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11 de Dezembro de 2013 às 00:01

Sem tempo para Mandela

Os padrões de voto são consistentes e apontam para mais uma vitória dos apoiantes de Thaksin cujo partido em 2011 congregou 60% dos votos no Nordeste e 50% no Norte, as regiões rurais mais pobres e populosas do país, contestando, ainda, o controlo da capital por parte do "Partido Democrata".

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O confronto político na Tailândia não deixou tempo para evocar Nelson Mandela e a convocação de eleições antecipadas encaminha o bloco governamental e os seus opositores para um beco sem saída.

Ao fazer aprovar em Novembro na Câmara de Deputados uma lei para amnistiar o ex-primeiro ministro Thaksin Shinawatra, posteriormente rejeitada pelo Senado, o governo de Yingluck Shinawatra ofereceu o pretexto para uma nova vaga de protestos antigovernamentais.

A amnistia, abrangendo crimes políticos desde 2004, permitiria o retorno de Thaksin, exilado no Dubai, anulando uma pena de dois anos de prisão imposta em 2008, e a sua rejeição ocorreu na mesma altura em que o Tribunal Constitucional declarava ilegal uma proposta de revisão da Constituição de 2007 para transformar o Senado num órgão puramente electivo.

A conciliação falhada

O governo de Yingluck, formado na sequência da vitória do partido "Pheu Thai" ("Pelos Tailandeses") nas eleições de Julho de 2011, vinha seguindo uma política conciliadora para com as forças mais conservadoras do poder militar e judicial para evitar uma repetição do golpe que afastou o seu irmão em 2006.

De pouco valeram a Yingluck as tentativas de apaziguamento a partir do momento em que manifestações lideradas pelo ex-vice-primeiro-ministro conservador, Suthep Thausgsuban, paralisaram Banguecoque.

Suthep, tal como o antigo primeiro-ministro de centro-direita, Abshisit Vejjajiva, acusado de responsabilidade na morte de cerca de 90 manifestantes pró-Thaksin na repressão de manifestações em Maio de 2010 e contemplado na falhada amnistia, revelou-se um adversário intratável.

Retomando o padrão dos protestos que os apoiantes de Thaksin encetaram em 2010, ripostando a manifestações dos seus adversários em 2008 e 2009, Suthep ocupou ministérios, centros comerciais e empresariais, tentando forçar intervenções policiais e militares.

O governo de Yingluck evitou, contudo, acções repressivas que pudessem propiciar justificações para um golpe militar.

O actual chefe do exército, general Prayuth Chanocha, optou, por sua vez, por uma tentativa de mediação, à revelia da tradição patente nos 18 golpes castrenses que a Tailândia regista desde a instauração da monarquia constitucional em 1932.

Um torno incerto

Uma intervenção directa do monarca, como ocorreu em 1973 e 1992, é improvável.

Bhumibol Adulyadej acaba de fazer 86 anos, a sua saúde é débil, o herdeiro, o príncipe Vajiralongkorn, está longe de propiciar consensos, e a sucessão dinástica será um momento traumático com consequências políticas incertas.

O impasse, com Suthep apelando à formação de um "Conselho Popular" à revelia das normas constitucionais para excluir a família Shinawatra e apoiantes do poder legislativo e executivo, enquanto os deputados da oposição renunciavam aos seus mandatos, levou Yingluck a convocar eleições antecipadas para 2 de Fevereiro.

É incerto se o centro-direito, como em 2006, boicotará as eleições que desde 2001 têm sido ganhas pelo bloco liderado por Thaksin Shinawatra.

O multimilionário das telecomunicações cuidou dos seus interesses empresariais por vias dúbias e ilegais, recorreu a métodos de violência extralegal contra redes criminosas e reprimiu sem peias revoltosos nas províncias de maioria muçulmana no Sul do país.

Ao promover políticas de crédito e assistência médica para as classes despossuídas e ao promover núcleos comerciais e industriais de regiões emergentes fora do eixo de poder de Banguecoque no final da década de 90, Thaksin criou, contudo, uma dinâmica que levou à criação de um bloco inter-classista claramente oposto às redes tradicionais de patrocínio político.

Os padrões de voto são consistentes e apontam para mais uma vitória dos apoiantes de Thaksin cujo partido em 2011 congregou 60% dos votos no Nordeste e 50% no Norte, as regiões rurais mais pobres e populosas do país, contestando, ainda, o controlo da capital por parte do "Partido Democrata".

Blocos em choque

Dissoluções de organizações partidárias, interdições de direitos eleitorais para políticos dos sucessivos movimentos liderados por Thaksin e seus familiares, como o cunhado Somchai Wongsawat chefe de governo entre Setembro e Dezembro de 2008, não têm obstado, nem conseguirão impedir novo triunfo do bloco populista de centro-esquerda.

A segunda maior economia do Sudeste da Ásia, a seguir à Indonésia, tem recuperado com sucesso de recorrentes crises políticas, mas a constatação de um impasse estrutural na partilha de poder no país, associada ao efeito conjuntural negativo no câmbio do bath por via da redução e eliminação dos estímulos da "Reserva Federal" de Washington, podem gerar uma dinâmica reminescente da crise de 1998.

Duas grandes coligações de interesses contraditórios estão em choque na Tailândia numa altura em que a mediação real legitimada por 67 anos de reinado de Bhumibol se esvanece.


Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/


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