Opinião
Um conservador dos antípodas
A questão fundamental de reconversão de uma economia que há 22 anos cresce ininterruptamente, graças ao boom das indústrias de mineração e das exportações de matérias-primas para a China, está por esclarecer.
Parco de ideias e com vincados tiques populistas, o conservador Tony Abbott levou à vitória a "Coligação" liberal e nacional, garantindo uma larga maioria na Câmara
dos Representantes de Canberra numa altura em que reina consenso na Austrália de que o país tem de reconverter uma economia excessivamente dependente das exportações de minérios para a China.
A esperada derrocada dos trabalhistas, na sequência de disputas internas, confirmou-se e o centro-esquerda averbou o pior resultado desde 1934.
Kevin Rudd fora eleito primeiro-ministro em 2007, mas uma revolta dos deputados trabalhistas afastou-o do poder três anos mais tarde.
A sucessora, Julia Gillard, foi, por sua vez, afastada em Junho, após repetidas sondagens sobre intenção de voto apontarem para um triunfo do centro-direita, e Rudd retomou a liderança do partido e do governo para sucumbir na votação de sábado.
Rudd encontra-se demissionário, apesar de ter conseguido ser reeleito pela sua circunscrição de Brisbane, e reina a discórdia quanto à forma de eleição de um sucessor envolvendo deputados e militantes.
Dados parciais da eleição para o Senado (os resultados definitivos só serão apurados no final do mês devido ao complexo sistema de votos preferenciais e os novos senadores só iniciam o mandato de três anos em Julho de 2014) indicam que a Coligação necessitará do apoio de alguns independentes para aprovar legislação.
Até lá terá de se confrontar com uma maioria de senadores trabalhistas e do partido "Verdes".
Abbott lidera os liberais (o partido maioritário da "Coligação" com apoio essencialmente urbano em contraste com os parceiros nacionais que têm influência sobretudo em regiões rurais) desde Dezembro de 2009.
O político liberal perdeu por escassa margem a eleição contra Julia Gillard no Verão de 2010, retirando, contudo, a maioria aos trabalhistas na Câmara dos Representantes.
Desde a derrota de 2007 o partido tinha já trucidado dois líderes, Brendan Nelson e Malcom Turnbull, que arriscaram alinhar os liberais mais ao centro sem melhorarem os resultados nas sondagens sobre intenções de voto e Abbott chegou na hora certa para afirmar uma política mais conservadora.
Umas quantas ideias simples
Abrasivo, dado a tiradas bruscas e pouco simpáticas, Abbott poliu maneiras e propagandeou sem fugir ao guião umas quantas ideias simples durante a campanha: "Revogar a taxa de carbono, deter os barcos, construir infra-estruturas".
No discurso de vitória na sua circunscrição de Sidney, o dirigente conservador prometeu "um governo sem surpresas, nem desculpas".
Ponto por ponto as ideias simples de Abbott têm implicações complexas.
O imposto de 30% sobre os lucros de empresas de mineração de carvão e ferro – introduzido em Julho de 2012 e que só rendeu até agora ao estado 3 mil milhões de dólares australianos em vez dos previstos 13,4 mil milhões – é particularmente impopular em estados como a Austrália Ocidental e Queensland.
A taxa aplicada às 300 empresas industriais mais poluentes fez aumentar, por sua vez, os preços da electricidade.
Está por saber que receitas alternativas encontrará a "Coligação" para cobrir a perda da taxa e do imposto.
Ignora-se, igualmente, como irá o novo governo concretizar o objectivo de reduzir em 5%, considerando valores de 2000, as emissões de gases com efeito de estufa até 2020.
A promessa de pagar uma licença de maternidade de seis meses de vencimento por inteiro a partir de Julho de 2015, financiada através de novo imposto sobre as três mil maiores empresas, não é consensual entre os dois parceiros da "Coligação", sendo contestada pelos meios de negócios apoiantes do bloco de centro-direita.
A construção de infra-estruturas – sobretudo a ampliação da rede viária nas maiores cidades, Sidney, Melbourne e Brisbane – será feita graças à poupança nos próximos quatro anos de 4,5 mil milhões de dólares australianos na ajuda externa.
O aumento do orçamento de ajuda externa (presentemente 5,7 mil milhões de dólares australianos por ano) será indexado à taxa de inflação australiana que ronda menos de 3% e libertará, assim, verbas para investimento em infra-estruturas.
Esta controversa opção adia para data incerta o objectivo partilhado pelos principais partidos de disponibilizar 0,5% do PIB para ajuda externa e é susceptível de destabilizar e criar problemas em Timor-Leste, Papuásia, Ilhas Salomão e micro-estados do Pacífico Sul extremamente dependentes dos fluxos financeiros graciosos da Austrália.
Por outro lado, a revisão em baixa de compromissos de Canberra para apoio ao desenvolvimento no Afeganistão ou Iraque dificilmente será compatível com a promessa vaga de "deter os barcos".
A "Coligação", tal como os trabalhistas e anteriores governos conservadores, irá tentar encontrar expedientes para convencer o grande vizinho indonésio a norte a cooperar no combate à emigração ilegal.
A promessa de reduzir pedidos de asilo político (45 mil durante os seis anos de governação trabalhista) é cativante para o eleitorado, mas deixa tudo em aberto.
Uma proposta de compra de barcos abandonados por pescadores indonésios para evitar que sejam utilizados por traficantes de pessoas foi descartada por Jacarta que a considerou fútil e ofensiva.
Novas ideias terão, portanto, de ser consideradas pela futura chefe da diplomacia australiana Julie Bishop, uma advogada de negócios de Perth, que considera sobretudo essencial preservar a aliança com Washington, afirmando, ainda, ser necessário reforçar relações, essencialmente comerciais, com a Indonésia, China, Coreia do Sul e Japão.
Questão adiada
A questão fundamental de reconversão de uma economia que há 22 anos cresce ininterruptamente, graças ao boom das indústrias de mineração e das exportações de matérias-primas para a China, está por esclarecer por parte dos ideólogos da "Coligação", como, aliás, dos seus rivais trabalhistas.
Os indicadores e projecções oficiais australianas são invejáveis: crescimento de 2,5% em 2013, desemprego de 6,25% em meados de 2014, orçamento do estado equilibrado ou com ligeiro excedente em 2016, dívida pública equivalente a 11,4% do PIB em 2014-2015.
As estratégias económicas e financeiras do estado são, por seu turno, muito pouco claras e podem prejudicar projectos de investimento empresarial, mas o eleitorado australiano mostrou-se disposto a aceitar as vagas promessas de Abbott que nunca foram rebatidas pelos opositores.
Depois, a cumprir-se a tradição é de esperar que, como todos os executivos desde a derrota do trabalhista James Scullin, em Dezembro de 1931, em plena Grande Depressão, a" Coligação" consiga cumprir pelo menos dois mandatos consecutivos e governar durante seis anos.
A ambição de Abbott é, contudo, emular o seu mentor, John Howard, que manteve os conservadores no poder durante onze anos até 2007.
Alguma ideias Abbott terá de congeminar e concretizar para fazer coisa que se veja.
* Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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