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Opinião
02 de Maio de 2017 às 19:50

Macron e o marco fraco   

Harmonizar a carga fiscal sobre as empresas na eurozona, impor tarifas "antidumping" para obviar à concorrência desleal de chineses ou indianos, reexaminar os termos do "Tratado Económico e Comercial com o Canadá", são algumas das promessas de Macron na recta final da campanha.

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O candidato centrista persiste na busca de apoios à esquerda e direita, propondo-se reformar o euro, classificado como um marco fraco e sem futuro no prazo de uma década caso não sejam realizadas reformas de fundo, designadamente a adopção de uma política orçamental comum tutelada por um ministro das Finanças dos 19.

 

O ex-ministro da Economia reconheceu, no entanto, num discurso em Janeiro na Universidade Humbolt, que Paris terá de respeitar de facto o limite de 3% de défice orçamental para se abalançar a negociar com Berlim medidas para reduzir os insustentáveis excedentes da Alemanha.

 

As profissões de fé de Emmanuel Macron nas virtudes ditas europeístas - como, por exemplo, a criação de um fundo da UE para projectos de defesa financiado pela emissão de obrigações comuns -  pesam pouco, contudo, dada a previsível falta de apoios políticos na Assembleia Nacional e Senado para fazer avançar um programa coerente de reformas.

 

As sondagens dão a vitória a Macron nas intenções de voto, mas a confirmar-se uma votação próxima dos 40% de Marine Le Pen ficará a claro o peso de um bloco social heterogéneo temeroso da acentuação das disparidades de rendimento, precariedade laboral e perda de estatuto social.

 

A geografia eleitoral das presidenciais reflecte uma repartição social e política em que regiões de menor concentração urbana do interior, Leste, Nordeste e nos Alpes Marítimos expressam propensões proteccionistas à sombra do Estado ante ameaças concorrenciais do exterior ou motivadas pelos avanços da automatização, novas tecnologias de produção e gestão.

 

Ainda que dividida na atitude a tomar face a questões de segurança - terrorismo jihadista, violência urbana, alienação contestária da segunda e terceira gerações de filhos de imigrantes -, França que não se reconhece em Macron é politicamente herdeira da tradição radical jacobina e do nacionalismo xenófobo e racista.

 

A Frente Nacional nesta conjuntura colhe os votos de parte dos franceses que repudiam uma ordem política assente na representação democrática com base em direitos abstractos universais.

 

Derivando para o discurso de um Estado soberano, forte e protector dos despossuídos de voz e poder, a cada vez maior vaga oriunda da extrema-direita entronca numa tradição que teve a sua hora mais negra no regime de Vichy nos anos da Segunda Guerra Mundial e banaliza actualmente a ideia de repúdio por quem é alheio ao culto e herança da França eterna.

 

A vertente vanguardista de matriz jacobina visa, por seu turno, um regime estadista centralizador e dirigista capaz de impor directivas e normas de comportamento conformes à ideia abstracta do cidadão ideal integrado numa comunidade soberana e independente, harmoniosa, livre de dissidências sociais e confrontos ideológicos.            

 

Ao correr das conjunturas este jacobinismo converge, agora, com a direita antidemocrática na revolta contra a "mundialização" e o "liberalismo" que Macron tenta contrariar com apelos ao optimismo de uma nova geração.

 

Na ausência de programa de reforma constitucional e estratégia de segurança interna, Macron fala de uma "alternância profunda e verdadeira" que irá ultrapassar clivagens de esquerda e direita.

 

Nada disso está em vias de acontecer: Macron vai deparar-se com um bloco social de bloqueio a reformas liberais e sem máquina partidária para impor veleidades bonapartistas.  

 

Macron terá de viver de expedientes com um "marco fraco" e uma França arredia a mudanças.

 

É bem possível que o centrismo de Macron venha a claudicar como sucedeu a Valéry Giscard d' Estaing no final dos anos 70 e na pior das hipóteses será um coveiro da V República de Gaulle sufocada pela ascensão dos extremos.

 

Jornalista

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