Opinião
A janela
Há uma semana que filólogos, juristas, economistas e hermeneutas em geral se dedicam à leitura dos acórdãos e, sobretudo, votos de vencido – eles acordam cada vez menos – deste Tribunal Constitucional que substituiu o Conselho da Revolução na cândida tarefa de salvar a nossa constituição de leite e mel, na versão do que, em 1976, seria a nossa odisseia no espaço em 2000 e muitos.
Refiro-me, claro está, a quem escreve nos jornais e a quem os lê. Fora disso, o conhecimento empírico da realidade só demonstra, a quem dele não se furte, o alheamento e a descrença cada vez maior, de quem nos rodeia, em "tudo isto" que agora até anda sem dono.
E anda mesmo. De todas as teses sobre esta erupção de importância do Tribunal Constitucional, a melhor será, porventura, a de Rui Ramos que observa que: "o activismo dos juízes é o reverso do absentismo dos políticos".
O princípio aristotélico da física – "nature habhors a vacuum" – realiza-se também muito na vida e na política. Sobretudo por cá, na terra das opiniões.
E destes homens, superlativos compatriotas, alguns até doutores de Coimbra, lá seria de esperar que não se dedicassem a avaliar todas as possibilidades semânticas que uma "reforma" pode ter? Isso lá pode ser deixado aos iletrados em quem votamos?
E lá podiam, também, imaginar um mundo em que se reduz despesa quando os atiram à vida na primeira antecâmara de bancarrota desde que não há instrumentos para mudar o valor das coisas com decretos e rotativas? Era como perguntar quantos franceses são precisos para defender Paris…
Não se pode levar a mal. Os juízes compraram livros de economia porque os políticos desistiram de os discutir entre si e, sobretudo, connosco.
O governo comprou com menos ânimo do que propagandeava (aquilo dos melões depois de abertos, estão ver?…) o livro vermelho da troika e pouco mais lhe fez que anotações.
O PS vai trazer o "crescimento" por isso não precisa, nem de livros, nem das troikas que convocou depois de nos espatifar.
O resto não conta. Tirando o Dr. Marinho que nos ilustra mais a nós do que a ele, o PCP não sai do canto e o Daniel Oliveira, sozinho, não pode com o mundo às costas.
Mas, mais que a descoberta de que o Governo vai resolver até 2015 o procedimento de deficit excessivo – deixa de ser preciso por isso a partir daí cortar salários e essa coisa lá do Tratado Orçamental depois logo se vê – o que a decisão do Tribunal Constitucional faz, no domínio do estritamente político, é abrir uma janela de oportunidade para a coligação voltar a ganhar as legislativas do ano que vem.
E Passos Coelho aproveitou-a bem. Um dia depois de o VPM disto tudo ter ameaçado estudar e contrapropor qualquer coisa sobre a urgente mudança na segurança social, foi desautorizado, na praia, por aquilo a que, por cá se chama política, e que não devemos confundir com aquela outra coisa que se destina a resolver os nossos problemas.
Aí "eles" não querem, diz o PM, então enquanto não houver entendimento, não há reforma. Ladino, sabia bem a resposta que ia ter e, sobretudo, que o Tribunal deixou a batata no forno para escaldar em 2016.
Os "partidos socialistas" disseram logo muitas coisas: o da direita, está contra o plafonamento das contribuições mas não o das pensões. Não percebi. O defeito deve ser meu. O da esquerda, nem se lembra da sua proposta escrita das "meias" reformas, que acha elegível para os fundos estruturais… E compõe uma frase bonita sobre filhos e as mães. Aqui já percebi, não há mesmo nada pensado.
Os comentadores, que seguramente imaginam um futuro de reformas caídas do céu, acharam isto brilhante. E, como acima se disse, entre quem nos fez sair da borrasca mais recente e quem promete imprimir a massa, o povo já desconfia e sai do Colombo para que, do mal o menos, fiquem estes.
Eu também acho, do mal o menos. Ficava era um tudo nada mais contente se, ao fim de quatro anos, o meu partido mostrasse um ideia estruturada fora do memorando da troika, ao menos, sobre a reforma da segurança social. É um luxo, já percebi.
Advogado