Opinião
O Presidente louco
Trump alarma Pequim e Nova Deli, desconcerta aliados, intriga adversários e os apoiantes louvam a imprevisibilidade do Presidente eleito como preâmbulo a uma reorientação radical da política externa dos Estados Unidos.
Aventa-se a comparação com Richard Nixon, que confessou jogar com a imagem de louco imprevisível para atemorizar os comunistas vietnamitas, mas o exemplo não colhe pois a Trump falta a experiência e visão estratégica que caracterizava o antecessor republicano ao tomar posse em 1969.
Tão-pouco se vislumbra entre as gentes de Trump alguém com a envergadura de Henry Kissinger para discutir, enquadrar e executar manobras de vulto na política externa como a abertura à China ou a distensão militar com a União Soviética, ainda que se entrevejam personagens capazes de emular os piores abusos da "realpolitik" da era Nixon.
A conversa telefónica com a Presidente de Taiwan e as tiradas de Twitter anti-Pequim, a par dos louvores ao primeiro-ministro do Paquistão, representam até agora as mais controversas investidas de Trump na área da política externa.
Dando de barato tratar-se de iniciativas pensadas para testar os termos em que possa ser reformulada a política de Washington face a Pequim e Islamabad, sobressaem de imediato como actos extemporâneos sem qualquer estratégia de referência e consideração pelos interesses de Estados aliados ou potências regionais adversas.
Os elogios a Nawaz Shariff e a seu "estupendo país" que Trump prometeu visitar, aproveitados de forma hiperbólica e eventualmente contraproducente por Islamabad, deixaram a Índia e todos os envolvidos nas guerras do Afeganistão perplexos quanto às intenções da futura administração.
Pequim endureceu o tom após ser tornada pública a primeira conversa telefónica entre um chefe de Estado norte-americano e um Presidente de Taiwan desde o reconhecimento diplomático da República Popular em 1979, mas evitou exacerbar a contestação nacionalista passível de escapar ao controlo.
Toda e qualquer declaração de independência de Taiwan será "causus belli" e, consequentemente, a Presidente Tsai Ing Wen, em funções desde Maio, tentou lançar água na fervura frisando, entretanto, que, apesar da sua orientação independentista, adere à ficção política da "China Una e Indivisível" e não tem intenções de desencadear a secessão.
Taiwan, colónia japonesa entre 1885 e 1945, reduto nacionalista de Chang Kai Shek após o triunfo comunista no continente em 1949, iniciou um processo de democratização a partir de 1988 que tem reforçado o sentimento de identidade distinta da ilha.
As garantias de defesa que Washington propicionam a Taiwan foram testadas em 1995-96 na sequência da autorização para uma visita particular aos Estados Unidos do Presidente Lee Teng Hui.
Pequim ripostou com testes de mísseis e exercícios militares no Estreito da Formosa e Bill Clinton enviou dois porta-aviões para a região numa demonstração de força.
Ante a renovada capacidade militar de Pequim seria bastante mais difícil ao Pentágono replicar a projecção de força.
A atitude agressiva da China nas reivindicações sobre jurisdição territorial no mar do Sul da China e nos litígios com a Coreia do Sul e Japão justifica uma revisão de procedimentos, mas a reorientação estratégica alardeada por Trump ignorando aliados regionais e repudiando a Parceria Transpacífico deixa australianos, japoneses e todos os demais num limbo de incertezas.
Pequim, tal como Moscovo, conta para a contenção da Coreia do Norte e o acordo nuclear com o Irão, mas pesa ainda mais nas negociações climáticas e na ordem económica internacional, e é possível que Ji Xiping possa sentir-se tentado a testar quanto vale Trump.
Quanto custa um rol de políticos ineptos como Cameron, Renzi ou Rousseff é coisa que se faz notar nos tempos que correm.
O rasto de estadistas implacáveis como Putin e Netanyahu está à vista.
Falta, agora, pesar o aventureirismo de Trump que, longe do estratagema do Presidente louco de Nixon, raia o absurdo e é assustador.
Jornalista