Opinião
"Un grosso vafancullo"
Mario Draghi vai ter de cumprir a promessa de recorrer à artilharia pesada para evitar que os juros da dívida soberana da Itália atinjam níveis insustentáveis provocando uma crise generalizada na eurozona.
Il male viene a cavallo e se ne va a piedi
Mario Draghi vai ter de cumprir a promessa de recorrer à artilharia pesada para evitar que os juros da dívida soberana da Itália atinjam níveis insustentáveis provocando uma crise generalizada na eurozona.
Do novo parlamento de Roma apenas se pode esperar a eleição do sucessor do presidente Giorgio Napolitano, cujo septenato termina em Maio, e a revisão num sentido de maior proporcionalidade da lei eleitoral da porcalhata ("una porcata" como a definiu o próprio ministro responsável pela reforma, Roberto Calderoli) aprovada por Silvio Berlusconi e seus aliados em Dezembro de 2005.
Nenhuma coligação consistente é possível e a ausência de apoios sociais e políticos para dar continuidade às medidas de contenção financeira tomadas pelo executivo de Mario Monti desde o final de 2011 irá, com grande probabilidade, agravar o previsto recuo do PIB em 1% este ano após uma quebra de 2,2% em 2012.
É de descartar, igualmente, a recuperação da capacidade competitiva da terceira maior economia da eurozona que em índices globais como o do "World Economic Fórum", compreendendo 144 países, coloca a Itália na 42.ª posição – pior do que a Espanha 36.º e melhor do que Portugal 49.º.
A pressão fiscal -- que tem garantido saldos primários orçamentais positivos, rondando uma média anual de 4% nas últimas duas décadas (3,6% em 2012) -- tenderá a agravar-se dado o volume da dívida pública (200 triliões de euros/128% do PIB) e continuará a estimular a economia paralela.
Com um parlamento sob ameaça de rápida dissolução reforçam-se as condições para um aumento da "economia in Nero" que deverá movimentar actualmente entre 247 mil milhões a 540 mil milhões de euros (1/3 do PIB oficial), acrescendo ainda para cima de 200 mil milhões gerados pelas actividades criminosas da "Cosa Nostra" siciliana, da "Camorra" napolitana, da "Ndrangheta" calabresa e da "Sacra Corona Unita" da Apúlia.
Nem Monti, nem austeridade
Após cinco trimestres de recessão o consumo registara no final da governação Monti uma quebra de 5%, o desemprego estava em 11% (37% entre os jovens), prevendo-se uma subida até aos 14% em 2014, e contestação ao "Monti-tedesco" estava em alta.
Os inquéritos sociológicos constatavam no final de 2012 níveis inauditos de repúdio pela "degradação moral da política e a corrupção", desconfiança generalizada ante o parlamento e o executivo, dificilmente capitalizáveis pela timorata coligação de centro-esquerda de Pier Luigi Bersani face à demagogia desabrida do centro-direita liderado por Berlusconi.
Durante a campanha eleitoral eclodiram novos escândalos envolvendo o vetusto "Monte dei Paschi dei Sienna", a holding da aeronáutica e defesa "Finmeccanica" e a petrolífera ENI.
A enxurrada engrossou o maremoto prometido pelo populista Beppe Grillo, líder intratável da anti-política italiana, com laivos de democracia directa, anti-elitismo e pendor ecologista.
O "Movimento 5 Stelle" vinha prometendo "un grosso vafancullo" desde a sua fundação em 2009 na sequência das primeiras manifestações populares, dinamizadas através da internet, contra a corrupção dos políticos que o comediante genovês incentivara em 2007.
Rejeitando o euro, carregando na tecla do anti-americanismo, opondo-se à concessão da nacionalidade italiana para filhos de emigrantes nascidos na península, Grillo é um demagogo que desde as eleições regionais de 2010 tem trazido para a esfera dos poderes legislativo e administrativo uma miríade de descontentes.
É cedo para dizer se no seio do heteróclito movimento de protesto de Grillo poderá surgir alguma metamorfose significativa com aspirações de poder, mas a curto prazo, considerando as previsíveis novas eleições, o "Movimento 5 Stelle" será um factor de grande perturbação nos equilíbrios partidários tradicionais.
Uma crise diferente
A Itália já passou por complexas reorganizações das constelações partidárias depois de os escândalos dos anos 90 e o esgotamento comunista levaram ao passamento de entidades históricas como a "Democracia Cristã", o "Partido Comunista" e o "Partido Socialista".
A irrupção de Berlusconi marcou nessa década o apogeu da política-espectáculo altamente pessoalizada e assente numa intrincada manipulação mediática, administrativa e legislativa a favor de interesses empresariais, mas manteve a lógica das tradicionais oposições direita-esquerda do pós-guerra.
Movimentos regionalistas como a "Lega Nord" não puseram em causa a lógica do sistema que conseguiu absorver essa contestação tal como tivera sucesso ao reprimir a subversão de extrema-esquerda e extrema-direita que atormentara a Itália dos anos 60 ao final da década de 80.
Este Fevereiro traz contudo um novo trago amargo com a ascensão de um movimento anti-sistema político com forte apoio popular que impede a formação de coligações capazes de amenizarem ou apresentarem políticas face a uma imensa crise económica, financeira, social e ideológica.
Reza o provérbio que a crise célere a chegar não será lesta a partir.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
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