Opinião
Em guerra
A declaração sobre os atentados de Bruxelas, do recém-eleito Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não podia exprimir melhor o pensamento da generalidade dos políticos europeus e demonstra a sua impotência perante a realidade.
Disse que foi um ato "cego e cobarde". Ora foi tudo menos cego e cobarde. Cego não foi porque acertou em cheio no alvo, o centro do poder político europeu e num dos símbolos do nosso modo de vida e da liberdade de circulação, um aeroporto. Cobarde também não foi porque, convenhamos, mesmo fanatizado é preciso que alguém tenha muita coragem para se matar em nome de uma causa. Cobarde será sim quem sentado numa sala protegida e climatizada guia um drone no outro lado do mundo para matar uma série de pessoas. Aliás, o bombista suicida não é uma novidade e já os tivemos em campos diversos. Na História recente, recordo os conhecidos kamikazes japoneses, as mulheres bombistas da guerra de independência da Argélia ou da Chechénia, entre outros.
Olhar para estes atos na perspetiva da cegueira e da cobardia isso sim é não querer ver. As coisas são bastante simples. No Ocidente temos mísseis teleguiados, o ISIS e outros grupos similares têm mísseis humanos. E tal como o Ocidente lança todos os dias vários em todo o mundo, esta gente lança os deles quando e onde pode. Trata-se de uma guerra na qual cada campo usa as armas que tem. Ponto.
Sucede que os políticos europeus, da direita à esquerda, com exceção da extrema-direita, tudo têm feito para recusar esta ideia, negando o estado de guerra, guerra de civilizações ou guerra religiosa, como se quiser, reduzindo os ataques a uma incomodativa afronta ao nosso modo de vida e liberdade. Os governantes limitam-se a prometer não ceder, aconselhando os cidadãos a continuarem a ir jantar fora, dão mais dinheiro e poder vigilante e repressivo às polícias, trocam informações e outras trivialidades do género que, como se vê, não estão a resultar. A guerra é agora global, gerou uma vaga de refugiados sem precedentes, assusta e confunde a maioria dos europeus. Na inevitável escalada, promete danos ainda maiores. Porque quem está disposto a suicidar-se com uma bomba artesanal ainda mais o fará com uma a sério se lhe puder deitar a mão.
Dito isto, tal como no tempo do nazismo há que tomar campo. Nesta guerra temos um inimigo bem definido. Não há outra maneira de colocar a questão. Um inimigo que luta por fazer regressar a civilização a uma nova Idade Média, obscurantista, repressiva e regressiva em todos os domínios. Nada desculpa a nossa passividade ou cumplicidade perante este projeto.
Os políticos não querem aceitar o estado de guerra porque isso obrigaria a irem direito ao assunto. Desde logo a escolher melhor os seus aliados. Donde o acordo vergonhoso com o Governo totalitário da Turquia nada ajuda, tanto mais que legitima o continuado extermínio dos únicos que combatem realmente e eficazmente o ISIS, os curdos. Por outro lado, sob a capa da liberdade religiosa proliferam nas cidades europeias organizações que mais não fazem do que alimentar o campo inimigo fornecendo-lhes meios materiais, rede e carne para bombas. A História ensina. Também o cristianismo teve de ser travado na sua sanha regressiva, quando em nome do seu Deus praticava todo o tipo de barbaridades e submetia pelo terror os europeus e outros povos. A Europa da liberdade é a Europa que conseguiu derrotar a demência criminosa da religião cristã. É bom nunca o esquecer.
Mas há mais. Ao não enfrentarem a raiz do problema, os políticos europeus estão a libertar outros monstros. O da extrema-direita, que emerge em força, e aquele que levará muitos cidadãos europeus a se tornarem vigilantes cheios de raiva e ódio e, eles sim, de cegueira. Já se vê com a confusão entre refugiados e terroristas. Estou certo de que iremos assistir cada vez mais a ataques aleatórios contra gente de pele escura ou com cara de árabe, o que quer que isso possa significar. À guerra contra o inimigo fanático religioso estamos a abrir uma nova frente contra um novo fascismo que só pode lançar a Europa num caos ainda maior. Não há argumentos que justifiquem tamanha irresponsabilidade. Nem de direita, nem de esquerda. O poder na Europa tem de mudar. E rápido, se queremos vencer esta nova guerra.
Artista Plástico
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