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28 de Março de 2017 às 19:58

Brexit: entre o péssimo e o tenebroso

O prazo de dois anos para chegar a acordo sobre o Brexit será a primeira ilusão a desabar logo que se tornar clara a insensatez de quem espera que 27 estados da UE apresentem uma posição comum para negociar com Londres.

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David Davis e Michael Barnier abrem conversações sem terem garantido um mínimo de apoios políticos capazes de definir um leque razoável de opções negociais.

 

As presidenciais em França mesmo que Marine Le Pen quede longe do Eliseu vão acentuar reivindicações proteccionistas e soberanistas que o sucessor de François Hollande terá extrema dificuldade em debelar.

 

A controvérsia sobre os compromissos financeiros que o Reino Unido terá a saldar (a estimativa da parte de Bruxelas aponta para 60 mil milhões de euros) e respectivos prazos irá, consequentemente, azedar depois de 7 de Maio.

 

Até Julho, entretanto, ou se consuma novo resgate de Atenas, ou após oito anos de crise que levou a uma queda de 45% no PIB per capita da Grécia, a eurozona perderá o seu primeiro membro.

 

Tanto quanto o ritmo da redução da política de estímulos do BCE o que suceder na Grécia influirá fortemente os equilíbrios políticos na Itália (com hipótese de eleições antecipadas antes de Maio de 2018) e Portugal.

 

Esta instabilidade não será compensada pelas eleições alemãs de Setembro porque, apesar da ausência de diferenças substanciais entre conservadores e sociais-democratas quanto ao Brexit, Berlim enfrenta imperativos acrescidos de segurança e defesa no Leste europeu e no Báltico.

 

Atentados islamitas reforçam tendências xenófobas e lançam dúvidas sobre a capacidade de integração de comunidades muçulmanas dando mais peso à ameaça de pressões migratórias oriundas do Norte de África.

 

Tal como sucedeu em 2016 na negociação do acordo migratório e de acolhimento de refugiados entre a UE e a Turquia, Berlim tenderá a assumir-se, a ser vista ou temida como potência hegemónica nos Balcãs, centro e Leste europeus e a negociação do Brexit irá ressentir-se com conservadores polacos ou húngaros a encontrarem aqui matéria de proveito para os confrontos com a Alemanha. 

  

O retraimento norte-americano, acelerado pela incoerência estratégica de Donald Trump, custará caro a Berlim tanto mais que a um ano de eleições presidenciais na Rússia é já claro que Putin optou por uma estratégia interna repressiva a par da consolidação e ampliação de esferas de influência e projecção estratégica nos Balcãs, Mar Negro, Cáucaso e Síria.

 

O governo de Londres poderá, neste contexto, jogar o trunfo da cooperação com a UE na área da defesa, mas os projectos comuns em curso esbarram na questão do acesso que empresas britânicas possam conseguir a mercados do continente.

 

Theresa May, de resto, nunca conseguirá fórmulas de excepção para sectores financeiros e de serviços sem ceder na aceitação da livre circulação e residência de pessoas, atendendo aos interesses dos 27.

 

As perdas para a City e o sector financeiro (12% do PIB britânico) serão o ganho de praças concorrentes.

 

Noutros sectores, como a agricultura, a ruptura no livre acesso ao mercado comum europeu (o maior parceiro comercial) assume contornos pesadíssimos agravados pelo fim dos subsídios da PAC.

 

O artigo 50 implica que o acordo de saída do Reino Unido tenha "em conta o quadro das suas futuras relações com a União" (ponto 2) o que obriga a uma negociação política em bloco que terá de estar concluída no Verão de 2018, salvo uma prorrogação altamente problemática para todas as partes, para dar tempo à ratificação unânime nos 27 e Parlamento Europeu.

 

A ala radical soberanista conservadora tem, portanto, pela frente a difícil negociação dos termos de um período de transição que impossibilitam o repúdio em bloco e imediato da jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça.

 

As expectativas soberanistas vão ser defraudadas e muito conservador exigirá a cabeça de May antes das eleições de 2020, sendo uma incógnita a posição que venha a tomar o parlamento de Londres face a um acordo ou ante uma ruptura negocial.

 

Em Edimburgo paira o espectro de ruptura da União de 1707, apesar de os nacionalistas precisarem do acordo de Westminster para um referendo vinculativo essencial para Madrid vir a aceitar negociar a eventual adesão de uma Escócia independente à UE.

 

Se as desventuras do Brexit fizerem pender as sondagens a favor dos nacionalistas, Nicola Sturgeon poderá sentir-se tentada a impor uma dinâmica política difícil de conter convocando um referendo sobre a independência não-vinculativo à revelia de Londres.

 

Tudo no Brexit soa a frustração, desilusão, perda e desgraça.

 

Jornalista

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