Opinião
Esquerda caviar, direita chouriço
Deu brado a reportagem da Paris Match com o ministro grego das Finanças Yanis Varoufakis. Não tanto por aparecer nas páginas de uma revista pirosa, como o são todas do género, a par da decadente aristocracia europeia e dos habituais ricos e famosos, cada vez mais pobres de espírito.
Não. A maioria dos indignados aprecia e consome este tipo de vulgaridades. Mas não pode aceitar que um homem que se diz de esquerda tenha uma boa casa, com vista para a Acrópole, e, imagine-se, beba vinho branco à refeição. Para a direita chouriço, embrutecida pelo reacionarismo, a esquerda caviar, aquela que tem bom gosto, educação, cultura e aprecia os prazeres da vida, é uma afronta.
E porquê? Porque a direita chouriço considera que o povo, e ainda mais o povo de esquerda, deve viver na miséria, não ter dentes, contentar-se com pouco, ou nada. A felicidade é coisa para os muito ricos que a direita chouriço venera e protege custe o que custar. Se a esquerdalha começa a gostar das coisas boas onde é que isto vai parar?
Para a direita chouriço tudo o que esteja para lá do limiar da miséria é viver acima das possibilidades. Não pode ser. Há por isso que empobrecer, cortar e impor respeitinho.
Não se pode permitir que um Varoufakis qualquer venha dizer que não é assim, que as ideias políticas e sociais nada têm a ver com a riqueza de cada um. Percebe-se. É que a direita chouriço também vive na miséria. Desde logo mental.
Este preconceito, como tantos, tem pouco a ver com a realidade. A esquerda organiza-se para defender os mais humildes e com menos poder, os descamisados, por imperativo de um pensamento e de uma visão elaborada do mundo. Mais liberdade, mais progresso, em resumo. Na origem das ideias de esquerda estão normalmente homens e mulheres com acesso à educação, algum bem-estar ou mesmo riqueza. Karl Marx nasceu numa família abastada de Trier. O seu parceiro de luta, Friedrich Engels, com quem escreveu o Manifesto Comunista, era rico por via da importante indústria têxtil familiar. O anarquista Mikhail Bakunin tinha ascendência nobre. O pai de Fidel Castro foi um emigrante galego que depressa se tornou num rico produtor de cana do açúcar. Álvaro Cunhal, para citar um comunista português, nasceu numa família da alta burguesia. Mário Soares sempre foi rico. Francisco Louçã nunca foi pobre.
São alguns exemplos, aleatórios, mas que demonstram que na origem das ideias de esquerda estão contextos de algum bem-estar que no mínimo permitem estudar e refletir. Daí que a esquerda insista na importância da educação e a direita chouriço a despreze e a reduza a uma mera fábrica de produção de mão-de-obra precária.
A miséria não é favorável ao pensamento. Tal como afirmou Marx, os mais pobres, que ele chamou lumpen, não têm sequer capacidade para entender a sua própria condição e por isso nunca são uma força de mudança. Normalmente engrossam as hostes mais torpes da direita chouriço.
Pelo contrário, aqueles que desfruam de alguma riqueza têm condições para lutar pela solução dos desequilíbrios e injustiças sociais. Só mesmo a direita chouriço acha que a pobreza é o destino da humanidade. Qualquer sociedade que se preze deve ambicionar o enriquecimento coletivo, seja sob a forma de oportunidades para todos, seja de bem-estar e felicidade geral. A riqueza não é uma mera acumulação de dinheiro. A riqueza é aquilo que permite à espécie humana evoluir, desde o plano individual ao coletivo. Só a riqueza permite realizar as mais arrojadas ambições humanas. Curar todas as doenças, viver para sempre, conquistar o espaço, imaginar o impossível. Já para não falar de garantir condições de vida digna para todos. Por isso, da mesma forma que ser pobre não é sinónimo de ser de esquerda, ser rico não é sinónimo de ser de direita. Aliás, a esquerda é em si mesmo uma importante riqueza das nossas sociedades. Porque quer mudar o que está mal e se bate pelo bem coletivo. Porque é uma força de reforma, inovação e quando necessário de revolução. Porque tem sido, desde sempre, e só pode continuar a ser, o principal motor da melhoria da condição humana. Com ou sem caviar.
Artista Plástico
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