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Nós e a Volkswagen

As notícias que, mais uma vez graças aos Estados Unidos da América, nos têm vindo a chegar em relação às práticas fraudulentas do grupo Volkswagen (VW) merecem uma reacção exemplar por parte dos poderes públicos.

Aquilo que já se sabe em relação ao "software" instalado pela VW em vários milhões de motores a diesel de veículos comercializados em todo o mundo corresponde à prática voluntária e consciente de actos destinados a enganar outrem com o propósito de obter para si um ganho patrimonial ilícito à custa dos lesados.

 

E os lesados nesta história edificante são desde logo todos os contribuintes, os que pagaram impostos que alimentaram o sistema fiscal permitindo bonificar a compra de veículos automóveis menos poluentes (a "fiscalidade verde"), desde logo por a VW anunciar menores emissões de gases por parte dos seus motores a diesel. E lesado é também o Estado que cobrou menos impostos à VW do que deveria. E lesados são também todos os fabricantes automóveis (e a respectiva rede de comercialização e de manutenção) que não participaram na fraude e por isso viram a sua quota de mercado reduzida, os seus custos aumentados e os resultados minguados.

 

A fraude praticada pela VW, pela sua sofisticação, pela sua extensão, pela sua duração e pela sua dimensão não foi um acto fortuito, negligente ou acidental. Foi uma operação sofisticada, organizada, assumida ao mais alto nível da direcção da empresa e envolvendo, ao longo dos anos, centenas de quadros dirigentes. Tem-se vindo a saber que vários foram os alertas para esta situação nos últimos anos e que nem mesmo assim a VW se sentiu tentada a mudar de vida.

 

Estamos perante mais um exemplo de escola das falhas de regulação da actividade económica, consequência de uma fé cega nas virtudes do mercado e no desinvestimento nas competências dos reguladores.

 

E, por muito que a procissão vá no adro e que se espere que desta vez o crime seja severamente punido, aqui chegados, instala-se também uma outra dúvida legítima: o que pensa fazer o Estado português?

 

O XIX Governo constitucional tem Ministério da Economia e ainda um Ministério do Ambiente. Não irei ao exagero de solicitar ao ministro da Economia um raide dos inspectores da ASAE em equipamento antimotim contra a representação comercial da VW em Portugal. Mas talvez não fosse má ideia começar a recolher elementos de prova em relação aos veículos comercializados em Portugal por aquela marca (dando por boa a indicação feita quanto à não inclusão no processo fraudulento dos veículos VW produzidos em Portugal).

 

A economia que o dr. Pires de Lima é suposto tutelar não inclui apenas investidores estrangeiros, inclui também os consumidores portugueses, famílias e pequenas e médias empresas, cujos direitos devem ser defendidos.

 

Basta pensar que se a VW falsificou as emissões de gases dos motores, falsificou também os consumos de combustível anunciados como sendo os "normais" e que se veio a saber serem fraudulentamente inferiores aos consumos reais. E basta lembrar que além da dimensão ambiental haverá também uma dimensão puramente económica da fraude que é paga pelo consumidor que confiou no anúncio feito pela marca.

 

Pelas bandas do Ministério do Ambiente também ficaria bem alguma preocupação com as consequências ambientais desta fraude, não só com o disparar das emissões, mas também com o retrocesso no processo de consciencialização ambiental dos portugueses.

 

A campanha eleitoral, mesmo que fosse mais do que se vê, não pode justificar tudo, muito menos o abandono de funções perante a gravidade de um problema desta magnitude. Este é um daqueles momentos em que queremos perceber quem manda, quem guarda. Será isto indiferente aos políticos?

 

Advogado

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