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22 de Julho de 2014 às 20:28

A persistência do impasse

Manobrar para conseguir um impasse proveitoso é arte difícil que arrisca sempre a ruína súbita de equilíbrios periclitantes e assim o mostra o exemplo dos governos de Israel e da Rússia confrontados com situações em que provavelmente vão sair a perder.

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Putin depois de anexar a Crimeia em Março, ante a impotência das potências ocidentais, optou por apostar na destabilização permanente promovendo e armando milícias separatistas no leste russófono da Ucrânia.

 

Incapaz de quebrar as resistências nas regiões do centro e ocidente da Ucrânia à integração num espaço económico euro-asiático hegemonizado pela Rússia, o Kremlin ao enveredar pela destabilização militar iria no mínimo fazer subir o custo de veleidades de cooperação reforçada entre Kiev e a UE.

 

Na Ucrânia, Moscovo contava colher proveitos similares aos conseguidos com a estratégia do reconhecimento de entidades separatistas, conforme sucede com a Ossétia do Sul, a Abkázia e a Transdnístria à custa da Geórgia e da Moldova.

 

Pontuais intervenções militares directas (caso da guerra com a Geórgia no Verão de 2008) ou apoio persistente a forças separatistas transformaram estes "conflitos congelados" em impasses favoráveis a Moscovo.

 

A armadilha nacionalista

 

A comunicação social submissa ao Kremlin visa agora obliterar a mais do que provável responsabilidade dos militantes da extrema-direita nacionalista em combate no leste da Ucrânia pelo derrube do avião da "Malaysian Airlines", aumentando a pesadíssima carga xenófoba da propaganda russa.

 

As expectativas de crescimento nulo ou negativo da economia russa agravaram-se, entretanto, devido à imposição de sanções financeiras norte-americanas, apesar da incapacidade europeia em enveredar por pressão similar por temor aos pesados custos económicos.

 

O surgimento de eventuais focos de contestação interna a Putin faz-se já notar da banda da extrema-direita que teme o abandono das forças separatistas na Ucrânia.

 

Se o governo de Kiev não fraquejar nas próximas ofensivas, os separatistas só poderão manter posições no terreno com apoio directo de Moscovo que terá de arcar com os custos políticos de guerra contra um estado soberano por interpostas milícias.

 

Baixar a intensidade da resistência separatista na Ucrânia cerceando movimentações militares e cortando fornecimentos é a opção mais lógica para Putin para negociar o levantamento de sanções, tentando que seja ignorada a anexação da Crimeia, mas dificilmente fará consenso em Moscovo.

 

Os imponderáveis da guerra e a vertigem nacionalista levaram Putin a um impasse que, desta feita, lhe é desfavorável.

 

Putin intimida, mas está dependente dos preços de mercado dos hidrocarbonetos, carece de investimentos e tecnologias para sustentar uma economia sem capacidade concorrencial e de inovação, e a partir deste Outono tal fragilidade far-se-á sentir cada vez mais.    

 

Inegociável e imperativo 

                                           

Em Israel a estratégia de impasse é política de estado.

 

Concessões territoriais e desmantelamento de colonatos na Cisjordânia, albergando cerca de meio milhão de judeus, estão fora de questão sobretudo porque a retirada de Gaza em 2005, tal como o fim da ocupação do sul do Líbano em 2000, não produziram garantias de segurança.

 

Os movimentos  messiânicos e xenófobos que lideraram a colonização dos territórios conquistados na guerra de 1967 tornaram-se incontornáveis na negociação política interna.

 

As cada vez mais influentes correntes religiosas nas forças armadas por via da incorporação militar de jovens ultra-ortodoxos se em certos casos podem descartar posses terrenas irrelevantes acentuam paradoxalmente o cunho judaico exclusivista do estado.

 

Pressões demográficas – como o crescimento de árabes israelitas (21%) e ultra-ortodoxos (10%) entre os 8 milhões de habitantes –, a acentuada segregação comunitária e discriminação da minoria não-judaica pouco auguram de bom para a preservação dos princípios democráticos do estado.

 

Um arsenal nuclear próprio e a garantia de segurança de Washington continuam a permitir a Israel desqualificar potenciais parceiros negociais num ambiente regional hostil e em mutação com a falência de ideologias secularistas e a braços com guerras etno-religiosas envolvendo árabes xiitas e sunitas, curdos, persas ou turcos.

 

Mesmo quando conjunturalmente a implosão síria, a repressão militar egípcia dos "Irmãos Muçulmanos" ou as dificuldades de Teerão para prosseguir um programa militar nuclear favorecem Israel, actos terroristas fornecem pretexto para nova ronda  de hostilidades.

 

O rapto e assassinato de três jovens judeus, seguido do sequestro e assassínio de um adolescente palestiniano, engendraram a tradicional escalada – entre propaganda do Hamas pelo extermínio do judeu e exortações racistas em Israel – a que obriga a lei de Talião e proporcionaram prova de força capaz de desfazer o governo de coligação negociado em Abril pelo Hamas e a Fatah.

 

Ódio e vingança 

 

A devastação em Gaza levará apenas o conflito para um plano diferente, deixando Mahmoud Habbas cada vez mais impotente na Cisjordânia e esvaziando de sentido tentativas de mediação diplomática sucessivamente falhadas no objectivo de garantir a sustentabilidade de um estado palestiniano independente e garantias de segurança mútua.

 

Recorrendo a tácticas de guerrilha para infligir baixas às forças invasoras em vez de confronto directo, o Hamas recupera legitimidade em Gaza e comprova que apenas bombismo suicida e raptos bem-sucedidos em território israelita são capazes de levar o inimigo a ceder (caso da troca do soldado Gilad Shalit por 1027 prisioneiros árabes israelitas e palestinianos) ou a enveredar por acções punitivas condenáveis para a opinião pública ocidental.

 

O impasse judeu-palestiniano parece ainda favorecer Israel, mas a manter-se a presente lógica de rejeição mútua o próprio cunho democrático do estado judaico está cada vez mais em risco.

 

Valores de tolerância são há muito espezinhados por um quotidiano de violência, abusos e fanatismos nos territórios palestinianos e as imagens que chegam da guerra mostram cada vez mais judeus a celebrarem a vingança e o nojo pelo inimigo num reflexo de ódio que irmana na desgraça uns e outros.             

 

Jornalista

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