Opinião
O refugo do comunismo
Libertar seis presos políticos e esquivar-se às costumeiras agressões e detenções típicas de eleições presidenciais foi quanto bastou a Aleksandr Lukashenka para a UE prestar-se ao levantamento de sanções à Belarus em mais uma constatação de impotência ante a Rússia.
Os chefes da diplomacia da UE constataram, como admitiu o alemão Frank-Walter Steinmeier, impropriedades no processo eleitoral - atestadas pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa -, mas abriram caminho para no final do mês suspenderem por quatro meses confisco de bens a empresas e pessoas e interdição de viagem a cidadãos bielorussos, incluindo o presidente.
Lukashenko ganhou pela quinta vez consecutiva com 84% dos votos, continuando a aumentar, de eleição em eleição, a margem de vitória desde o primeiro triunfo em 1994, para, conforme declarou, provar a mobilização e adesão às suas políticas.
Desde 2004 que a UE impõe esporadicamente sanções a Minsk, mas as penalizações em vigor após a fraude e repressão nas presidenciais de 2010 perderam sentido após a agressão da Rússia contra a Ucrânia.
O mal menor
O presidente bielorusso, tal como o autocrata do Cazaquistão, Nursultan Narzabaiev, marcou a sua distância quanto à anexação russa da Crimeia em 2014.
Belarus, Cazaquistão e Rússia partilham desde Janeiro de 2015 uma União Económica Euroasiática, mas a integração e as trocas económicas estão limitadas pelos constrangimentos de conjuntura e a desconfiança política.
A anexação da Crimeia e os combates no Leste e Sul da Ucrânia deram a Lukashenko oportunidade para escapar ao estatuto de pária e mediar conversações entre a UE, o presidente ucraniano Petro Poroshenko e Vladimir Putin.
As disputas entre Moscovo e Minsk, sobretudo as reticências à proposta russa de cedência de uma base aérea em Babruisk, a sudeste de Minsk, são do domínio público e os apertos financeiros da Belarus já levaram Lukashenko a solicitar empréstimos ao Fundo Euroasiático para a Estabilização e Desenvolvimento, controlado por Moscovo, à China e ao FMI.
A margem de manobra de qualquer potentado em Minsk é muito limitada pela dependência do mercado russo e das vendas de Moscovo a preço preferencial de petróleo às refinarias da Belarus e claudica em absoluto em momento de recessão, agravada pela crise económica na Rússia.
O mediador capitoso
Lukashenko, mero refugo do comunismo soviético, limita-se a aproveitar a ausência de alternativas dos Estados da UE para negociarem ou pressionarem a Rússia.
Ao autocrata de Minsk basta aparentar capacidade mediadora na discussão com Moscovo para obviar à hostilização da UE e capitalizar na negociação com a Rússia.
Todos sabem disso e não têm maneira de dar a volta.
O pouco que a diplomacia da UE lhe possa dar a ganhar é quanto basta a Lukashenko para somar uns pozinhos na rebeldia a Moscovo, ciente de que acabará de volta ao redil quando o Kremlin se vir obrigado a impor a ordem.
Nem vislumbre nem estratégia aqui: é apenas a admissão de impassse a leste para a UE.
É difícil
Por acaso de calendário e premeditação política o Nobel da Literatura 2015 foi atribuído a Svetlana Aleksievitch que tem muito a ver com Lukashenko e Vladimir Putin.
Svetlana Aleksandrovna, filha de pai bielorusso e mãe ucraniana, jornalista e escritora de língua russa, viveu o sovietismo do pós-guerra, mas revoltou-se contra o nacionalismo russo de Putin e o equívoco bielorussismo fraseado em russo de Lukashenko.
Cabe a Svetlana a constatação triste de que o putinismo, Lukashenko e outros são variante maior das mutações antidemocráticas da autocracia pós-soviética, e, em seu entender, mera expressão do mais vil que a falência comunista poderia acarretar.
Em Minsk e Moscovo, Svetlana depara-se com xenófobos e intolerantes manipulando o mais vil dos povos susceptíveis às denúncias e ao ódio por décadas de horrores.
A atribuição do Nobel é, como sempre, discutível, e, este ano, quadra no universo de obras biográficas, de história, reportagem e crónica.
No mundo linguístico russo, Olga Sedakova, para citar uma poeta superlativa, mereceria, em alternativa, a distinção por estrito mérito literário, e, num âmbito mais lato, considerando apenas ensaísmo de vertente jornalística, o indonésio Goenawan Mohamad estaria na primeira linha.
Ainda assim, Svetlana tem lugar de honra nas melhores tradições russas, bielorussas e ucranianas de crónica, memória e testemunho.
Diz Svetlana que "difícil é ser pessoa honesta nestes tempos".
Diz bem.
P.S.: "O fim do homem soviético", Porto Editora, 2015, é a única obra traduzida em Portugal de Svetlana Aleksievitch.
Jornalista