Opinião
Quanto tempo resistirá o Qatar?
O Qatar, salvo a suspensão de fornecimentos aos Emirados através do gasoduto que também abastece Omã e a interdição de vendas de gás natural com destino ao Egipto, não tem forma de retaliar contra as sanções.
Pôr fim ao financiamento de islamitas opositores da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egipto e à divulgação de informação e propaganda adversas à coligação liderada por Riade, além de reduzir a cooperação com o Irão, são exigências a que o Qatar dificilmente escapará.
O ultimato de Riade implica, ainda, a expulsão do Qatar de ideólogos e militantes dos Irmãos Muçulmanos e Hamas e o fim do auxílio a rivais das forças apoiadas pelos sauditas nas guerras do Iémen, Líbia e Síria.
Aproveitando a retórica de Trump para isolar o Irão, o rei Salman exige que Doha se escuse a qualquer apoio político a Teerão, cingindo-se, à imagem dos Emirados Árabes Unidos, a trocas comerciais sem financiamentos ou vendas de material com possível uso militar.
A cooperação entre Qatar e Irão na exploração da jazida de gás Pars não poderá, consequentemente, servir de pretexto para iniciativas que favoreçam Teerão e seus aliados entre as minorias xiitas no Bahrein e Arábia Saudita.
Desta feita não bastará, como ocorreu durante a crise diplomática de 2014, fechar uma filial da Al Jazeera - o Qatar encerrou então o canal de emissão para o Egipto, Mubasher Misr, crítico do general Al-Sisi -, tendo ficado claro que Riade pretende a erradicação de críticos em todos os media detidos por Doha.
Yusuf Al Qaradawi, o pregador egípcio ideólogo dos Irmãos Muçulmanos, conta-se entre os muitos islamitas rivais do wahabismo saudita que terá de procurar outro país de abrigo se para tal valer a mediação do Koweit e Omã, os dois estados do Conselho de Cooperação do Golfo que não alinham na campanha de Riade.
O Qatar, salvo a suspensão de fornecimentos aos Emirados através do gasoduto que também abastece Omã e a interdição de vendas de gás natural com destino ao Egipto, não tem forma de retaliar contra as sanções.
Doha mantém as exportações de gás natural liquefeito (que equivalem a cerca de 1/3 das vendas globais), mas não escapa ao bloqueio terrestre e aéreo que afecta mais de metade dos abastecimentos em alimentos e acarreta pesados prejuízos para as indústrias de construção, projectos do Mundial de Futebol 2022 e a Qatar Airways.
Da parte da Arábia Saudita, na inviabilidade de fomentar um golpe contra o xeque Tamim Al Thani, é possível ainda pressionar Doha com a ameaça de levantamento de depósitos bancários, mas para Riade seriam prejudiciais acções destabilizadoras de mercados financeiros numa altura em que se prepara para colocar em bolsa 5% da petrolífera estatal.
À Casa de Saud, a braços com as reticências de Omã e do Koweit que se opõem à estratégia de isolamento do Irão (tal como círculos políticos e militares do Paquistão temerosos das consequências sectárias da frente anti-xiita esboçada em Maio na Cimeira de Riade), convém que a capitulação do Qatar seja o mais rápida possível sem agitação nas ruas entre os 200 mil súbditos do xeque.
Apoios turcos ou russos de pouco servirão a Doha pois o essencial é a atitude de Trump, e para o Presidente, ignorando responsabilidades de sauditas ou dos Emirados na propaganda e financiamento do jihadismo sunita, Teerão atiça "os fogos de conflitos sectários e do terror".
A proximidade do Qatar com o Irão levanta suspeitas a Trump.
A proposta de Abu Dhabi para os Estados Unidos transferirem da base aérea de Al Udeid para os Emirados os cerca de 10 mil militares do Comando Central que supervisionam operações do Magrebe ao Afeganistão passando pelo Iraque é uma das ameaças que pairam sobre o Qatar.
Os limites da estratégia de autonomização iniciada em 1995 pelo xeque Hamad Al Thani, sustentada pelas receitas do gás, estão à vista quatro anos após a sua abdicação.
Nem os investimentos no estrangeiro e os cerca de 298 mil milhões do Fundo Soberano do Qatar salvarão Tamim da capitulação ante Riade e resta-lhe pouco tempo.
Jornalista