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Opinião
15 de Julho de 2015 às 00:01

A estratégia depois do acordo

A normalização de relações entre EUA, a UE e o Irão é um dos pilares do reordenamento estratégico do Levante ao Cáspio consagrado pelo acordo de Viena.

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O isolamento de Israel, a secundarização da Arábia Saudita, e a reapreciação da importância da Turquia são consequências com que as grandes potências têm de lidar.

 

Numa conjuntura em que o jihadismo sunita põe em causa as fronteiras herdadas da desagregação do Império Otomano, o retorno pleno do Irão à cena internacional gera fortes ondas de choque.

 

O retorno da Pérsia  

 

Para além do papel de Teerão nos confrontos entre sunitas e xiitas, no trato com o nacionalismo curdo, e nas guerras da Síria, Iraque e Iémen, o Irão impõe-se como parceiro incontornável do Afeganistão aos equilíbrios no Cáspio.

 

Moscovo apressou-se nos últimos meses a concluir contratos nos sectores agrícola, de aviação e marinha comerciais, mas o que tiver a ganhar em vendas militares dificilmente será contrabalançado pela reentrada do Irão no mercado energético.

 

A eliminação de uma ameaça nuclear na fronteira Sul e a expectativa de manutenção de uma parceria de conveniência conseguida a custo após a Revolução Islâmica de 1979, aparentam ter pesado no cálculo da Rússia.

 

Para Obama e seu sucessor/a sobram a gestão da reconfiguração de um sistema de alianças, pesos e contrapesos, que dispense intervenções militares directas, salvaguardando a segurança das monarquias sunitas e de Israel.

 

Europeus e chineses, além de considerações genéricas de segurança regional, têm a ganhar acesso a mercados de investimentos e exportação, a fontes de hidrocarbonetos.

 

A dinâmica iraniana

 

Aceder aos mercados internacionais e aumentar exportações de petróleo e gás (apesar da quebra acentuada de preços) serão mais do que suficientes para relançar a economia iraniana, mas as dinâmicas políticas irão condicionar as taras e disfunções de patrocínio e controlo estatais e economias paralelas.  

 

Um Irão que nega o direito à existência do estado de Israel, apoia o Hamas palestiniano (sunita) e o Hizballah libanês (xiita) só pode ser visto em Telavive como uma ameaça independentemente da sua real capacidade militar e posse de armas de destruição maciça.   

A margem de manobra de governos israelitas, enleados no conflito palestiniano e ameaçados pela instabilidade do Líbano, implosão da Síria, e os duvidosos equilíbrios da Jordânia e Egipto, diminuiu imenso e obrigará, a bem da melhoria das garantias de segurança e financeiras oferecidas por Washington, a baixar o tom de contestação.

                                        

O rendilhado diplomático   

 

Fica salvaguardado o fito iraniano de manter um programa nuclear civil supervisionado pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e o objectivo das potências do Conselho de Segurança e Alemanha de obviar a projectos militares clandestinos.

 

As limitações à produção de urânio enriquecido e plutónio vão a par da manutenção de infra-estruturas industriais e, no âmbito das salvaguardas do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o Irão poderá dentro de uma década assumir-se como produtor nuclear civil com capacidade virtual de optar por programas militares.

 

Tal opção implicaria nova ruptura política com as potências tutelares do "statu quo" nuclear, mas estaria ao alcance de Teerão.

 

Outra vertente passa pelo calendário de levantamento de sanções económicas, financeiras e militares e estipula disposições para mediação de conflitos.

 

Os pontos 36 e 37 definem termos e prazos de resolução, reconhecendo o veto de um dos cinco membros do permanentes do Conselho de Segurança, em caso de incumprimento por parte do Irão, como suficiente para "reimposição" de sanções.

 

O articulado exclui a retroactividade e salvaguarda contratos entretanto firmados nos termos do acordo, deixando, no entanto, em aberto à República Islâmica o direito de, nessa eventualidade, suspender total ou parcialmente os seus compromissos nos termos do "Plano Genérico de Acção Conjunta".

                    

Outro jogo

 

As disposições de vigilância intrusiva da AIEA vão limitar-se ao "mínimo necessário", em respeito de soberania do Irão, sem interferirem com "actividades militares ou de segurança nacional" (ponto 74), mas deverão propiciar disputas.      

 

Estando a Casa Branca em condições de garantir o apoio de pelo menos um terço da Câmara de Representantes e do Senado para ultrapassar objecções ao acordo, no Outono poderão começar a delinear-se as grandes linhas de apostas comerciais e políticas que no início de 2016 vão condicionar as regras de novo jogo estratégico.

 

Jornalista

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