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24 de Junho de 2014 às 20:00

Indiscrições e palavrões

A estabilidade e integridade do executivo de Tusk chegou ao fim após sete anos de governação.

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A reputação do governador do Banco Central arruinada, as aspirações do ministro dos Negócios Estrangeiros por terra, a integridade da coligação governamental posta em causa e um fervilhar de suspeitas sobre a identidade dos promotores da conspiração são o saldo provisório de um escândalo de escutas na Polónia.

 

Têm muito que se lhes diga as gravações de conversas à mesa de restaurantes entre  membros da elite no poder que este mês foram divulgadas pelo semanário de Varsóvia "Wprost" ("Directo") e que irão obrigar à remodelação do governo da coligação de centro-direita de Donald Tusk.

 

O presidente Bronislaw Komorowski - eleito em 2010 como candidato da "Plataforma Cívica" na sequência do acidente aéreo que vitimou Lech Kacynski nas imediações de Smolensk, na Rússia - lamentou a linguagem desbragada constante das escutas, afirmando tratar-se de uma "degradação geracional", e remeteu para os responsáveis do governo a decisão de apresentarem uma eventual demissão.

 

A antecipação das eleições previstas para o Outono de 2015 é hipótese remota por requerer maioria de dois terços entre os 460 deputados na câmara baixa do parlamento.

 

A coligação soma 235 deputados (203 da "Plataforma Cívica" e 32 do "Partido do Povo Polaco"), enquanto à direita "Lei e Justiça" conta com 137 representantes no "Sjem", liderando o partido de Jaroslaw Kaczynski as sondagens sobre intenções de voto.

        

Sem tento na língua

 

Das escutas de conversa solta e repleta de obscenidades ressalta um diálogo gravado em Julho de 2013 entre Marek Belka - economista liberal, primeiro-ministro entre 2004 e 2005, governador do Banco Central por proposta de Komorowski desde 2010 - e o ministro do Interior, Bartlomiej Sienkiewicz, da "Plataforma Cívica". 

 

Na gravação, cuja veracidade foi reconhecida pelo executivo de Varsóvia, o governador - eleito pelo parlamento por seis anos com possibilidade de renovar o mandato uma única vez - admite promover uma política monetária expansionista e encontrar formas de financiar o défice orçamental se a situação económica e financeira se mostrar desfavorável ao governo antes das eleições de 2015.

 

Belka, vinculado ao estatuto de independência do Banco Central, impõe, em troca, que o ministro das Finanças, Jacek Rostowski, com quem se incompatibilizara seja substituído por um elemento "apolítico" o que efectivamente veio a ocorrer em Novembro com a nomeação de Mateusz Szcurek.

 

O defenestrado Rostowski é, por sua vez, alvo de outra escuta significativa efectuada em Janeiro deste ano durante um repasto com o seu confrade de partido, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Radoslaw Sikorski.

 

O chefe da diplomacia de Varsóvia declara que a aliança com Washington "não vale nada" e é prejudicial por "alimentar uma falsa sensação de segurança", além de potenciar problemas com a Alemanha e a Rússia.

 

Sikorski deplora, ainda, o "servilismo" ante os Estados Unidos, condena David Cameron por "incompetência" e acreditar em "propaganda estúpida" para amansar eurocépticos, considerando, tal como o seu interlocutor, inaceitáveis as pretensões britânicas e afirmando-se convencido de que a Grã-Bretanha acabará por abandonar a União Europeia.

 

Próximo dos conservadores durante o seu exílio no Reino Unido entre 1981 e 1989, Sikorkski desde a nomeação como ministro dos Negócios Estrangeiros em 2007 no primeiro governo Tusk prosseguiu a política de aliança estreita de Varsóvia com Washington que, contudo, se tem saldado por muitos dissabores.

 

Sikrki passou, também, a advogar uma maior integração federalista europeia, incluindo a adesão da Polónia ao euro, contestando as dificuldades levantadas por Londres à emigração polaca e a recusa do Pacto Fiscal de 2012.      

 

Varsóvia viu Obama abandonar em 2009 o plano de defesa antimísseis da administração Bush, envolvendo interceptores na Polónia e República Checa contra uma alegada ameaça do Irão, constatou a recusa da NATO em garantir uma presença militar significativa no país e a mitigada recepção na União Europeia a repetidos apelos para urgência na implementação de alternativas à dependência energética a Rússia.

 

A quem aproveita?

 

O teor desabrido das afirmações de Sikorski reflecte a frustração de elites polacas altamente temerosas da Rússia, tal como acontece na Lituânia, Letónia e Estónia, que viram confirmados todos os receios com o desenrolar da crise ucraniana a partir de Fevereiro deste ano.

 

Deu em nada a ambição de ver Sikorski chefiar a política externa na União Europeia por causa da polémica levantada pela divulgação das escutas e mesmo que entretanto não surjam mais revelações confrangedoras ou comprometedoras a estabilidade e integridade do executivo de Tusk chegou ao fim após sete anos de governação.

 

Tusk diz-se vítima de conspirações de bandos do "crime organizado", de interesses inconfessáveis apostados na destabilização de estado polaco, e, por certo, terá razão de preocupação pela actuação dos serviços de segurança e contraespionagem ainda que em qualquer país democrático seja difícil garantir as gravações ilegais de conversas particulares de membros do governo em lugares públicos.

 

Em rigor, defende-se o executivo de Tusk, não há prova de actos conspiratórios para acções ilegais nas conversas vindas a público, mas a cabala entre o ministro do Interior e o governador do Banco Central deixa a claro o pior da política polaca.

 

Frustar a determinação polaca em levar os seus parceiros na UE e aliados militares a adoptarem uma atitude de maior pressão sobre a Rússia é, entretanto, uma das teorias privilegiadas de conspiração correntes em Varsóvia.

 

Por maioria de razão, se evoca como surgiu em Fevereiro, caída do céu, a gravação de uma conversa telefónica entre a subsecretária de estado, Victoria Nuland, e o embaixador norte-americano em Kiev em que a diplomata não se escusava a um peremptório "Fuck the EU!" 

    

A espionagem e as provocações do Kremlin costumam rondar pelas bandas de Varsóvia, o desprezo e suspeita a que se votam russos e polacos é proverbial, mas, desta feita, melhor seria as gentes de Tusk não se porem a jeito.

 

Jornalista

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