Opinião
Muito mais do que petróleo
O preço do petróleo terá de estabilizar nos 40 dólares/barril para a economia russa conseguir atingir dentro de quatro anos a dimensão equivalente ao PIB de 2014, segundo estimativa do Ministério das Finanças de Moscovo.
Após uma quebra de 3,7% em 2015, a contracção do PIB será de 0,8% este ano, de acordo com previsões divulgadas segunda-feira pelo jornal Vedomosti, considerando a variante mais positiva que possibilitaria, posteriormente, um crescimento anual de 1% - 1,3%.
Todos os cenários advertem para a urgência de reformas estruturais, designadamente o aumento da produtividade laboral e do consumo interno, admitindo, na melhor das hipóteses um crescimento de 13% entre 2014-2030.
Uma cartada longínqua
Os salários reais sofreram uma queda de 13% nos últimos dois anos, algo de inédito desde o início da era Putin em 2000, e previsivelmente só em 2025 irão recuperar os valores de 2014.
O acesso de empresas russas aos mercados financeiros internacionais e o investimento estrangeiro na modernização do sector dos hidrocarbonetos, responsável por cerca de metade das receitas orçamentais, surgem, também, como essenciais para a recuperação.
Manter a produção petrolífera ao nível mais elevado possível e/ou contrariar a queda dos preços são objectivos estratégicos para o Kremlin, independentemente de Vladimir Putin ter declarado em Outubro que já passara o pior da crise económica e financeira.
Um compromisso com a Arábia Saudita é, portanto, uma opção possível, sobretudo numa altura em que o apoio militar ao regime de Bashar al-Assad se revela proveitoso para negociar em posição de força.
A guerra da Síria oferece presentemente o maior leque de possibilidades negociais a Putin ao obrigar os sauditas a admitirem um acordo com os alauítas, deixando em aberto a hipótese de eventual afastamento de Assad, em troca de garantias de contenção do Irão.
Moscovo visa, também, pressionar a União Europeia a tentar conter refugiados na Turquia para o que serão necessários os préstimos de Moscovo no conflito sírio.
A resistência dos jihadistas sunitas na Síria e no Iraque é factor dificilmente controlável, mas Moscovo consegue insinuar-se no Médio Oriente como interlocutor necessário.
Um acordo por insatisfatório e precário que salvaguarde os interesses essenciais dos principais contendores poderá até abrir caminho para negociar o levantamento de sanções pela anexação da Crimeia e invasão da Ucrânia.
As viciosas e escandalosas crises políticas em Kiev levam água ao moinho do Kremlin nestes cenários optimistas.
Poucos dólares por barril
A extracção de 10,9 milhões barris/dia (b/d) em Janeiro deste ano, um recorde pós-soviético, foi negociado por Moscovo com a Arábia Saudita, Qatar e Venezuela, como limite à produção para encetar a recuperação dos preços do petróleo.
O acordo de Doha está dependente do assentimento dos demais produtores e se o Iraque (4,37 milhões b/d) admitiu congelar ou mesmo reduzir a extracção, o Irão, após o levantamento de sanções, pretende aumentar em 1 milhão b/d o nível de produção de Janeiro (2,86 milhões b/d).
O excesso de oferta (1,8 milhões de b/d em 2015) torna difícil a estabilização de preços sem perda de quotas de mercado pretendida por sauditas e aceite condicionalmente por Moscovo, apesar do retorno às exportações do Irão, quinto maior produtor da OPEP.
Um estudo divulgado este mês pela "Wood McKenzie", considerando uma produção total de 97,07 milhões b/d em 2015, admite que abaixo dos 35 dólares (usd) apenas 3,4 milhões b/d sejam extraídos com prejuízo.
A necessidade de manter operacionais investimentos de vulto, caso da extracção no Árctico ou do pré-sal brasileiro, a flexibilidade e o baixo custo do petróleo de xisto criam condições para a sobrevivência de produtores, incluindo boa parte dos 4% de concessionários de explorações presentemente não rentáveis, ameaçados pela estratégia de Riade.
As explorações de petróleo de xisto (4 milhões b/d) deverão inclusivamente duplicar a extracção em duas décadas, o que corresponderá a cerca de 40% da produção dos Estados Unidos, de acordo com o "2035 Energy Outlook BP".
Fruste e imprevisível
As reservas financeiras da Arábia Saudita (cerca de 630 mil milhões usd) oferecem folga para pressionar outros produtores, mas o risco de isolamento político de Riade faz-se sentir.
Confrontos estratégicos, em particular entre sauditas e iranianos, guerras na Síria, Iraque e Iémen, apertos económicos em Moscovo, desesperos de desvairados em Caracas, turbulência financeira e política ante queda abrupta de preços levaram a um acordo fruste.
A manobra é arriscada e o que daqui resultar dificilmente satisfará a maior parte dos interessados.
Jornalista