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05 de Junho de 2018 às 19:25

Macron, Merkel e suas ilusões estivais 

Elitismo tecnocrático de pendor antidemocrático é o que ressalta dos discursos gradiloquentes de Emmanuel Macron e das considerações de Angela Merkel sobre reforma das instituições da União Europeia em vésperas de mais uma cimeira estival.

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A chanceler passou a admitir a criação de um Fundo Monetário Europeu limitado a empréstimos de urgência a curto prazo, a reembolsar na totalidade no prazo máximo de cinco anos, com supervisão sobre os países intervencionados sem esclarecer que poderes teriam de alienar os Estados a favor da Comissão Europeia ou da nova instituição.

 

A coligação conservadora e social-democrata de Berlim estaria, ainda, disposta a apoiar um fundo orçamental, não superior a dois mil milhões de euros, para obviar as dificuldades estruturais, referiu Merkel em entrevista ao Frankfurter Allgemeine Soontagszeitung.

 

A instituição de um orçamento comum à Zona Euro terá de se realizar de forma faseada de modo a acelerar a convergência das economias da Eurozona, reforçando a moeda única, afirmou, igualmente, a chanceler.

 

Por esclarecer ficam questões derivadas de desequilíbrios macroeconómicos (défices orçamentais excessivos de Portugal, França ou Grécia; excedentes de balança corrente acumulados por Berlim, por exemplo) monitorizados desde 2011 pela Comissão Europeia e sujeitos a equívocos procedimentos punitivos.

 

A ambiguidade de Merkel é o contraponto para a abertura de negociações com Macron que pretende a instituição de um ministro das Finanças da Zona Euro, sem concretizar competências, e deixa de lado o BCE, que ao deter dívida pública em montante equivalente a cerca de 20% do PIB da Eurozona evidencia a conflitualidade entre soberanias de parlamentos e governos nacionais e a instituição de Frankfurt.

 

Escapam, também ao debate, divergências quanto ao controlo de inflação sem que a compra pelo BCE de dívida pública de Estados mais endividados seja feita graças a redistribuição/subsidiação a expensas de países com orçamentos equilibrados ou excedentários.

 

Tão-pouco é discutida a possibilidade de investimento por via de criação monetária para financiamento de projectos de sustentatibilidade ecológica ou investigação/formação científica em áreas cruciais (inteligência artificial, saúde pública), opção tão política quanto as orientações seguidas até agora pelo BCE.

 

O putativo debate sobre reforma da UE, cingido à Zona Euro, abarca, contudo, outros Estados quando Merkel admite que a política que tentou impor de quotas obrigatórias de acolhimento de refugiados se saldou por um fracasso, sem que avente alternativas, e refira que a Alemanha, ou mesmo a Grã-Bretanha pós-Brexit, possa integrar a Cooperação Estruturada Permanente nas áreas da Defesa e Segurança (PESCO).

 

As despesas de Defesa de Berlim representaram, no entanto, 1,2% do PIB em 2017, o orçamento para 2018 aponta para 1,3% - sempre abaixo do compromisso de 2% com a NATO - e a Bundeswehr perdeu capacidade operacional.

 

Nada em Berlim parece indicar que Merkel e os seus aliados venham a alterar a política de desinvestimento sistemático em Defesa seguida desde a queda do muro de Berlim em 1989, ainda que no top 10 em matéria de exportação de armamento, em 2017, a Alemanha, entre parceiros europeus, só seja superada por França e esteja à frente do Reino Unido, Espanha, Itália e Holanda.

 

Um círculo eleitoral transnacional para o Parlamento Europeu, obrigando à redução da representação dos círculos nacionais onde podem votar cidadãos residentes oriundos de qualquer Estado-membro, não mereceu de imediato o apoio de Merkel apesar de favorecer países mais populosos, limitando, consequentemente, veleidades acerca de eleição directa para a presidência da Comissão Europeia.

 

Os projectos, intenções ou sugestões de reformas de Macron e Merkel, perdido o Reino Unido, reivindicam estatuto de vanguarda para Paris e Berlim, mas claudicam, desde logo, por carecerem de legitimidade eleitoral, a que terão de chegar por via de debate democrático, em países terceiros - lista longa: Itália, Polónia, Hungria, Áustria, Eslovénia, Grécia, por exemplo, onde sobressai a repulsa, justificada ou não, do que possa valer a União Europeia.

 

Jornalista

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