Opinião
Nova indústria
Esta semana visitei uma fábrica de tipo novo. Foi em Filadélfia onde estive a dar umas aulas e rever a obra de Marcel Duchamp. Sobretudo a muito original porta trazida de Cadaqués, por onde se espreita por um buraco para contemplar uma cena extravagante.
Esta semana visitei uma fábrica de tipo novo. Foi em Filadélfia onde estive a dar umas aulas e rever a obra de Marcel Duchamp. Sobretudo a muito original porta trazida de Cadaqués, por onde se espreita por um buraco para contemplar uma cena extravagante. É daquelas coisas que é preciso ver ao vivo. Uma foto não basta.
Pareceu-me importante dar conta da visita à referida fábrica porque pode ser útil para aqueles que não se resignam perante este drama que Portugal vive, e desejam pensar e agir com visão de futuro.
No essencial esta nova fábrica, apropriadamente intitulada "NextFab", consiste num conjunto de máquinas, várias de base digital mas outras não, com as quais é possível fabricar praticamente tudo. Tem similaridades com os chamados FabLabs, uma invenção do MIT, mas com uma variante importante. A componente digital, crítica nos FabLabs, não é aqui determinante. A ideia forte está na diversidade e acessibilidade dos equipamentos.
Na indústria convencional as máquinas são concebidas para cumprirem uma única e repetitiva função. Cada nova produção exige normalmente uma reconfiguração importante da maquinaria e dos processos. Ao invés, neste novo tipo de fábrica pode fazer-se em simultâneo uma bicicleta, um saca-rolhas, uma camisola ou desenvolver um novo polímero. As máquinas são muito versáteis e de elevada capacidade combinatória.
Mas, mais do que os equipamentos, é a componente uso que se distingue radicalmente dos modelos tradicionais, assentes na exclusividade da propriedade e na organização e decisão em pirâmide.
A nova fábrica é acessível a qualquer pessoa, quer na modalidade de auto-produção, em que o próprio opera os equipamentos, ou contratando pontualmente um serviço de assistência. O modelo de negócio segue estas ideias e é por isso bastante original. Assenta numa carteira de associados que, através do pagamento de uma cota incomparavelmente menor do que o investimento em causa, utilizam livremente e sem mais custos todos os equipamentos. Estes são portanto partilhados e utilizados de forma bastante mais eficaz e produtiva do que é habitual. A propriedade exclusiva não é económica nem muito inteligente. Uma máquina, um qualquer equipamento ou, por exemplo, o nosso carro estão na maior parte do tempo parados. Não faz qualquer sentido. A partilha é muito mais lógica e eficaz.
Outras considerações determinam também a inevitável emergência deste novo tipo de fábricas. O gosto muda velozmente, a inovação constante altera comportamentos e necessidades, osproblemas sociais, ambientais e económicos crescem em complexidade. Faz cada vez menos sentido continuar a produzir em massa, quando as pessoas desejam diferenciação. Faz cada vez menos sentido impor uma determinada solução quando as pessoas gostariam de poder escolher, desenhar, conceber a sua.
Existem para além disso problemas concretos que exigem uma mudança. A produção em massa gera imensos desperdícios, precisa de enormes áreas de armazenagem, requer uma sofisticada e onerosa rede de transportes. É, além do mais, ambientalmente insustentável. Por isso as fábricas do futuro terão forçosamente de ser muito diferentes.
A crise que estamos a atravessar não é boa, nemaceitável. Mas porque implica a reconversão de muitas atividades e modelos de negócio, permite que se encare seriamente uma alteração profunda dos próprios modelos de produção. Que sirva para alguma coisa. A indústria do futuro será ligeira, dispersa, diversificada e sobretudo acessível. Os equipamentos pesados, as grandes linhas de montagem irão dando lugar a pequenos centros de produção que funcionarão ao virar da esquina. Os poluentes e inacessíveis complexos industriais tenderão a desaparecer. Assistiremos a uma espécie de regresso da pequena oficina de bairro, só que altamente sofisticada e, mais importante, à disposição de todos. Isto vai mudar muito o universo produtivo e é melhor estarmos todos preparados. Depois não digam que não avisei.
Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.