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14 de Março de 2017 às 20:55

Um velho embaraço holandês

É fraco consolo que Geert Wilders quede fora da próxima coligação governamental pois a eleição desta quarta-feira prova como o ressentimento xenófobo alastra na Holanda, inquinando uma tradição de tolerância que vale a pena preservar na Europa. 

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Wilders rompe com certo sentimento de embaraço pela acumulação de riqueza que marca a cultura holandesa desde a época áurea do século XVII, se faz sentir nas críticas à exploração colonial nas Índias Orientais (actual Indonésia) no século XIX e leva ao multiculturalismo na tentativa de integração de imigrantes.

 

As velhas tensões entre usufruto e gozo da opulência, rigor da fé calvinista, expedientes das empreitadas comerciais e a veia humanista herdada de Erasmo contribuíram para uma cultura política de consensos e tolerância no pós-guerra que, tudo indica, chegou aos seus limites no início deste século.    

 

A frustração de expectativas, estagnação ou quebra de rendimentos, perda de estatuto e insegurança laboral justificam os agravos de quem mais perdeu com a recessão de 2011 e 2012 e as medidas de austeridade até a economia começar a recuperar há três anos.

 

Os 62% de votos contra no referendo sobre projecto de constituição europeia em 2005 tinham, por outro, lado deixado a claro dúvidas, que têm vindo a aumentar, sobre os termos da integração política, económica e financeira da UE.

 

Mais insidiosos são, contudo, a angústia, o temor e a raiva expressas pelas consequências da falhada integração de 1,8 milhões de imigrantes de "origem não ocidental", perto de 11% da população, sobretudo de cerca de 400 mil turcos, outros tantos marroquinos, 350 mil naturais de Suriname e 150 mil das Antilhas.

 

A maioria dos descendentes destes imigrantes, marroquinos e turcos chegados a partir dos anos 60 e na década seguinte no caso dos cristãos e hindus do Suriname (tornou-se independente da Holanda em 1975) está longe de se reconhecer nos valores partilhados por holandeses protestantes, católicos ou sem filiação religiosa.    

 

Sem atingir a virulência e violência do repúdio das segunda e terceira gerações de imigrantes de origem muçulmana em França, a minoria marroquina e turca na Holanda é exemplo de segregação e auto-segregação, ainda que as condições de vida e acesso a serviços sociais sejam em regra melhores do que noutros países europeus.

 

Os casamentos entre holandeses e descendentes de imigrantes marroquinos ou turcos equivalem a menos de 10% dos matrimónios, as condenações por crimes são superiores entre não ocidentais (marroquinos, em primeiro lugar, a seguir naturais das Antilhas, por sinal não muçulmanos, e só depois turcos) e o desemprego é três vezes mais elevado do que a média (actualmente, em 5,3%).

 

O distanciamento em relação à mescla de hedonismo, rigorismo ético e tolerância ideológica, religiosa e de costumes é, contudo, muito acentuado.

 

A revolta contra este repúdio da parte de imigrantes ingratos e possessivos que criam enclaves hostis nas grandes cidades, o falhanço da integração e do multiculturalismo, assumiu exaltado teor antimuçulmano e foi personificada por Pim Fortuyn (assassinado por um militante ecologista holandês em 2002), Theo van Gogh (baleado por um islamita marroquino em 2004), alentando, agora, Wilders.

 

Hoje, o prato da xenofobia vai ganhar mais peso na balança europeia.

Um estudo actualizado, publicado em Dezembro de 2016 pelo Real Instituto Holandês de Pesquisa Social, sobre integração de imigrantes pode ser acedido aqui em versão inglesa: 

https://www.scp.nl/english/Publications/Summaries_by_year/Summaries_2016/Integration_in_sight

 

Jornalista

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