Opinião
Mentiras perigosas
E o carácter punitivo da correcção é cegueira política. Causa muito sofrimento desnecessário e enraivece europeus uns contra os outros numa altura em que ou nos aguentamos todos juntos ou vamos pró maneta cada um para seu lado. Em Bona percebiam estas coisas. Em Berlim não sei.
Antes das eleições alemãs de Setembro conviria que falsidades sobre a crise financeira da Europa, tomadas por verdades pelos alemães, fossem desmentidas. Com votos à porta, não é de esperar que tal desmentido venha dos políticos que as espalharam (a começar por Angela Merkel e incluindo alguns dos seus opositores sociais-democratas). Mas é preciso que os eleitores sejam esclarecidos, sob pena do fosso entre o Norte e o Sul da Europa (e o fosso entre os alemães e quase todos os outros) se cavar ainda mais, do projecto político chamado União Europeia ser abandonado e, mais tarde ou mais cedo, da guerra tornar a ser um dos métodos usados pelos países europeus para resolverem problemas entre si.
A maioria dos alemães está convencida de que os países do Sul vão mal porque foram imprevidentes (como a cigarra da fábula de La Fontaine) e que eles, contribuintes alemães (a formiga da fábula) não estão mais dispostos a continuarem a sustentar vícios alheios. Acredita-se que há na Europa países permanentemente devedores (ao Sul) e países permanentemente credores (ao Norte). Por tudo isto, quer-se que a correcção técnica das falhas de governação financeira que contribuíram para a crise actual, sirva de castigo à alegada imoralidade da gente do Sul.
Tudo errado. As intervenções de salvamento de Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia (e outras, bilaterais, em 2010 à Grécia, antes dos mecanismos actuais que permitem financiamento pelos mercados através de um fundo da eurozona, terem sido estabelecidos) não custaram um cêntimo ao contribuinte alemão (ou austríaco, ou finlandês ou holandês). Empréstimos não são dádivas; desde o começo das crises soberanas até hoje, nenhum dos países em questão – Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre – faltou a qualquer das obrigações assumidas e nenhum dos países ricos do Norte perdeu um cêntimo nem como credor nem como fiador. Pelo contrário, a crise tem-lhes permitido ganhar bom dinheiro. Para já, porque o dinheiro custa muito mais barato no mercado à Alemanha (e Áustria, Finlândia, Holanda) do que a qualquer dos países do Sul. E há mais. Na Finlândia, por exemplo, o partido xenófobo dos Verdadeiros Finlandeses ganha votos por as pessoas acharem que a Finlândia manda para ajudar o Sul dinheiro que o Sul não merece, quando na realidade o seu banco central contribuiu 227 milhões de euros para o orçamento do país em 2012, lucro dos títulos gregos, espanhóis e portugueses que detém. Sem esquecer que o dinheiro fácil que fez bolhas e atrasou reformas no Sul foi intermediado por bancos do Norte.
E o carácter punitivo da correcção é cegueira política. Causa muito sofrimento desnecessário e enraivece europeus uns contra os outros numa altura em que ou nos aguentamos todos juntos ou vamos pró maneta cada um para seu lado. Em Bona percebiam estas coisas. Em Berlim não sei. Era preciso que alguém ajudasse os alemães a aprenderem a lidar com o seu destino.
* Embaixador