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José Maria Brandão de Brito - Economista 01 de Abril de 2015 às 00:01

O triunfo imaginário do PM

Tenho a sensação de que o País político está parado à espera que aconteça. Não mais um facto, um esquecimento providencial, uma lista que não existe mas sai na comunicação social, um imposto que não se paga, candidatos presidenciais que vão fazendo prova de vida...

 

tudo para preencher um vazio que foi o legado deixado pela saída de cena da troika e do seu memorando.

 

Definitivamente, quem nos governa esgotou o combustível e o prazo de validade, não tem ideias e vai-nos entretendo com factos reais ou virtuais, na expectativa de que ocorra uma amnésia colectiva que o ilibe de responsabilidades na situação em que Portugal se encontra. São sempre os outros, quem fez acontecer os factos, os esquecimentos, a dívida, os impostos, os candidatos.

 

Como escreveu Felipe Gonzalez, "o sentimento social maioritário do nosso tempo é a inquietação (...)". Pois é inquietação o que eu sinto nestes primeiros dias de Primavera fria que promete não deixar saudades. Reflectindo sobre o nosso dia-a-dia sinto-me cada vez mais céptico. A vida não pode ser feita de "sound bytes" alguns de duvidoso bom gosto e pior senso.

 

Como portugueses temos de esperar que acabe este ciclo político e económico dominado pela austeridade e pelos desproporcionados sacrifícios a que ela nos obrigou. Com a agravante de não podermos dar nenhum passo em falso que nos faça cair do degrau que conseguimos subir. A rotina narcotiza-nos mas aí estão os números a mostrar como esses sacrifícios foram demasiados para tão magro ganho. Acesso aos mercados, sim. Uma credibilidade internacional acrescida, sim também. Um crescimento, mesmo fraquinho, pois sim.  O afastamento de novo resgate, sim também. Mas vozes insuspeitas vêm avisar-nos que a virtude não foi nem só nem sobretudo nossa, que a nossa sustentabilidade económica tem mais a ver com a conjuntura internacional que se seguiu à saída das "instituições credoras": a política expansionista do BCE, a descida da taxa de câmbio do euro face ao dólar, a descida do preço do petróleo e de outras matérias-primas de que resultou, a par com o esforço das empresas exportadoras portuguesas, uma melhoria da balança comercial.

 

O que mais me espanta é que se apresente Portugal como um exemplo de boas práticas no quadro da intervenção da troika quando tudo isto está preso por arames e pode não resistir a uma inversão dos humores dos mercados. Não por nossa causa, que não jogamos neste torneio, mas por causa da Ucrânia, ou do Estado Islâmico, ou da guerra declarada no Iémen, entre a Arábia Saudita e o Irão, ou...

 

O que me deixa perplexo é que perante os níveis da dívida e do desemprego, o ritmo do crescimento económico, o empobrecimento do País, a emigração, os escândalos financeiros e de corrupção, o descalabro dos sectores mais directamente relacionados com o bem-estar social – saúde e educação,  a ministra das Finanças insista em ideias infelizes como a de que os cofres estão cheios (claro, de dinheiro para pagar dívida), ou que  respeita a independência da administração, que o Presidente da República se indigne com supostos agentes políticos (?) que escondem a bondade da situação em que nos encontramos, que o primeiro-ministro vá vender aos japoneses as suas convicções sobre um País que só ele lobriga e, em contrapartida, não articule uma estratégia, não formule uma ideia, não conceba uma medida,  para dizer o que pensa fazer com o seu triunfo imaginário: que propostas tem para conduzir o País se continuar nas suas mãos, que reforma para o Estado que não seja a de despedir funcionários, fundir direcções-gerais, e fechar os balcões que mais directamente se relacionavam com os cidadãos, que políticas públicas, que formas de recuperação do tecido produtivo encara, como pensa recuperar os sistemas de segurança social, que prioridades e que compromissos assume? Era tempo de nos expor o que pensa a governação neste período, terra de ninguém, enquanto esperamos e desesperamos que aconteça alguma coisa.

 

De facto, este Governo não tem os cofres cheios, nem a cabeça cheia de ideias, tal como nós temos os bolsos vazios e estamos cada vez mais descrentes.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa   

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