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João Carlos Barradas - Jornalista 17 de Janeiro de 2017 às 19:39

Nem sol na eira, nem chuva no nabal

Um novo referendo sobre a independência da Escócia é cada vez mais provável depois de Theresa May conceder que o acesso do Reino Unido ao mercado único europeu nos termos pretendidos pelos nacionalistas escoceses está fora de questão.

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Nicola Sturgeon retorquiu de imediato que negociações com Bruxelas limitando a presença de empresas escocesas na UE em prejuízo da economia do país são tidas por inaceitáveis em Edimburgo.

 

A líder nacionalista joga, portanto, com a convocação de um referendo para condicionar a heteróclita e contraditória agenda negocial da sua congénere em Londres.

 

May terá, ainda, de lidar com os interesses da City e da municipalidade londrina que visam obter estatutos especiais relativos aos sectores de serviços financeiros e à liberdade de estabelecimento e trabalho de pessoas.

 

Com cerca de 2 milhões de britânicos residentes em estados da UE e 2,5 milhões de cidadãos dos 27 a viverem presentemente no Reino Unido, a atribuição de estatutos especiais e transitórios para livre residência e circulação (além de um regime especial a acertar entre Dublin e Londres) redundará em controvérsias agrestes. 

 

A contestação da sucessora de David Cameron entre os conservadores tenderá, por sua vez, a subir de tom à medida que estalarem em público conflitos de interesses na Grã-Bretanha.

 

Um desafio à liderança de May ou a convocação de eleições antecipadas não é, consequentemente, de excluir. 

 

Tudo se agrava, entretanto, devido a um erro colossal que inquina de imediato a fragilíssima posição negocial britânica: a ameaça, aventada pelo responsável das Finanças, Philip Hammond, de jogar a cartada de redução substancial de IRC em competição com uma UE já assoberbada por diferendos sobre política fiscal, a começar pelo IRC de 12,5% aplicado na Irlanda.  

O Governo londrino, de resto, subestima em absoluto a extrema dificuldade de negociações com uma cada vez mais desordenada UE em que todos os Estados irão pressionar a Comissão para proveito próprio pelas razões mais diversas.

 

A repartição de contribuições anuais na ordem de 10 mil milhões de euros para cobrir o  rombo no orçamento que implica a saída do Reino Unido, segundo cálculos do  Instituto Jacques Delors, será, por exemplo, um factor essencial a assacar ao dossiê negocial com Londres nos cálculos e exigências de cada um dos 27.

 

A hipótese forte reside, portanto, na impossibilidade de em dois anos Londres e os 27 Estados da UE, sem contar com a aprovação do Parlamento Europeu, chegarem a um acordo que permita ao Reino Unido acesso preferencial ao mercado único e isenção de tarifas aduaneiras, por sinal dificilmente compatível com as regras da Organização Mundial de Comércio.

 

Se tal acontecer, e admitindo que May se escusou à procura de legitimação política em eleições antecipadas, a chefe do Governo ver-se-á confrontada com a opção de ruptura sem acordo.

 

Mesmo dando de barato que tudo o que é irrevogável hoje será desdito amanhã, May terá de explicar em que consiste a promessa de terça-feira segundo a qual até Março de 2019 o Parlamento será chamado a pronunciar-se sobre o Brexit.

 

Está por saber se se trata de votação nos Comuns e nos Lordes de eventual acordo aceite por Londres a levar à consideração dos 27 Estados da UE e do Parlamento Europeu ou se estará em causa o apoio parlamentar a uma ruptura sem acordo.

 

O Brexit não trará sol na eira, nem chuva no nabal.

 

P.S.: o estudo do Instituto Jacques Delors sobre o impacto orçamental do Brexit pode ser acedido aqui: http://www.delorsinstitute.eu/011-24537-Brexit-and-the-EU-budget-threat-or-opportunity.html

 

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