuda a ver de outra maneira.


A cultura artística é particularmente decisiva numa altura em que a sociedade se empenha numa dinâmica de inovação. As ideias, já o são hoje, e serão cada vez mais o capital do futuro. Veja-se o caso das maiores empresas da atualidade que derivam não de grandes investimentos, mas de simples ideias com enorme sucesso.


Desprezar a cultura artística como coisa marginal e meramente subsídio-dependente é por isso ver curto e errado. A este propósito pense-se na agricultura, que é totalmente subsídio-dependente e toda a gente acha bem. Sem a atividade criativa, só aparentemente irrelevante, não há evolução tecnológica, não há adesão comportamental aos novos produtos, não há ímpeto inovador.


Portugal não tem tido sorte com a abordagem a nível governamental da cultura artística. Sistematicamente colocada em terceiro plano, não atingindo, a nível orçamental, um mínimo funcional, sofre por outro lado de uma visão ultrapassada e passadista. Em que imperam o lirismo e um nacionalismo serôdio. Os sucessivos ministérios ou secretarias de estado da cultura ainda pensam quase exclusivamente em termos de património, espetáculos e exposições. Ora a cultura atual é muito mais do que isso. A cultura artística é aquilo que informa a inovação. Estabelecendo uma forte ligação às novas tecnologias e aos novos processos criativos de base digital. Recriando processos, métodos de produção, inventando modelos, gerando novos desejos e visões de futuro.


Num mesmo plano de atraso, o ensino artístico continua profundamente desfasado da realidade. Teatro, cinema, música, artes plásticas e mesmo design, permanecem amarrados a modelos do século 19. A visão pretensamente humanista e anti-tecnológica prevalece, valorizando-se em excesso a autoria e o génio individual, quando são os processos que determinam a criatividade. E isto, não de hoje, mas pelo menos desde há várias décadas. Veja-se a evolução das artes ao longo do século 20, na sua determinação em ampliar o campo da expressão artística. Da figuração passou-se para a abstração, do dogma para o "tudo é possível" de Duchamp ou, para dar outro exemplo de rutura, com John Cage e a introdução do silêncio como expressão musical.


Estamos também a passar de uma sociedade de consumidores passivos a uma de produtores ativos. As novas tecnologias permitem que qualquer pessoa crie diretamente os seus produtos, comerciais, de entretenimento ou artísticos. Trata-se de uma mudança radical, não só porque amplia exponencialmente o campo dos agentes, como acelera a própria criatividade, agora ainda mais exigente e competitiva. E também bastante mais ampla, pois é no mundo e para o mundo que se trabalha.


O governo atual despreza a cultura porque a acha um desperdício e não o investimento que efetivamente é. Mas outros não fizeram e prometem não fazer muito melhor. Os partidos que existem, sem exceção, à esquerda e à direita, continuam a pensar e agir à antiga. Ora a cultura do futuro ou é tecnológica ou não é nada. Precisa, por isso, de se ligar, ainda que à sua maneira, ao conhecimento científico e aos novos processos produtivos. Um futuro ministério da cultura deve investir fortemente na migração de uma lógica essencialmente artesanal para uma outra de base digital. Não precisamos de mais museus, centros culturais, salas de concertos e de exposição. Estado e municípios deviam investir em FabLabs e centros de produção criativa.

 


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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